Este retrato de um oficial nazista não mostra o pai do fundador do Fórum de Davos, Klaus Schwab

Desde 26 de maio de 2022, tem sido compartilhada nas redes sociais, e em diversos idiomas, fotos do fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, juntamente com a imagem de um homem com um uniforme nazista, alegando que este seria Eugen Schwab, "um confidente próximo de Hitler" e pai do economista suíço. No entanto, a pessoa que aparece na imagem não é parente do criador do Fórum de Davos, mas muito provavelmente um general alemão chamado Walter Dybilasz. Além disso, Eugen Schwab não era membro do partido nazista e não tinha relação com Hitler.

"À esquerda, o fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab", diz a legenda de uma publicação no Facebook (1, 2, 3). “À direita, seu pai, confidente próximo de Hitler, o industrial e fascista Eugen Schwab. (...) Naquela época, seu pai estava no comando da 'Escher-Wyss', uma empresa estratégica da Alemanha nazista, e tinha seu próprio campo de concentração onde os prisioneiros tinham que trabalhar de graça”, continua o texto.

Conteúdo semelhante também é compartilhado no Twitter (1, 2, 3).

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Captura de tela feita em 4 de julho de 2022 de uma publicação no Facebook ( . / )

Alegações semelhantes circulam em espanhol, grego, inglês, norueguês, holandês, romeno, italiano, francês, alemão e polonês .

Foto não mostra Eugen Schwab

As imagens virais são compartilhadas na seguinte ordem: à esquerda, o fundador e diretor do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, e à direita, um oficial alemão que, de acordo com a insígnia militar em seu uniforme, seria um general da Wehrmacht, as forças armadas alemãs de 1935 a 1945.

As publicações afirmam que esse general é Eugen Schwab, pai de Klaus Schwab. De fato, esse era o nome do progenitor do economista suíço, a quem dedicou seu livro “Stakeholder Capitalism”. Ele também é mencionado no livro de Jurgen Dunsch sobre Klaus Schwab intitulado "Gastgeber der Mächtigen: Klaus Schwab und das Weltwirtschaftsforum in Davos" ("Anfitrião dos poderosos: Klaus Schwab e o Fórum Econômico Mundial de Davos", em tradução livre para o português).

Uma busca reversa pela imagem do militar na ferramenta Yandex levou ao site armedconflicts.com, especializado em histórias militares, identificando o homem como Walter Dybilasz, um major-general alemão que morreu em cativeiro em 1950 na União Soviética.

Uma pesquisa no Google por esse nome levou a outros sites exibindo a mesma fotografia (1, 2) e a páginas dedicadas a prisioneiros de guerra alemães durante a Segunda Guerra Mundial (1, 2).

No último dia 24 de junho, a AFP consultou os documentos do Arquivo Federal Alemão. O registro de Walter Dybilasz (escrito "Walther") inclui uma fotografia que comparamos abaixo com o registro que circula nas redes sociais:

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Captura de tela feita em 24 de junho de 2022 do registro encontrado no Arquivo Federal Alemão de Walter Dybilasz (E) e a imagem compartilhada nas redes ( . / )

Os dados biográficos de Dybilasz contidos nos documentos do Arquivo Federal correspondem a outros disponíveis na internet. O general nasceu em 1892 e, no final da Segunda Guerra Mundial, foi preso pelos norte-americanos e entregue às forças soviéticas. Condenado a 25 anos de trabalhos forçados por crimes de guerra, morreu em 1950 na prisão de Stalino (atual Donetsk), na então União Soviética.

Para comparar as imagens dos dois homens, a equipe de checagem da AFP também procurou fotos de Eugen Schwab, encontrando-as no Family Search e Geni, dois bancos de dados de árvores genealógicas.

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Capturas de tela feitas em 16 de junho de 2022 do site Geni (E), com Eugen Schwab, e do fórum de discussão da Wehrmacht, com Walter Dybilasz ( . / )

Contatada pela AFP, a assessoria de imprensa do Fórum Económico Mundial informou que a associação de que o homem uniformizado é Eugen Schwab “é completamente falsa e uma calúnia contra a família de Klaus Schwab”. A entidade também confirmou que a imagem disponível nos sites Family Search e Geni corresponde ao pai de seu fundador.

Eugen Schwab durante o Terceiro Reich

De acordo com postagens nas redes sociais, Eugen Schwab seria um nazista do alto escalão, confidente de Adolf Hitler e diretor de um campo de concentração. No entanto, essas alegações também são falsas.

No final da Segunda Guerra Mundial, as forças aliadas na Alemanha e na Áustria implementaram um programa de “desnazificação”, que incluía a identificação e punição dos afiliados ao partido nazista.

Conforme explicado no site do Berlin Allied Museum, “as câmaras, os comitês e as comissões de desnazificação usavam um longo formulário para determinar a responsabilidade e elaborar um certificado. Nesse formulário, os interessados deveriam descrever detalhadamente os seus antecedentes políticos e, em particular, fazer uma declaração verdadeira sobre o seu pertencimento ao partido nazista e a outras organizações nazistas. As sanções podiam ir desde multas até a aposentadoria antecipada, ou internação em um campo de trabalho”.

Os arquivos do estado regional de Baden-Württemberg forneceram à AFP os documentos de desnazificação de Schwab.

Para interpretá-los corretamente, a AFP entrou em contato com o Instituto de História Contemporânea de Munique, cujo pesquisador Niels Weise disse em 13 de junho de 2022 que esses documentos não mostram que o industrial alemão foi um funcionário nazista de alto escalão. "De acordo com os certificados, ele nem era membro do Partido Nazista", afirmou.

