Foto viral não mostra doações “reembaladas” com o logo do governo federal em Canoas
- Publicado em 15 de maio de 2024 às 23:11
- 6 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“PREFEITO DE CANOAS ( PT ), editou DECRETO DE APROPRIAÇÃO DE DONATIVOS e ESTÁ REEMBALANDO COM selo DO GOVERNO FEDERAL”, diz uma das publicações compartilhadas no X. O conteúdo circula também no Kwai, no TikTok, no Facebook e no Instagram.
Citado nas publicações, o prefeito da cidade de Canoas, Jairo Jorge, é atualmente filiado ao PSD, e não ao PT.
As publicações circulam no contexto da devastação causada no Rio Grande do Sul, que enfrenta enchentes e inundações desde o final de abril, com mais de 140 mortos e 2,1 milhões de pessoas afetadas, segundo dados da Defesa Civil.
As mensagens são acompanhadas por uma imagem de um pacote de alimentos, incluindo arroz e açúcar. Por cima da embalagem, há o logotipo do governo federal e o nome do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Uma busca reversa no Google por essa imagem, porém, levou a uma publicação feita pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) no X, em 11 de maio. Junto à foto, a Secretaria detalhou que cestas de alimentos estão chegando ao Rio Grande do Sul, sendo destinadas a cozinhas emergenciais que atendem aqueles que foram afetados pelas enchentes.
“Nesta primeira etapa, serão 52 mil cestas destinadas ao RS, mas o @mdsgovbr [usuário do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome no X] está providenciando a aquisição de mais 45 mil unidades”, continua a mensagem publicada pela Secom.
Na publicação, o órgão também acrescentou que a logística dessa distribuição está sendo feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
As Cozinhas Emergenciais atendem cerca de 49 mil pessoas desalojadas.
— SecomVc (@secomvc) May 12, 2024
Nesta primeira etapa, serão 52 mil cestas destinadas ao RS, mas o @mdsgovbr está providenciando a aquisição de mais 45 mil unidades.
Procurada pelo AFP Checamos, a Secom afirmou que a foto dos alimentos com o logo do governo federal foi tirada pelo estudante Carlos Vieira, que a compartilhou em 10 de maio no X.
Em sua publicação, Vieira afirma que o registro foi feito no Coletivo Preta Velha, na região Vila Cruzeiro, em Porto Alegre — e não em Canoas. O coletivo, que hoje funciona na sede da antiga escola Alberto Bins, fica localizado a mais de 60 quilômetros do município de Canoas.
Em 13 de maio, Vieira fez uma nova publicação no X, dessa vez compartilhando os metadados da fotografia viral, que mostram que o registro, de fato, foi feito em Porto Alegre:
a rede de ódio é bizarra. A fotinho que tirei na intenção de informar a galera que as doações do CONAB estão chegando no RS, acabou chegando numa rede bolsonarista, depois do Geraldo Alckmin compartilhar. Hj vários veículos de imprensa me chamaram. pic.twitter.com/FQs6h66aOV
— CARLOS VIEIRA (@carlosdvieira_) May 14, 2024
Em 14 de maio, o AFP Checamos entrou em contato com o Coletivo Preta Velha, que assegurou que as cestas básicas da fotografia vieram diretamente da Conab. O presidente da companhia de distribuição, Edegar Pretto, esteve presente no momento da chegada dos alimentos, como também foi ressaltado pelo coletivo à AFP.
Alimentos distribuídos não são doações de pessoas físicas
Tanto a Secom quanto o MDS explicaram ao AFP Checamos que os alimentos vistos na fotografia não são provenientes de doações da sociedade civil. Os itens, segundo as pastas, são comprados com recursos do ministério, ou seja, da administração federal:
“Os alimentos distribuídos pela Conab/MDS para as Cozinhas Emergenciais (e para as Prefeituras dos municípios atingidos pela enchente no Rio Grande do Sul) são adquiridos pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) (...). Para tanto, o Ministério aplica recursos para aquisição dos alimentos de empresa devidamente contratada via Ata de Registro de Preços.”
O MDS afirmou que, até o momento, os recursos aplicados na aquisição dos alimentos para atender à situação no Rio Grande do Sul somam R$ 8,4 milhões, que representaram a aquisição de 52 mil cestas.
Cada uma destas cestas é composta por dez itens: arroz, feijão, leite em pó integral instantâneo, óleo de soja, farinha de trigo ou farinha de mandioca, macarrão espaguete comum, fubá de milho, açúcar cristal, sardinha em óleo comestível e sal refinado e iodado.
Em 13 de maio, o ministério também publicou um texto negando a alegação de que doações da sociedade civil estariam sendo reembaladas com o logo do governo federal.
Decretos da Prefeitura de Canoas
As publicações virais também citam um suposto decreto da Prefeitura de Canoas, que teria sido o responsável por “confiscar” as doações da sociedade civil.
Uma pesquisa pelas palavras-chave “decretos Prefeitura Canoas” levou a um texto publicado em 11 de maio no site oficial da prefeitura, intitulado: “Prefeitura detalha Decreto de Requisição Administrativa”.
O comunicado explica que, em 2 de maio de 2024, a Prefeitura editou o Decreto de Requisição Administrativa nº 174, “para a aquisição de cestas básicas, materiais de limpeza, higiene pessoal, ração, colchões, cobertores, entre outros itens básicos para este momento que a cidade atravessa”.
Ainda segundo o texto, a requisição administrativa seria uma maneira de acelerar a compra dos produtos citados para atender a população de maneira mais imediata, já que processos licitatórios emergenciais podem levar de 4 a 7 dias úteis.
A requisição administrativa é um tipo de intervenção do Estado sobre bens particulares que ocorre em casos de perigo público iminente. Nessas situações, o Estado pode utilizar um bem privado em nome do bem-estar coletivo. Caso exista dano ou perda desse bem, o proprietário deverá ser indenizado pelo poder público, conforme previsto no inciso XXV do artigo 5º da Constituição Federal.
No caso da Prefeitura de Canoas, o Decreto nº 174 estabeleceu a requisição administrativa de itens básicos listados, e o artigo 4º do decreto especifica que esses itens terão seus valores reembolsados pelo município. A medida, portanto, é diferente de um confisco de bens.
Em 11 de maio, a Prefeitura de Canoas publicou o Decreto nº 185, que acrescenta um parágrafo único ao decreto anterior, deixando claro que a requisição administrativa não pode ser aplicada a doações vindas de pessoas físicas ou entidades privadas.
A requisição administrativa somente pode ser usada “para aquisições céleres e emergenciais de mercadorias de empresas privadas, com a devida indenização”, explica o novo decreto.
O Checamos não encontrou nenhum outro decreto em vigor da Prefeitura de Canoas, desde que foi anunciado estado de calamidade no município devido às enchentes, que disponha sobre confisco de bens particulares ou doações.
O AFP Checamos já publicou diversas verificações sobre alegações falsas envolvendo a situação no Rio Grande do Sul (1, 2, 3).
Referências
- Publicação da Secom no X
- Publicações de Carlos Vieira no X (1, 2)
- Texto da Conab a respeito da distribuição de alimentos ao RS
- Texto publicado em 13 de maio pelo MDS a respeito da alegação viral
- Comunicado da Prefeitura de Canoas sobre requisição administrativa
- Decreto nº 174 da Prefeitura de Canoas
- Decreto nº 185 da Prefeitura de Canoas
- Decretos em vigor da Prefeitura de Canoas em 14 de maio de 2024