Vacina Dengvaxia, aplicada em quem já teve dengue, não causa forma grave da doença

Desde 2017, recomenda-se que a vacina contra a dengue Dengvaxia, produzida pelo laboratório Sanofi Pasteur, só deve ser aplicada em indivíduos com histórico da doença, pois, caso contrário, poderia aumentar o risco de internação de quem contraísse o vírus após receber o imunizante. No entanto, desde abril de 2024 circula um vídeo, que acumula milhares de interações, no qual se afirma que essa vacina “causa dengue hemorrágica”. A Dengvaxia não produz dengue grave por si só, e na América Latina é usada a QDenga, que não apresenta esse risco.

“A vacina da dengue causa dengue hemorrágica” é a frase sobreposta ao vídeo compartilhado no Facebook, no Instagram, no Telegram, no Kwai e no X

O conteúdo também circula em espanhol

Image
Captura de tela feita em 24 de maio de 2024 de uma publicação no X (.)

Um relatório sobre a situação epidemiológica da dengue nas Américas, produzido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e atualizado em 22 de maio, afirma que durante os primeiros quatro meses de 2024 foram notificados mais de sete milhões de casos suspeitos de dengue na região. Desse total, 3.678.587 de casos foram confirmados laboratorialmente, 7.717 foram classificados como dengue grave e foram registradas 3.577 mortes.

“Este valor representa um aumento de 238% em comparação com o mesmo período de 2023 e de 437% em relação à média dos últimos cinco anos”, afirma o relatório.

O vídeo

No vídeo viral, um homem faz comentários sobre a vacina contra a covid-19, afirmando que na França 70% dos profissionais de saúde se recusaram a recebê-la. Esta afirmação é falsa. Em julho de 2021, por exemplo, 57% dos cuidadores de idosos e 64% dos profissionais que trabalhavam em hospitais já tinham sido imunizados naquele país.

Em março de 2023, os profissionais de saúde que decidiram não se vacinar eram 0,3% do total nacional, segundo dados do Ministério da Saúde francês.

Na sequência, o homem menciona a vacina contra a dengue produzida pelo laboratório Sanofi Pasteur, conhecida como Dengvaxia. “Depois de anos fabricando a vacina, e cinco anos aplicando (…) identificou que as pessoas que tomavam a vacina da dengue, sem antes nunca ter pego dengue, quando pegasse teria uma dengue hemorrágica. A mais grave que existe”, afirma.

Uma vacina segura, mas com contraindicações

Não é verdade que a vacina Dengvaxia “cause” a dengue hemorrágica. Este imunizante, o primeiro contra a dengue, recebeu as primeiras autorizações para comercialização em 2015 e foi distribuído no Brasil e em outros países como México, El Salvador e Filipinas.

Dois anos depois (e não cinco, ao contrário do que é afirmado no vídeo), a Sanofi publicou o resultado de um estudo sobre a eficácia da vacina em pessoas que tinham sido infectadas com dengue antes da vacinação e naquelas que não haviam sido contagiadas.

A empresa detalhou que a imunização com a Dengvaxia “proporciona um benefício protetor persistente contra a dengue naqueles que já tiveram uma infecção anterior”. No entanto, para aqueles que não tinham sido infectados anteriormente pelo vírus da dengue, “a análise revelou que, a longo prazo, poderiam ocorrer mais casos graves da doença após a vacinação no caso de uma infecção posterior”.

Em decorrência disso, a Filipinas decidiu suspender o registro da Dengvaxia. A decisão foi apoiada em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Atualmente, tanto os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) quanto a OMS consideram a vacina Dengvaxia segura, mas enfatizam que ela deve ser aplicada em pessoas previamente infectadas pelo vírus da dengue.

No Brasil e na Argentina, a vacina é aprovada com as mesmas indicações, mas o imunizante Dengvaxia não foi usado durante o surto de dengue em 2024 nesses países.

Guillermo Docena, imunologista e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica da Argentina (Conicet), disse à AFP que a Dengvaxia não é mais utilizada no país e que, por necessitar de várias doses, a cobertura imunológica se completava somente após um ano.

Além disso, ele explicou que “para administrar Dengvaxia é necessário realizar um estudo sorológico”, com o objetivo de confirmar se a pessoa teve dengue. Isso representa uma complexidade no caso de pacientes assintomáticos, que poderiam receber o imunizante sem saber que tinham o vírus.

Image
Um profissional de saúde segura uma dose da vacina Qdenga em Manaus, em 22 de fevereiro de 2024 (AFP / Michael Dantas)

Vacina Qdenga

A vacina Qdenga, produzida pelo laboratório japonês Takeda, é a que em 2024 está sendo aplicada em diversos países da América Latina, incluindo Brasil, Argentina e Colômbia. Obteve as primeiras licenças comerciais em 2022 e, de acordo com a empresa, “é indicada para prevenção da dengue em pessoas a partir dos 4 anos”.

Este imunizante é feito a partir de vírus atenuados dos quatro sorotipos da dengue. As reações adversas notificadas com mais frequência são dor no local da injeção, dor de cabeça, mialgia, eritema no local da injeção, mal-estar, astenia e febre. O laboratório recomenda continuar com as medidas de proteção individual contra picadas de mosquitos mesmo após a vacinação.

A OMS recomenda a vacina Qdenga “para a faixa etária de 6 a 16 anos em locais de alta transmissão”. Ao contrário da Dengvaxia, “a Qdenga pode ser administrada para todos”, não apenas aqueles que já tiveram uma infecção por dengue, esclareceu Docena.

Em março de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina. No início de 2024, diante do grande aumento de casos de dengue no país, foi desenvolvida uma campanha de imunização em massa para crianças entre 10 e 14 anos. 
O governo prevê receber neste ano 5,2 milhões de doses da vacina até dezembro.

A Argentina aprovou a vacina Qdenga em abril de 2023. Ao contrário do Brasil, a vacina lá não é gratuita, custando cerca de US$ 70. Em 10 de maio, o governo argentino apresentou uma estratégia com o objetivo de conter o avanço da dengue em 2024 e 2025, que inclui a vacinação de pessoas entre 15 e 39 anos, em áreas priorizadas de acordo com a situação epidemiológica.

Dengue hemorrágica?

A dengue hemorrágica é o estágio mais grave da doença e é causada por uma diminuição das plaquetas que pode provocar sangramento no nariz, boca ou gengivas, e ser fatal.

O avanço das pesquisas científicas fez com que a “dengue hemorrágica” passasse a ser chamada de dengue grave, já que a hemorragia não é o único sintoma grave que o vírus pode produzir. Ele também pode danificar órgãos e o sistema nervoso.

As pessoas que já tiveram dengue e voltaram a contrair a infecção têm maior probabilidade de desenvolver a dengue grave, com um particular risco para bebês e mulheres grávidas. Os sintomas de alerta geralmente começam de 24 a 48 horas após o desaparecimento da febre.

Docena confirmou que aquelas pessoas que foram vacinadas com Dengvaxia, sem terem sido infectadas antes e depois contraíram o vírus, podem ter desenvolvido dengue grave, mas que “não é a vacina que produz, e sim a infecção”. Nesse sentido, esclareceu que “isso não acontece com a Qdenga”.

A imunologista Ester Sabino, professora na Universidade de São Paulo (USP), concordou com Docena e disse à AFP que “a vacina não causa diretamente a dengue hemorrágica. A vacina age como se fosse uma primeira infecção, e isso [a possibilidade de contrair dengue grave] só ocorre em quem não havia sido infectado anteriormente e, após se vacinar, é infectado”.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco