Jane Goodall não pediu para reduzir a população da Terra em 90% no Fórum Econômico Mundial

Um vídeo de Jane Goodall, conhecida por seu trabalho sobre os chimpanzés e a conservação ambiental, em que fala no Fórum Econômico Mundial de 2020 em Davos sobre os efeitos nocivos do crescimento da população tem sido compartilhado centenas de vezes nas redes sociais desde julho de 2022. As publicações asseguram que a especialista sugere reduzir a população mundial em 90%. Porém em nenhum momento de sua participação no evento Goodall pediu para “reduzir” a quantidade de habitantes do planeta.

“Jane Goodall sugerindo ao Fórum Econômico Mundial que todos os nossos problemas se resolveriam se a população da Terra se reduzisse a 90%”, diz o texto que acompanha o vídeo que circula no Twitter (1, 2, 3) e Kwai (1, 2).

Na sequência, de 16 segundos, Goodall aparece falando, sentada diante de um fundo com a logo do Fórum Econômico Mundial: “Não podemos nos esquecer do crescimento da população humana porque, como se sabe, é a base de muitos outros problemas. Todas essas coisas que conversamos não seriam um problema se tivéssemos o tamanho da população que havia há 500 anos atrás”.

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Captura de tela de um tweet realizada em 17 de agosto de 2022

Publicações similares circulam em espanhol, inglês, francês e finlandês.

O trecho foi retirado da participação de Goodall na reunião anual do Fórum Econômico Mundial (FEM) de 2020, celebrada de 21 a 24 de janeiro em Davos (Suíça). Foi em uma mesa-redonda, intitulada “Garantia de um futuro sustentável para a Amazônia”, em que participaram também Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Carlos Afonso Nobre, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), e Iván Duque, então presidente da Colômbia.

A equipe de checagem da AFP revisou a gravação original da mesa-redonda. Nela, Goodall expressa que o crescimento da população humana é um problema no que diz respeito às questões ambientais, porém em nenhum momento defende a “redução” da população atual.

O que disse Goodall em Davos?

O debate em que participou Goodall em Davos, em 2020, esteve “dedicado a explorar como se pode resguardar a selva tropical, seja na Amazônia ou em qualquer outro lugar, de forma que também sejam garantidos meios de vida sustentáveis”, como explicou o apresentador da rede britânica BBC, Mishal Husain, que participou do painel.

A parte viralizada aparece no minuto 31:35 da gravação completa. Está no contexto de sua fala sobre o Projeto Trilhões de Árvores, uma campanha da BirdLife International, WildLife Conservation Society e Fundo Mundial para a Natureza (WWF) para “proteger e restaurar os bosques de todo o mundo”, como informa o site do projeto.

Goodall sublinha a importância de proteger as selvas existentes e restaurar as matas em zonas “onde a floresta desapareceu há pouco tempo”. Na continuação, menciona “quatro coisas sombrias que temos que enfrentar, que temos que tentar mitigar”, enumerando a pobreza, os estilos de vida insustentáveis, a corrupção e o crescimento da população humana.

Tudo que Goodall disse sobre o crescimento da população humana nesse encontro está contido nesses 16 segundos viralizados. E ali ela não menciona a “redução” da população mundial em 90% nem em nenhuma outra proporção.

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Jane Goodall na conferência do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em 22 de janeiro de 2020 ( AFP / Fabrice Coffrini)

As medidas para controlar o crescimento populacional que Goodall menciona ao longo do debate são workshops de planejamento familiar e a educação das meninas. Antes, a partir do minuto 11:53, fala sobre o programa Tacare (Lake Tanganyika Catchment Reforestation and Education), do Instituto Jane Goodall, que começou em 1994 em 12 comunidades ao redor do parque nacional de Gombe, na Tanzânia. Segundo ela, se tratava de “um programa muito holístico” cujo objetivo era devolver a fertilidade às terras de cultivo superexploradas sem utilizar produtos químicos.

O programa também chegou a incluir projetos de gestão de água, microcréditos, assim como oficinas de planejamento familiar e bolsas para “manter as meninas na escola durante e depois da puberdade”. Sobre isso, Goodall afirma que “foi demonstrado em todo o mundo que, à medida que a educação das mulheres melhora, o tamanho das famílias diminui, e que o pior problema era o crescimento da população humana, que destruía as florestas dessas áreas”.

“O controle da população é um erro”

A AFP buscou outras declarações de Goodall sobre o crescimento da população e encontrou comentários que vão de 2007 a 2021. Em todos os casos pesquisados, ela não menciona a eliminação da população e, em vez disso, defende medidas voluntárias para frear o crescimento populacional, incluindo o planejamento familiar, a melhora da educação das meninas e o alívio da pobreza.

Por exemplo, em uma entrevista ao canal norte-americano CBS News em julho de 2020, menos de cinco meses depois de sua aparição no FEM, disse: “As questões populacionais são politicamente sensíveis, por isso falo da otimização voluntária da população. Então, tudo bem, é voluntário, é sua escolha. Você otimiza de acordo com sua situação financeira. As pessoas estão desesperadas para educar seus filhos e elas não podem educar oito. Por isso elas gostam do planejamento familiar, e as mulheres podem ter filhos em intervalos maiores para poder ter um filho e cuidá-lo”.

Em uma entrevista para a ONG Chatham House, em novembro de 2021, fez o mesmo comentário sobre a voluntariedade, referindo-se à época em que começou a falar da população humana: “As pessoas falavam então de controle da população, porém isso é um erro. Não tem nada a ver com controle. Isso é autocrático. Eu falava da otimização voluntária da população”.

Em uma parte de um debate com o reverendo Alan Jones, na catedral Grace de São Francisco (Califórnia), em 2007, Goodall menciona o planejamento familiar como medida para fazer frente à superpopulação. Em sua mensagem na conferência Population Matters (A População Importa), de 2019, ela destaca a importância da educação das meninas para reduzir o tamanho das famílias: “Foi demonstrado em todo o mundo que, à medida que melhora a educação das mulheres, o tamanho da família tende a diminuir”.

Ela faz o mesmo comentário em trechos do seu livro de 2021, com Douglas Abrams, “O Livro da Esperança”, publicados na revista Population Connection, em dezembro de 2021. Em uma entrevista à AFP em 2010, menciona-se que Goodall crê que “uma pedra angular em qualquer iniciativa para estabilizar o crescimento populacional” é “a melhora da qualidade de vida dos mais pobres”.

Goodall é também patrona da Population Matters, uma organização beneficente com sede no Reino Unido, cuja missão é alcançar“uma população humana sustentável e regenerar nosso meio ambiente”. A entidade deixa claro em seu site que “se opõe totalmente ao controle da população, à esterilização ou aos abortos forçados, à limitação do tamanho da família ou a qualquer outra atividade que trate as pessoas como números ou ferramentas”. Entre as ações que apoiam, mencionam “tirar as pessoas da pobreza, proporcionar educação, empoderar as mulheres e as meninas, proporcionar um bom planejamento familiar moderno a todos e promover a escolha de ter uma família menor”.

A AFP já verificou desinformação semelhante sobre supostos chamados para reduzir a população mundial atribuídos a Bill Gates e ao CEO da Pfizer. Também conteúdo falso vinculado ao Fórum Econômico Mundial e a Klaus Schwab, fundador do Fórum.

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