Política dos EUA

Tabela publicada por Elon Musk não prova que a Seguridade Social dos EUA pague pessoas “falecidas”

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Elon Musk, atualmente chefe de um departamento de corte de gastos públicos nos Estados Unidos, sugeriu que há pessoas “falecidas” recebendo pagamentos do sistema de Seguridade Social do país (SSA, na sigla em inglês). Em 17 de fevereiro de 2025, o empresário apresentou como prova uma tabela que supostamente mostra milhões de beneficiários com mais de 120 anos. Desde então, o gráfico foi compartilhado milhares de vezes nas redes sociais. Mas especialistas afirmam que os números parecem contar os cartões da Seguridade Social emitidos no passado, não o número de pessoas que recebem benefícios. 

“Post de Elon Musk hoje. A descoberta da fraude na Previdência Social nos Estados Unidos para bancar a pauta da esquerda mundial, os globalistas!”, diz uma das publicações que circulam no Facebook e no X. 

A alegação, compartilhada também em espanhol, é embasada em uma tabela dividida por faixas etárias que contabiliza quase 400 milhões de pessoas, incluindo mais de 20 milhões com idades entre 100 e 369 anos. O material foi publicado por Musk no X em 17 de fevereiro. “Esta pode ser a maior fraude da história”, escreveu. 

Captura de tela feita em 21 de fevereiro de 2025 de uma publicação no Facebook (.) 

O presidente dos EUA, Donald Trump, citou os números da publicação de Musk durante uma conferência de investimentos realizada na Flórida, em 19 de fevereiro de 2025, afirmando que a sua gestão estava “encontrando abusos, desperdícios e fraudes na Seguridade Social”.

“O maior recorde é o de uma pessoa que recebe Seguridade Social e tem 360 anos”, disse o mandatário norte-americano.

As alegações surgem em meio a mudanças na SSA. Em 18 de fevereiro de 2025, a comissária interina Michelle King renunciou ao cargo por um aparente desacordo com o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado por Musk. 

Dias antes, Musk sugeriu no Salão Oval que pessoas de 150 anos estavam recebendo benefícios da Seguridade Social, e a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse à Fox News que suspeitavam que havia “dezenas de milhões de pessoas falecidas que estavam recebendo pagamentos fraudulentos”.

No entanto, não há evidências de que isto tenha ocorrido.

“É absolutamente impreciso”, disse à AFP Justin Wolfers, professor de políticas públicas e economia do trabalho na Universidade de Michigan.

Segundo Musk, a tabela viralizada lista pessoas que estão “recebendo [recursos da] Seguridade Social”. No entanto, uma consulta aos dados oficiais no site da SSA mostra que menos de 68,5 milhões de pessoas estavam recebendo benefícios de aposentadoria ou auxílio por invalidez no final de 2024. Entre os trabalhadores aposentados com 99 anos ou mais, 89.106 estavam recebendo pagamentos.

De acordo com o Censo dos Estados Unidos e o Pew Research Center, a população do país é estimada em 341 milhões e era previsto que até 2024 o número de centenários seria de 101 mil. Acredita-se que a pessoa que viveu mais tempo na história dos Estados Unidos tenha vivido até os 122 anos.

De acordo com o site da SSA, desde setembro de 2015, o órgão suspendeu automaticamente os pagamentos para pessoas com 115 anos ou mais.

Jared Walczak, vice-presidente de projetos estaduais da Tax Foundation, disse que os números apresentados por Musk também não correspondem aos custos conhecidos da Seguridade Social. “Se esta tabela fosse precisa, a Seguridade Social custaria um trilhão de dólares a mais por ano do que realmente custa”, escreveu Walczak no X.

Números de Musk

Embora Musk não tenha especificado a fonte dos números que publicou, Wolfers e outros especialistas disseram à AFP que eles parecem vir do Numident, uma base de dados interna de titulares de cartões da Seguridade Social.

Os números da Seguridade Social geralmente são fornecidos aos norte-americanos logo após o nascimento e também podem ser emitidos para novos imigrantes, trabalhadores visitantes e outros.

“A explicação mais provável é que ele está olhando para o número de números da Seguridade Social, não para o número de beneficiários [ativos]”, disse à AFP o professor da Universidade de Illinois Jeffrey Brown, que atuou no Conselho Consultivo da Seguridade Social no governo do ex-presidente republicano George W. Bush.

Andrew Biggs, integrante do Instituto American Enterprise e ex-comissário adjunto da SSA durante o governo Bush, concordou. “Musk confundiu a existência de um número da Seguridade Social com o pagamento de benefícios por meio desse número”. E acrescentou: “Não é a mesma coisa.”

