Conjunto de capturas de tela de vídeos publicados no TikTok, feitas em 31 de outubro de 2025 (.)

“Se me apoia, compre”: contas usam deepfakes de políticos para vender produtos no TikTok Shop

  • Publicado em 25 de novembro de 2025 às 20:36
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil

Se você também está com Bolsonaro em 2026, já clica no carrinho laranja”, parece dizer o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) em um vídeo que estimula usuários a comprar uma camiseta no TikTok. Esta é uma das várias publicações que utilizam imagens de personalidades de direita para promover o consumo de itens “patriotas” na nova plataforma de vendas da rede social. Mas as gravações, com mais de 4,5 milhões de visualizações, foram geradas com inteligência artificial e vão contra as políticas do TikTok. Após investigação da AFP, a plataforma removeu as contas enganosas.

Os vídeos curtos trazem personalidades como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua esposa Michelle Bolsonaro, ou aliados políticos como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em todos, são promovidos produtos como copos e camisetas customizadas com as cores do Brasil. 

As supostas figuras públicas falam direto à câmera e pedem que, caso o espectador seja apoiador de Bolsonaro, clique imediatamente no “carrinho laranja” para comprar o item “patriota”

“Ano que vem tem eleições e Copa do Mundo e você não pode deixar de adquirir sua camisa do Brasil de direita”, diz um rosto que se assemelha ao de Michelle Bolsonaro em uma das gravações. Em outras, supostos apresentadores de telejornal noticiam o que seria uma nova febre: “Camisa em apoio a Bolsonaro viraliza na internet e vira sucesso entre apoiadores, parece até que virou uniforme”

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Conjunto de capturas de tela de vídeos publicados no TikTok, feitas em 31 de outubro de 2025 (.)

Todos os vídeos direcionam o espectador a clicar em um botão sobreposto às imagens que faz parte do TikTok Shop, nova ferramenta de e-commerce integrada à rede social que permite que usuários comprem produtos de lojas terceiras sem sair do aplicativo e que criadores de conteúdo ganhem comissões promovendo as vendas. 

Lançado no Brasil em maio de 2025, o TikTok Shop movimentou até agosto cerca de US$ 46,1 milhões no país, segundo dados compilados pelo Itaú BBA. Isso significa que, em quatro meses, a plataforma se aproxima do volume de vendas mensal do site Americanas.

Mas as imagens identificadas pela AFP não são autênticas e exploram o ambiente de polarização vivido no país para estimular compras impulsivas e com base em endossos falsos. 

“Sensacionalismo político e fraude comercial”

A AFP encontrou mais de 90 vídeos com o mesmo padrão publicados por pelo menos 15 contas diferentes no TikTok entre julho e novembro de 2025. 

Todos possuem sinais claros de conteúdos gerados com inteligência artificial: voz e movimentos robóticos; elementos sem definição clara; e rostos e cabelos com efeito excessivamente suavizado, como em uma ilustração digital. 

Em alguns também é possível observar inconsistências visuais. Neste vídeo, por exemplo, supostamente o ex-presidente Jair Bolsonaro promove a venda de uma bandeira do Brasil com dizeres ilegíveis. A faixa de “Ordem e Progresso” também apresenta erros ao fundo desta outra gravação, de uma suposta reportagem sobre o sucesso de um dos produtos. 

Em outras, é possível identificar a logo de ferramentas de geração de vídeos com inteligência artificial, como o Google Veo 3

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Conjunto de capturas de tela de vídeos publicados no TikTok, feitas em 4 de novembro de 2025; marcações feitas pela AFP (.)

Em alguns poucos casos (1, 2), as contas que difundem os vídeos utilizam a função nativa do TikTok para sinalizar que o conteúdo foi criado com IA. Mas nos comentários, usuários ainda parecem acreditar que os políticos têm alguma relação com o produto anunciado. 