"Uma pesquisa nos arquivos de membros do Partido Nazista no mecanismo de busca online dos arquivos federais alemães não mostra nenhum Eugen Wilhelm Schwab, nascido em 27/4/1899, mas cinco outros 'Eugen Schwab' com diferentes datas de nascimento", explicou Weise, acrescentando que o pai de Klaus Schwab "não ocupou nenhum cargo no partido e claramente não era um oficial nazista de alto escalão".

Peter Fäßler, professor de história contemporânea da Universidade de Paderborn (Renânia do Norte-Vestfália), concordou: "Os documentos de desnazificação não provam que Eugen Schwab foi um oficial nazista de alto escalão", disse à AFP em 20 de junho de 2022.

No entanto, acrescentou Weise, tais certificados não permitem tirar conclusões sobre a ideologia de Eugen Schwab. "Por um lado, houve minimizações e muitas mentiras durante o processo de desnazificação. Por outro, as filiações formais nas quais se centraram os procedimentos apenas permitem tirar conclusões parciais sobre as convicções das pessoas", assinalou.

A mesma opinião é compartilhada por Fäßler, que confirmou que nenhuma conclusão sobre as ideologias políticas de Eugen Schwab pode ser tirada dos documentos.

O empresário alemão teve que responder a dois questionários: um em 7 de fevereiro de 1946, como diretor comercial da empresa Escher Wyss, e outro em 4 de novembro de 1946, como conselheiro da Câmara de Comércio de Ravensburg. "Isso não é incomum", disse Niels Weise.

Schwab foi colocado no "grupo A", que "corresponde a uma absolvição", explicou o pesquisador. "Seria preciso analisar intensamente as fontes para julgar se tal avaliação é justificada do ponto de vista atual. Dito isso, a informação fornecida por Eugen Schwab parece plausível e não revela nenhuma filiação nazista significativa", acrescentou.

De acordo com os documentos, o empresário se declarou membro de três organizações atuantes durante o Terceiro Reich: a Federação Nacional Socialista de Educação Física (NSRL), a Frente Operária Alemã (DAF) e a Assistência Nacional Socialista Popular (NSV), um organização de bem-estar social criada em 1931.

"De acordo com as suas declarações, Eugen Schwab ingressou no NSRL quando a Associação Alpina Alemã, da qual era membro, foi transferida para esta federação", explicou Weise, que considera que "apenas conclusões muito limitadas podem ser tiradas sobre as reais convicções políticas de pertencimento a essas organizações."

Segundo o especialista, "as afiliações de Eugen Schwab são as de um típico 'apoiador passivo' e não são nada notáveis".

Além disso, Weise descartou que Schwab fosse próximo de Hitler. "Não há nenhum indício de que Eugen Schwab tivesse algum relacionamento particular ou mesmo qualquer relacionamento com Hitler", disse. Fäßler confirmou que não tinha conhecimento de tal relação: "É pouco provável que Eugen Schwab fosse um 'confidente próximo de Hitler'. Não há informações correspondentes na literatura relevante. Uma busca nos arquivos federais não revelou nenhuma informação desse tipo".

Trabalho forçado na empresa Escher Wyss

A empresa suíça Escher Wyss teve várias sedes na Alemanha. Durante o Terceiro Reich, Eugen Schwab foi diretor comercial da empresa localizada em Ravensburg, no sul do país.

A AFP entrevistou Silke Schöttle, diretora dos arquivos municipais da cidade, que disse que a Escher Wyss – como outras empresas – usava mão de obra forçada e trabalhadores estrangeiros. Em 1943, 336 estrangeiros trabalhavam na Escher Wyss, incluindo 86 prisioneiros de guerra. Em 1944, esse número havia crescido para mais de 400, incluindo várias mulheres russas.

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Comemorações em homenagem às vítimas do Holocausto no local do antigo campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, em 28 de abril de 2022 ( AFP / Wojtek Radwanski)

Os campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau, tinham como objetivo executar o genocídio planejado pelos nazistas. Os campos de concentração foram usados para aprisionar, separar, explorar, humilhar e intimidar. Nos campos de prisioneiros de guerra e nos chamados campos de trabalho "civil", milhões de pessoas de toda a Europa tiveram que trabalhar em condições análogas à escravidão.

Fäßler disse à AFP que a Escher Wyss "parece ter sido uma empresa especializada em tecnologia, bastante interessante em termos de indústria de armas e, portanto, também ativa como parceira da economia nazista".

“Tudo indica que a empresa – e, portanto, provavelmente também Eugen Schwab – contribuiu para o funcionamento do regime e da economia nazista”, continuou o historiador. “Nesse sentido, pode-se falar de culpa e responsabilidade histórica. No entanto, não vejo indícios de um grau de responsabilidade extraordinário ou alto", comentou.

Weise, por sua vez, disse que Escher Wyss também usou prisioneiros de guerra em sua sede em Lindau. Embora a empresa pareça ter participado do "uso desumano de trabalho forçado da economia de guerra nazista", isso "certamente não se deveu ao relacionamento especial do diretor comercial da empresa com Hitler", disse o especialista, concluindo que "Eugen Schwab não teve o seu próprio campo de concentração".

Fäßle concordou: nenhuma pesquisa mostra que Schwab “administrou seu próprio campo de concentração”. No entanto, é verdade que a Escher Wyss lucrou com o trabalho forçado na Alemanha nazista.

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