Além disso, uma auditoria de 2023 realizada pelo inspetor geral da SSA descobriu que, em dezembro de 2020, o Numident não tinha informações sobre óbitos de cerca de 18,9 milhões de números da Seguridade Social pertencentes a pessoas nascidas em 1920 ou antes. Dessa forma, essas pessoas eram listadas como tendo mais de 100 anos e apareciam como vivas.

No entanto, o inspetor-geral concluiu que a maioria desses 18,9 milhões estavam mortos. Apenas 44 mil (segundo o relatório, o equivalente a “quase nenhum”) estavam recebendo benefícios.

“Apenas 44 mil pessoas receberam os benefícios”, disse Biggs. “Esse é um número perfeitamente razoável, considerando a população de norte-americanos nessa faixa etária.”

Lee Dudek, nomeado por Trump como comissário interino da SSA, contestou as alegações sobre milhões de segurados com mais de 100 anos em uma declaração publicada em 19 de fevereiro.

“Também quero abordar as notícias recentes sobre o número de pessoas com mais de 100 anos que podem estar recebendo benefícios da Seguridade Social. Os dados mencionados são de pessoas em nossos registros com um número de Seguridade Social que não têm uma data de morte associada ao seu registro. Essas pessoas não estão necessariamente recebendo benefícios”, disse Dudek. 

O relatório de 2023 do inspetor-geral concluiu que os registros ausentes provavelmente ocorreram porque muitos norte-americanos morreram antes do uso de um sistema de notificações eletrônicas de óbito.

“Há poucas evidências de que os benefícios da Seguridade Social estejam sendo pagos de forma fraudulenta a qualquer um desses números tão antigos”, disse Biggs à AFP. “Portanto, a administração da Seguridade Social pode não considerar isso uma prioridade para recursos limitados.”

Brown acrescentou que inserir os dados manualmente também podem levar a erros, mas que ele “ainda não viu evidências convincentes de que exista um grande número de pessoas recebendo benefícios após a morte”.

Alex Nowrasteh, vice-presidente de estudos de política econômica e social no Instituto Cato, escreveu no X que imigrantes indocumentados que contribuem para a Seguridade Social  (e não são elegíveis para receber os benefícios do programa) também poderiam ser a razão para alguns dos números mais antigos do sistema.

A fraude é real, mas menos comum

Embora os números de Musk exagerem o problema, a SSA registrou pagamentos incorretos, inclusive para pessoas falecidas.

Questionado sobre as alegações de Musk, Leavitt, da Casa Branca, disse à AFP: “Uma investigação anterior revelou que a SSA pagou pelo menos US$ 71,8 bilhões em pagamentos indevidos.”

A secretária de imprensa se referia a um relatório de julho de 2024 do inspetor-geral da SSA, que concluiu que a agência pagou indevidamente US$ 71,8 bilhões, a maioria de pagamentos em excesso, entre os anos fiscais de 2015 e 2022, período que inclui o primeiro mandato de Trump.

O relatório indica que esses valores representaram 0,84% dos quase US$ 8,6 trilhões desembolsados naquele período, e que alguns fundos pagos em excesso foram recuperados.

Outro relatório de 2021 estima que a SSA emitiu US$ 298 milhões em benefícios para cerca de 24 mil pessoas que já haviam morrido e recuperou aproximadamente US$ 84 milhões. O relatório atribuiu os pagamentos errados a problemas de protocolo e afirmou que o órgão regulador não identificou casos específicos de fraude.

O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos anunciou em janeiro de 2025 que havia recuperado mais de US$ 31 milhões em pagamentos federais a pessoas falecidas, como parte de um programa piloto de cinco meses que concedeu ao Tesouro acesso aos dados do SSA.

Brown disse à AFP que qualquer fraude e desperdício que ocorra na Seguridade Social  “é minúsculo comparado ao tamanho do programa”. 

“Mesmo que pudéssemos agitar uma varinha mágica e eliminar todo o desperdício, fraude e abuso amanhã, seria apenas uma pequena gota no vasto oceano de desafios financeiros que o programa enfrenta”, acrescentou.

Martin O'Malley, comissário da SSA durante o mandato do ex-presidente Joe Biden, disse em entrevista à NewsNation que “a verdadeira fraude” acontece quando as pessoas roubam benefícios de outras, acrescentando que problemas de pessoal e financiamento representam um problema maior.

Referências

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