Jovens recebem doses de reforço da vacina da Pfizer-BioNTech contra a covid-19 no Hospital Hartford, em Hartford, Connecticut, em 6 de janeiro de 2022 ( AFP / Joseph Prezioso)

Vacinas contra a covid-19 são falsamente ligadas a menor expectativa de vida

Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e de uma pesquisa da Cleveland Clinic não revelam que imunizantes contra a covid-19 reduzem a expectativa de vida em até 25 anos, ao contrário do que sugerem artigos e publicações com mais de mil interações nas redes. O conteúdo, que circulou em janeiro de 2023 junto a um suposto estudo de Josh Stirling divulgado em um portal estrangeiro, voltou a ser compartilhado em abril de 2024. Mas os dados dos CDC contrariam as alegações e especialistas afirmaram à AFP que não há estatísticas ou pesquisas que as sustentem.

“Um estudo preocupante descobriu que as pessoas que foram ‘totalmente’ vacinadas contra a Covid com injeções de mRNA podem esperar perder até 25 anos da sua esperança de vida. Os pesquisadores analisaram dados governamentais do CDC dos EUA, dados da Clínica Cleveland e dados de avaliação de risco de companhias de seguros”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram, no X e no Telegram.

Alegações similares circulam em inglês.

O conteúdo também foi enviado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem encaminhar mensagens vistas em redes sociais, caso duvidem de sua veracidade.

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Captura de tela feita em 24 de abril de 2024 de uma publicação no X (.)

As publicações compartilham matérias nacionais e internacionais que fazem referência a uma publicação de 24 de janeiro de 2023 no The Epoch Times, site que já propagou desinformação sobre as vacinas contra a covid-19.

Na matéria, o portal entrevistou Josh Stirling, apresentado como um “analista e pesquisador de seguros” e autor do suposto estudo que levou à conclusão sobre a diminuição de até 24 anos na expectativa de vida de pessoas vacinadas com os imunizantes de RNA mensageiro (mRNA).

As alegações de Stirling sobre as vacinas contra a covid-19 já foram verificadas por outras agências de checagem (1, 2).

Nos artigos, é citado que Stirling chegou às conclusões viralizadas analisando supostos dados dos CDC e os resultados de um estudo publicado pela primeira vez em 23 de fevereiro de 2023 pela Cleveland Clinic e intitulado “Effectiveness of the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Bivalent Vaccine”.

A pesquisa concluiu que a vacina em questão, que inclui um componente da variante ômicron, fornecia uma proteção “modesta” para os mais de 50 mil funcionários incluídos nas observações.

Mas o estudo da Cleveland Clinic não analisa a expectativa de vida — e os supostos dados dos CDC também citados no artigo não estavam disponíveis no momento da publicação da pesquisa de Stirling.

Amesh Adalja, pesquisador sênior no Centro de Segurança da Saúde da Universidade Johns Hopkins, disse que as alegações são “completamente inexatas e desconectadas da realidade”.

“Apesar de existirem alguns debates científicos sobre a impressão imunológica que pode influenciar a suscetibilidade à infecção, na realidade, não houve nada que tenha mostrado um aumento na quantidade de mortes em pessoas vacinadas”, afirmou em 9 de março de 2023.

Dados de 2022

Os artigos virais alegam que dados dos CDC indicam que a taxa de mortalidade geral nos Estados Unidos aumentou em 7% entre 2021 e 2022.

Contudo, em 21 de março de 2024, a agência norte-americana publicou o relatório oficial acerca da mortalidade nos Estados Unidos em 2022 que vai contra essa alegação.

Segundo o documento, a expectativa de vida subiu para 77,5 anos — um aumento de 1,1 ano em relação a 2021 —, enquanto a taxa de mortalidade caiu 9,2% — de 879,7 mortes por 100 mil habitantes em 2021 para 798,8 em 2022.

Os índices de mortalidade aumentaram apenas para as faixas etárias de 1 a 4 anos e de 5 a 14 anos. Contudo, os dados mostraram uma diminuição na taxa de mortalidade para todos os grupos etários acima de 15 anos. As duas principais causas de óbitos nos Estados Unidos em 2022 foram doenças cardíacas e câncer.

Além disso, no momento da publicação sobre o estudo de Josh Stirling, em 24 de fevereiro de 2023, os CDC ainda não haviam divulgado as informações sobre a mortalidade no país, como confirmou, na época, John Grabenstein, diretor de comunicação científica na Coalizão de Ação para a Imunização, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para o aumento das taxas de vacinação.

“Dados de mortalidade geral incluem overdoses, acidentes de trânsito, suicídio e muitas outras coisas que claramente não têm relação com a vacinação — então não é um indicador específico mesmo que estivesse disponível”, disse em 9 de março de 2023.

Alegações de que as vacinas contra a covid-19 “causaram mortes em larga escala” não têm sustentação, conforme os CDC confirmaram à AFP em 20 de março de 2023. A agência também indicou um estudo de 16 de janeiro de 2023 que não encontrou “nenhum risco adicional de morte entre os indivíduos que receberam as vacinas contra a covid-19 da Pfizer-BioNTech, da Moderna e da J&J/Janssen”.

“Índices de mortalidade entre pessoas que receberam vacinas contra a covid-19 foram menores do que os de pessoas que não receberam o imunizante”, disse a agência. “As conclusões desse estudo deveriam tranquilizar possíveis receptores da vacina contra a covid-19 e profissionais de saúde de que esses imunizantes são seguros”.

Estudo descontextualizado

O artigo da Cleveland Clinic citado no conteúdo viral era, na ocasião, um preprint. Desde então, o estudo foi revisado por pares e publicado em 19 de abril de 2023 na revista Open Forum Infectious Diseases. 

Entretanto, Nabin Shrestha, especialista em doenças infecciosas na Cleveland Clinic e um dos autores do estudo, afirmou que a pesquisa “não examina hospitalização ou mortes”

“É incorreto afirmar que o nosso estudo encontrou um risco maior de hospitalização ou morte com mais doses da vacina”, disse à AFP por e-mail em 15 de março de 2023.

Os pesquisadores descobriram uma correlação positiva entre doses das vacinas contra a covid-19 e risco de infecção, mas Shrestha reforçou que essa observação “não prova necessariamente que a vacina é a causa desse maior risco”.

Paul Offit, diretor do Centro Educacional de Vacinas no Hospital Infantil da Filadélfia, disse que outros fatores importantes incluem a idade e condições de saúde pré-existentes.

“Provavelmente, as pessoas que escolhem mais doses são pessoas com maiores riscos de doenças, não apenas a covid-19”, assinalou à AFP em 9 de março de 2023. “Elas estão mais em risco porque são mais velhas, porque têm comorbidades — elas são clinicamente mais frágeis ou mais imunocomprometidas”.

Benjamin Neuman, professor de biologia na Universidade A&M do Texas, disse que as alegações compartilhadas nas redes sociais foram “distorcidas para encaixarem em uma narrativa antivacinas”.

“Eu não vejo evidências de que qualquer um com competência em estatística, biologia ou fisiologia esteja envolvido na elaboração disso”, disse à AFP em 2 de março de 2023.

Referências

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