Incêndio em uma igreja de Quebec, no Canadá, foi acidental, e não culpa de “islâmicos”

Uma igreja histórica da província de Quebec, no Canadá, pegou fogo em outubro de 2024, mas a investigação subsequente não encontrou evidências de atividade criminosa e nenhum suspeito foi detido. No entanto, em setembro de 2025, imagens do incidente circulam em publicações visualizadas mais de 36 mil vezes nas redes sociais com a alegação de que as chamas teriam atingido a basílica de Notre-Dame de Montreal por ação de grupos “islâmicos”. Mas o registro mostra a igreja Notre-Dame-des-Sept-Allégresses, a 140 km de Montreal, e as autoridades confirmaram à AFP que o incêndio foi acidental.

“Mais uma igreja incendiada em Montreal, em Quebec, desta vez a histórica Basílica de Notre-Dame. Esse é o preço de abrir as portas para extremistas islâmicos que desprezam judeus, cristãos, Israel e todo o Ocidente. Desde 2021, mais de cem igrejas foram queimadas ou vandalizadas em solo canadense”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram, no Threads, no X, no TikTok e no YouTube.

As postagens, que também circulam em inglês e espanhol, continuam: “Não é coincidência, é um padrão. O Cristianismo está sob ataque no Canadá e o silêncio das autoridades apenas alimenta essa destruição”.

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Captura de tela feita em 15 de setembro de 2025 de uma publicação no Threads (.)

Contudo, uma busca no Google Maps pela basílica Notre-Dame de Montreal, mencionada pelas publicações, não mostra nenhum estacionamento, construção ou arredores similares aos vistos no vídeo. 

Uma pesquisa no Google pelas palavras-chave, em inglês, “Canadá”, “incêndio”, “igreja” e “Quebec” encontrou a mesma gravação publicada em 4 de outubro de 2024, quando foi associada à igreja Notre-Dame-des-Sept-Allégresses, localizada na cidade de Trois-Rivières, a 140 quilômetros da basílica de Montreal.

Segundo matérias de veículos locais (1, 2), chamas atingiram o edifício em 3 de outubro de 2024, e o forte vento e a idade da estrutura — datada aproximadamente de 1913 — fizeram com que o fogo se espalhasse rapidamente.

Imagens do templo e seus arredores no Google Maps e no site do Ministério da Cultura e das Comunicações de Quebec condizem com o cenário registrado pela gravação viral.

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Comparação feita em 15 de setembro de 2025 entre capturas de tela de uma publicação no Facebook (E) e da localização da igreja no Google Maps (.)

Um mês após o incêndio, o Corpo de Bombeiros de Trois-Rivières concluiu que a “provável causa” do fogo foi um acidente ocorrido durante obras de reforma no edifício.

O local não era mais utilizado como igreja no momento do incidente, tendo sido vendido em 2020 a uma construtora (1, 2).

“O fogo não foi de natureza criminosa”, confirmou um porta-voz da Prefeitura de Trois-Rivières à AFP em 10 de setembro de 2025. Segundo ele, a investigação foi encerrada e não há prisões relacionadas a esse incidente.

Incêndios vinculados à descoberta de túmulos de crianças indígenas

Diversas igrejas canadenses sofreram graves danos desde 2021, tanto por incêndios quanto por outros tipos de vandalismo. O Instituto Macdonald-Laurier e a Liga Católica pelos Direitos Civis registram esses casos desde então.

Vários incidentes foram reportados em 2021, após a descoberta de túmulos anônimos de 215 crianças na Escola Residencial Indígena de Kamloops, na província de Columbia Britânica.

A escola era um dos internatos católicos que, segundo a Anistia Internacional, buscavam “erradicar as culturas, línguas e comunidades indígenas” durante os séculos XIX e XX.

Os danos às igrejas foram noticiados pela imprensa em todo o mundo (1, 2) e pela Vatican News, página oficial do Vaticano.

Em janeiro de 2024, o canal de televisão público canadense CBC News noticiou que 33 templos sofreram com incêndios entre maio de 2021 e dezembro de 2023, dos quais apenas dois foram considerados acidentais.

Nesse contexto, os crimes de ódio por discriminação religiosa contra católicos no país alcançaram um recorde em 2021, com 155 incidentes — número que corresponde a cerca de 17,5% do total de casos, segundo dados oficiais.

No entanto, em 2024, último ano disponível para consulta até a data de publicação desta verificação, a maioria dos delitos foram direcionados contra judeus (68,6%) e muçulmanos (17,1%), enquanto a população católica sofreu cerca de 2,3% desses crimes.

O AFP Checamos já verificou outras alegações que falsamente responsabilizam migrantes por incêndios em locais religiosos.

Referências 

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