O candidato republicano Donald Trump é visto com sangue no rosto cercado por agentes do Serviço Secreto ao ser retirado do palco em um evento de campanha em Butler, Pensilvânia, 13 de julho de 2024 ( AFP / Rebecca DROKE)

Atentado contra Donald Trump gera onda de desinformação e teorias infundadas nas redes

  • Publicado em 17 de julho de 2024 às 00:20
  • 9 minutos de leitura
  • Por AFP França
  • Tradução e adaptação AFP Brasil
Após a tentativa de assassinato contra Donald Trump durante um comício eleitoral na Pensilvânia, em 13 de julho, diversos conteúdos desinformativos relacionados ao episódio circulam nas redes sociais. As alegações incluem uma foto manipulada, que mostraria os agentes de segurança sorrindo enquanto escoltam o ex-presidente e atual candidato republicano, um suposto buraco de bala em seu terno, e variadas especulações sobre o suposto atirador. Confira, a seguir, a verificação feita pela AFP a respeito dessas afirmações. 

Após a tentativa de assassinato contra o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que ficou ferido na orelha, em 13 de julho em Butler, Pensilvânia, inúmeras imagens e declarações falsas ou enganosas em torno do acontecimento circulam nas redes sociais.

Até a publicação desta verificação, o FBI identificou o atirador como sendo Thomas Matthew Crooks, de “20 anos, de Bethel Park, Pensilvânia”, segundo um comunicado emitido pela instituição norte-americana. As motivações para o ataque permanecem desconhecidas.

O atirador e um participante do comício morreram e outros dois espectadores ficaram gravemente feridos, todos homens adultos, segundo a polícia.

Após a tentativa de assassinato, diversos rumores, imagens descontextualizadas e teorias da conspiração inundaram a internet. A AFP verificou alguns desses conteúdos.

O terno de Donald Trump mostra que ele também foi atingido no peito?

“URGENTE: Trump também foi atingido do lado direito do peito e o que o salvou foi o colete balístico que estava usando”, diz uma das mensagens compartilhadas no Facebook. A alegação também é difundida em francês, em inglês e em espanhol

As publicações são acompanhadas de uma foto de Trump com o rosto ensanguentado e com o punho direito levantado enquanto dois homens e uma mulher tentam protegê-lo. Próximo ao peito do republicano, as imagens contém um círculo em vermelho sinalizando o  que aparentemente seria um buraco de bala no terno do ex-presidente.

Mas o suposto “buraco de bala” é, na realidade, a dobra do terno da agente do Serviço Secreto (agência governamental norte-americana responsável pela proteção de figuras públicas de alta relevância) que se colocou à frente de Trump para protegê-lo. O detalhe pode ser visto na foto original em alta resolução, fotografada por Evan Vucci, da Associated Press.

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Comparação feita em 15 de julho de 2024 entre uma das publicações que circulam no Facebook (E) e a fotografia de Evan Gucci para a Associated Press (.)

Outra fotografia, também capturada por Vucci logo após a tentativa de assassinato, igualmente mostra que não há nenhum furo ou marca de tiro no terno de Trump:

Ainda que diversas balas tenham sido disparadas pelo suposto atirador, Thomas Matthew Crooks, até a publicação desta verificação, tudo indica que Donald Trump só foi atingido na orelha, como dito pelo próprio ex-presidente em seu perfil na plataforma Truth Social.

Os agentes do Serviço Secreto estavam sorrindo?

Dentre as teorias e rumores divulgados nas redes sociais, há também inúmeras alusões a uma conspiração para realizar uma falsa tentativa de assassinato do candidato republicano, com a ajuda de membros do “Serviço Secreto” presentes durante o ataque.

Nesse contexto, uma foto manipulada que mostraria agentes do “Serviço Secreto” sorrindo ao redor de Trump foi compartilhada mais de 4 mil vezes no X e no Threads. “Por que eles estão todos sorrindo?”, questionam as publicações, em inglês.

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Captura de tela feita em 15 de julho de 2024 de uma publicação no X (.)

Mas trata-se de uma imagem alterada digitalmente. Uma pesquisa reversa da imagem no Google Lens levou à fotografia original, tirada pelo fotógrafo Evan Vucci, da agência AP.

Como é possível perceber na fotografia publicada no site da AP, nenhum dos agentes de segurança vistos na imagem estava sorrindo.

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Comparação entre uma foto da AP (E) e uma imagem manipulada digitalmente que circula nas redes sociais (D) (.)

Ao utilizar a função “CheckGif” da ferramenta InVid-WeVerify*, que permite comparar duas imagens, é possível notar com mais detalhes a manipulação.

O momento em que Donald Trump foi atingido, assim como os momentos seguintes nos quais vários agentes se aproximaram para proteger o ex-presidente, também foram filmados por meios de comunicação presentes no local.

Ao analisar estas imagens, a AFP pôde constatar que, em nenhum momento a partir do instante no qual Trump é atingido na orelha, se abaixa e sai do pódio cercado por agentes, é possível ver os integrantes dos serviços de segurança sorrindo como na foto viral.

Imagens capturadas pela AFP e por outros meios de comunicação (1, 2, 3) tampouco mostram os agentes sorrindo.

