Imagem viral de corpos foi produzida digitalmente e não registrada em Canoas
- Publicado em 31 de maio de 2024 às 22:48
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“PQ O GOVERNO FEDERAL É ESTADUAL ESTÃO MENTINDO SOBRE AS MORTES?????? Recebi essa foto de uma amiga que mora no local…..ela disse que isso não foi nada, que ela nunca tinha visto tanta gente morta na vida dela…hoje são 20 de maio de 2024 às 16:16…..CIDADE DE CANOAS”, diz a legenda que circula com uma imagem no X, no Instagram, no Facebook, no Telegram, no TikTok e no Kwai.
A imagem circula em meio à situação de calamidade pública que municípios do Rio Grande do Sul enfrentam devido às fortes chuvas que impactam o estado desde o final de abril. A tragédia climática deixou centenas de milhares de desabrigados e pelo menos 160 mortos e 44 desaparecidos.
Segundo o balanço da Defesa Civil do estado, a cidade de Canoas é a que concentra o maior número de vítimas, com 26 mortes devido às inundações até a publicação dessa checagem.
Contudo, diferentemente do que alegam as peças de desinformação, a imagem viral não mostra corpos amontoados no município.
Imagem produzida digitalmente
Utilizando a função lupa da ferramenta Invid-WeVerify*, foi possível identificar que a imagem viral possui inconsistências que são características de imagens geradas digitalmente.
Observa-se, por exemplo, que há corpos que estão sobrepostos de forma distorcida, enquanto outros não têm a continuidade dos membros ou apresentam partes desproporcionais:
Uma busca reversa na ferramenta Google Lens levou a outras publicações no TikTok, datadas do início de maio, que compartilham uma versão ampliada da imagem viral. Em algumas postagens, por sua vez, é descrito que a imagem foi produzida por inteligência artificial.
Ao observar a imagem ampliada, é possível identificar que o prédio à esquerda também apresenta um formato distorcido:
A hipótese da cientista da computação, pesquisadora de inteligência artificial e diretora-executiva do Instituto Da Hora, Ana Carolina da Hora, é de que a imagem seja uma montagem digital feita no programa Photoshop.
O que denuncia isso “primeiro é o ‘blur’ [desfoque] das distâncias entre os prédios mais afastados, que evidencia uma sobreposição de imagens”.
Segundo a cientista, outras características que apontam se tratar de uma montagem digital são as bordas e linhas do contorno da imagem e a falta de transição entre as cores, que se diferenciam de forma considerável.
Ao analisar a imagem, o professor e pesquisador do Centro de Inteligência Artificial da USP (C4AI) Fernando Osório apontou outras inconsistências que indicam se tratar de uma imagem falsa, como os prédios que têm texturas diferentes nas partes frontal e lateral, e outros que se fundem:
“A pouca definição e falta de detalhes pode não ser problema de resolução, mas de geração da imagem”, ressaltou.
O pesquisador também destacou que informações de contexto devem ser levadas em consideração na análise, como as características do local da imagem que não se assemelham à cidade de Canoas e o número de mortos confirmados: “Não houve um número tão elevado de mortos em uma única localidade. Podemos estimar mais de uma centena de mortos apenas nesta foto”.
Osório também destaca a falta de registro da imagem em outros sites, além das redes sociais.
“Uma imagem assim, tão impactante, não ter sido encontrada em nenhum veículo conhecido de comunicação e nem em sites internacionais é um forte indício de ser uma imagem falsa. Quando se tem imagens de uma cena como essa, usualmente existe mais de uma fotográfica do fato/evento. O fato de eu ter encontrado (busca superficial) apenas imagens, todas aparentemente originárias de uma única imagem inicial, também são indicativos”, complementou.
Outros conteúdos produzidos ou modificados digitalmente envolvendo a situação no Rio Grande do Sul já foram verificados pelo AFP Checamos (1, 2).
*Uma vez instalada a extensão InVid-WeVerify no navegador Chrome, clica-se com o botão direito sobre a imagem e o menu que aparece oferece a possibilidade de pesquisá-la em vários buscadores.
Referências
- Vídeos publicados no início de maio no TikTok (1, 2)
- Especialista Ana Carolina da Hora
- Especialista Fernando Osório