“Esse tipo de prática une o sensacionalismo político a estratégias de fraude comercial, explorando a confiança e o engajamento emocional dos seguidores”, apontou Diocélio Goulart, professor da Fundação Dom Cabral e especialista em transformação digital, à AFP. 

Ao dar a entender que os políticos endossam os itens, as contas atingem dois objetivos principais, segundo o especialista: engajamento e aparente credibilidade. 

“Muitos influenciadores percebem que temas políticos geram mais visualizações, comentários e compartilhamentos, o que melhora a performance algorítmica de seus perfis. Além disso, há casos em que golpistas utilizam deepfakes para explorar a credibilidade de figuras conhecidas, associando-as falsamente à venda de produtos ou serviços”, explica. 

Mas o uso de falsos testemunhos para persuadir consumidores vai contra o Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária, do Conar, que explicita que todos os depoimentos em anúncios devem ser “personalizados e genuínos”

Além disso, o falso endosso pode ser uma porta de entrada para riscos maiores, como golpes digitais que exploram a confiança do espectador para roubar dados ou causar perdas financeiras, como em outros casos verificados (1, 2) pela AFP.   

Uma plataforma “vulnerável” a propagandas enganosas 

Disponível em alguns países selecionados, o TikTok Shop incorpora as funções de compra à navegação usual do aplicativo. Entre vídeos de gatinhos e celebridades, usuários podem se deparar com gravações sobre produtos com um botão laranja sobreposto às imagens. 

Ao clicar, o usuário é direcionado a uma página interna do aplicativo onde pode comprar o item. A gravação pode ser publicada por uma loja cadastrada no TikTok, com estoque próprio, ou por um criador de conteúdo que ganha comissões para promover produtos de terceiros — como os casos identificados pela AFP. 

@tiktokshop_us Welcome to TikTok Shop! Follow us to stay up to date on top trends, deals, and so much more. Happy shopping! #TikTokShop♬ original sound - TikTok Shop

Toda vez que um usuário descobre um produto e finaliza a compra a partir do vídeo de um criador, o autor ganha uma comissão que pode variar entre 5% a 20% do valor do item, segundo registros publicados na plataforma por inscritos no TikTok Shop. 

Assim, praticamente qualquer um pode se tornar vendedor, explica Gustavo Candido, professor e consultor de marketing no Senac SP. “Você não necessariamente precisa produzir, ter um item que você quer vender. Você pode vender o produto de outra pessoa, então isso facilita muito. Faz com que qualquer um na plataforma se torne um vendedor”

A colaboração com criadores de conteúdo pode acontecer de duas formas, acrescenta Candido. Com a colaboração direcionada, em que marcas escolhem influenciadores específicos que querem que divulguem os seus produtos, e a aberta, em que qualquer usuário que atenda aos critérios de inscrição no TikTok Shop pode lucrar vendendo os artigos de uma loja — sem necessidade de autorização ou aprovação do conteúdo. 

Ausência que torna a plataforma especialmente vulnerável a propagandas enganosas, aponta o especialista. 

O cenário é exacerbado pelo fato de a publicidade acontecer em um ambiente cujas regras são ditadas pelo algoritmo de recomendação do TikTok — que valoriza, antes de tudo, o engajamento, complementa o professor Goulart. 

“A combinação de segmentação precisa e falta de controle efetivo cria um ambiente fértil para estratégias de manipulação comercial, especialmente aquelas que exploram emoções, impulsos e vulnerabilidades cognitivas dos consumidores”

Um relatório publicado pelo TikTok Shop no último dia 6 de novembro dá uma ideia da dimensão do problema: nos primeiros seis meses de 2025, a plataforma removeu 700 mil contas de vendedores e rejeitou 70 milhões de produtos globalmente por violações das políticas, incluindo o uso de IA para criação de propagandas fraudulentas. 

A plataforma proíbe o uso da imagem de figuras públicas sem a sua permissão, a fim de evitar falsos endossos. Após contato da AFP, o TikTok removeu as contas que violavam suas diretrizes.

Referências

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