Vista de uma paisagem no Canal de Neumayer, no Arquipélago de Palmer, da Península Antártica, em 20 de janeiro de 2024 (AFP / JUAN BARRETO)

Breve aumento na massa de gelo na Antártida alimenta negacionismo climático

Após um estudo publicado em março de 2025 relatar um breve, mas notável, aumento na massa de gelo na Antártida, publicações com mais de 200 mil visualizações utilizam os dados para afirmar que o continente não sofre com o aquecimento global induzido pelo homem. Isso é falso: a breve reversão na massa de gelo não indica uma recuperação a longo prazo no continente, e é decorrência de condições climáticas específicas, afirmam cientistas à AFP.

“Antártida está ganhando gelo! O aquecimento global era apenas arma ideológica?”, questiona uma das publicações compartilhadas no Instagram. O conteúdo também circula no Facebook, no TikTok e no X, assim como em publicações em inglês.

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Captura de tela feita em 4 de junho de 2025 de uma publicação no X (.)

O estudo em questão foi publicado em 19 de março de 2025, e suas conclusões repercutiram em veículos de mídia (1, 2). 

A pesquisa concluiu que, entre 2021 e 2023, a camada de gelo da Antártida se expandiu e, portanto, não contribuiu para o aumento médio global do nível do mar.

Mas essa expansão na camada de gelo não compensou o aumento geral no nível do mar observado ao longo desses anos devido à perda de gelo e ao aquecimento em outros lugares (1, 2).

E as condições climáticas — especificamente precipitações incomuns, incluindo neve e um pouco de chuva no leste da Antártida e na Península Antártica — foram a principal razão para o aumento de massa da camada de gelo, como explicado à AFP por um dos autores do estudo e outros cientistas.

Os especialistas acrescentaram que esse ganho parcial e de curta duração não refuta o impacto das mudanças climáticas no continente.

Reversão de curta duração

Yunzhong Shen, autor do estudo, disse à AFP em 19 de maio que o aumento na camada de gelo observado entre 2021 e 2023 ocorreu em uma "escala de tempo muito curta" para ser tratado como uma reversão de tendência — ou para negar os impactos das mudanças climáticas na região.

O ganho observado nas camadas de gelo da Antártida também parece "cessar depois de 2024, o que precisa ser determinado por estudos mais aprofundados", disse ele.

James Kirkham, cientista da Iniciativa Climática Internacional da Criosfera, concordou: "Os níveis mais recentes relatados pela NASA até agora em 2025 parecem semelhantes aos de 2020, pouco antes do ganho abrupto."

Ao analisar o balanço de massa total da Antártida, o conjunto de dados da Nasa mostra uma perda de massa desde 2002.

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Captura de tela tirada em 28 de maio de 2025 de um gráfico exibindo as variações da massa de gelo da Antártida desde 2002, de acordo com dados coletados pela Nasa (NASA)

De fato, "a Antártida experimentar um aumento na queda de neve em um clima mais quente é algo totalmente esperado, pois em um clima mais quente a atmosfera pode reter mais umidade", disse Kirkham em um email de 27 de maio.

"Isso significa que a probabilidade de eventos climáticos extremos (como a forte queda de neve que causou o recente ganho de massa no leste da Antártida) aumenta."

Brandon Daly, que estuda geleiras e camadas de gelo, concordou.

"Quando os negacionistas das mudanças climáticas falam sobre as geleiras na Antártida, geralmente se concentram apenas na superfície da camada de gelo", disse ele em 28 de maio, explicando que outras perdas de gelo são ignoradas.

"O gelo em contato com o oceano é o que está derretendo, e continuará derretendo mesmo que a precipitação sobre a camada de gelo aumente", disse. "E é o derretimento forçado pelo oceano que atualmente está levando ao risco de instabilidade da camada de gelo e elevação do nível do mar."

Tendências longas

O climatologista da Universidade de Minnesota, Peter Neff, afirmou em 27 de maio que os impactos das mudanças climáticas humanas na Antártida já são amplamente observados na Península Antártica e na costa da Antártida, mas têm se mostrado mais lentos ao ingressar no interior do continente.

O continente é "como uma panqueca gigante com bordas muito íngremes que retardam a penetração de ar mais quente de norte a sul sobre o oceano austral", disse ele.

Quase todas as perdas de gelo da Antártida provêm de geleiras, principalmente no oeste da Antártida e na península.

Robert McKay, diretor do Centro de Pesquisa da Antártica da Universidade Victoria de Wellington, disse à AFP em 15 de maio que os cientistas estão mais preocupados com esses setores porque eles podem estar "próximos de um ponto crítico" que pode levar a uma elevação muito acelerada do nível do mar.

As mudanças ambientais, portanto, assumem formas diferentes em diferentes regiões.

Compensações temporárias breves de perdas gerais devido a nevascas regionais recentes, como a observada entre 2021 e 2023, provavelmente não irão alterar a trajetória de longo prazo das perdas de gelo em todo o continente, com o aquecimento contínuo.

Além disso, estações meteorológicas — cuja rede de dados continua escassa no continente — observaram aquecimento de longo prazo e impactos na elevação do nível do mar, embora com grande variabilidade anual, já que a Antártida possui o clima mais variável do mundo.

Dados de satélite revelaram recentemente que camadas de gelo com água congelada suficiente para elevar os oceanos em cerca de 65 metros são muito mais sensíveis às mudanças climáticas do que se suspeitava anteriormente.

A quantidade de gelo derretido ou que se desprende para o oceano a partir da Groenlândia e da Antártida Ocidental, que atualmente atinge uma média de 400 bilhões de toneladas por ano, quadruplicou nas últimas três décadas, eclipsando o escoamento das geleiras das montanhas.

Ambos os oceanos polares estão se aquecendo, com o "Oceano Antártico sendo desproporcional e cada vez mais importante no aumento global do calor dos oceanos", de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o principal consórcio internacional de cientistas climáticos.

Referências

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