Identidades falsas atribuídas ao atirador

A identidade do atirador também tem sido alvo de teorias infundadas nas redes sociais. Várias publicações afirmam que o suposto atirador era um “Antifa” (ou “ativista antifascista”), mas nem todas atribuem o crime à mesma pessoa. 

“Aliás, estão escondendo a identidade do verdadeiro atirador, um antifa ( extrema-esquerda) chamado Maxwell Yearick”, alega uma publicação no X de 14 de julho de 2024. O nome de Yearick também foi citado em publicações no Facebook.

O conteúdo circulou também em francês, tendo obtido mais de mil compartilhamentos, e em inglês.

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Captura de tela feita em 16 de julho de 2024 de uma publicação do Facebook (.)

O nome citado, Maxwell Yearick, não é desconhecido nos Estados Unidos: Yearick foi preso e condenado por agressão durante uma briga com policiais em uma manifestação anti-Trump de 2016, conforme relatado por vários meios de comunicação à época (1, 2).

A associação de Yearick com o atentado contra o candidato republicano, porém, é falsa.

O FBI identificou o atirador que foi baleado e morto como sendo "Thomas Matthew Crooks, 20 anos, de Bethel Park, Pensilvânia". A agência norte-americana afirmou também que Crooks não tem filiação ideológica identificada, ao contrário do que alegam as publicações virais.

Outra identidade falsamente associada ao atirador é o nome de “Marks Violets”, ou “Violet”.

“De acordo com o Departamento de Polícia de Butler, alegadamente, o atirador de Trump foi preso — e morto — na cena e foi identificado como Mark Violets, um membro da Antifa. Antes do ataque, Mark Violets carregou um vídeo no YouTube alegando que ‘a justiça está chegando’", diz uma das publicações no Facebook. O conteúdo também circulou em francês e em inglês.

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Captura de tela feita em 16 de julho de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Essas mensagens, acompanhadas da foto de um homem com gorro preto e óculos escuros, foram publicadas antes das autoridades revelarem que o suposto atirador era Thomas Matthew Crooks.

Na realidade, “Mark Violet” não existe: trata-se de uma figura criada por um perfil no X, que se vangloriou na rede social por ter “quase iniciado uma guerra civil” nos Estados Unidos.

A foto compartilhada como sendo a de “Mark Violet” mostra, na verdade, Marco Violi, um jornalista italiano. Fã de futebol e torcedor da AS Roma, ele possui um canal no YouTube dedicado ao clube da capital italiana. Em vários vídeos do canal, é possível identificar a mesma decoração da foto viral.

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Comparação feita em 16 de julho de 2024 entre capturas de tela de uma publicação no Facebook (E) e de um vídeo de Roma Giallorossa TV no YouTube (.)

Em seu perfil no Instagram, Marco Violi “nega categoricamente estar envolvido nesta situação”. Segundo ele, esses rumores “são completamente infundados e são organizados por um grupo de pessoas que estão arruinando [sua] vida desde 2018”.

O jornalista também manifestou a intenção de apresentar queixa contra as contas que compartilham a sua fotografia como sendo a do suspeito.

Teorias da conspiração

O acontecimento também gerou uma onda de teorias da conspiração, algumas evocando que o presidente Joe Biden ou o Estado profundo estariam por trás do atentado, outras insinuando que o episódio seria uma farsa destinada a fazer de Trump um herói.

O jornalista Anthony Mansuy, especialista na cobertura de conspirações norte-americanas, ressaltou a reação dos círculos centristas e democráticos, que imediatamente denunciaram que o atentado seria uma farsa, com a palavra-chave #staged (encenado). 

Rapidamente, perfis pró-democratas garantiram que o sangue no rosto de Donald Trump era falso e que agentes do Serviço Secreto (responsável por proteger Donald Trump) tinham orquestrado o momento junto ao ex-presidente.

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Donald Trump com o rosto ensanguentado, cercado por agentes do Serviço Secreto durante um comício em Butler, Pensilvânia, em 13 de julho de 2024 (AFP / Rebecca DROKE)

Isso mostra, segundo Anthony Mansuy, “que ninguém está imune às fantasias das teorias da conspiração”. “O evento pode levantar questões”, ele tempera, “mas caímos em conspiração quando partimos para uma cruzada baseada em elementos não verificados”.

A facilidade de acesso às redes sociais, acrescenta, pode galvanizar os indivíduos para a ideia de que “estamos todos participando na investigação/histeria coletiva”.

É o que diz também o historiador canadense Michel-Jacques Gagné, especialista em teorias da conspiração e autor do site paranoidplanet.ca, contatado pela AFP em 15 de julho:

“Na América de Donald Trump, as teorias da conspiração muitas vezes precedem os eventos que serão citados para justificá-las. A tentativa de assassinato de 13 de julho já pairava contra um pano de fundo de retórica política alarmista, até mesmo apocalíptica, promovida tanto pela direita quanto pela esquerda. Sem conhecer claramente as motivações do [atirador], cada parte pode tirar uma conclusão diferente.”

Ele lembra também que as teorias conspiratórias destinadas a explicar "os assassinatos de JFK (1963), de seu irmão Robert (1968) e do pastor Martin Luther King (1968), bem como a Guerra do Vietnã (1964-75), o perdão do presidente Nixon (1974), [e] as teorias dos atentados de 11 de Setembro de 2001, todas encontraram raízes na esquerda americana”.

Referências

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