A desinformação do cientista britânico e ex-funcionário da Pfizer sobre as vacinas e a covid-19
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- Publicado em 25 de dezembro de 2020 às 00:03
- Atualizado em 28 de dezembro de 2020 às 14:25
- 11 minutos de leitura
- Por Robert BARCA, AFP Eslováquia
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Ex-Vice-Presidente da Pfizer: ‘Não há necessidade de vacinas’, ‘a pandemia efetivamente acabou’”, assinalam publicações no Facebook (1), Twitter (1, 2) e Instagram (1).
As afirmações, que também foram publicadas em um blog, circularam igualmente em outros idiomas, como inglês, eslovaco, italiano e espanhol.
Nas postagens são citadas ou parafraseadas declarações de Michael Yeadon, ex-funcionário da Pfizer, uma das companhias farmacêuticas que desenvolvem vacinas contra a covid-19.
Yeadon assegura que “não há absolutamente nenhuma necessidade de vacinas para extinguir a pandemia”, que, devido ao fato de outros coronavírus estarem circulando na população, algumas pessoas deveriam ter imunidade inata ao novo e que os testes PCR dão falsos positivos já que as pessoas que os realizam podem estar infectadas com um SARS-CoV-2 inativo ou um coronavírus relacionado.
A maior parte dos textos e publicações usam como fonte um artigo em inglês com data de 23 de novembro epublicado no portal Life Site.
Quem é Michael Yeadon?
Segundo seu perfil no LinkedIn, Michael Yeadon foi diretor científico da área de pesquisa sobre alergias e respiração na Pfizer de 1995 a 2006, quando se tornou vice-presidente da farmacêutica até a sua saída, em 2011.
A Pfizer confirmou à AFP que Yeadon foi funcionário da empresa, mas não que havia ocupado cargos de alto escalão ou que havia trabalhado lá por tanto tempo. O nome de Yeadon tampouco é mencionado no site da Pfizer, embora apareça em um artigo de 2011 no Business Wire sobre a sua entrada na junta diretiva da Pulmatrix, onde é apresentado como “vice-presidente e diretor científico da Unidade de Alergias e Respiração da Pfizer”.
Yeadon repetiu suas palavras em pelo menos três lugares: em 16 de outubro para o blog Lockdown Sceptics, em 5 de novembro em uma entrevista de rádio e em 19 de novembro em um vídeo de 30 minutos postado no Facebook.
Dervila Keane, representante da Pfizer para as Relações com os Meios de Comunicação Globais, indicou à AFP em um e-mail que a Pfizer “estimula o público a buscar informações sobre a pandemia de COVID-19 junto a organismos de saúde pública confiáveis e/ou seus provedores de atendimento médico individuais”.
A equipe de checagem da AFP analisou várias alegações de Yeadon.
1. A pandemia acabou: Falso
As afirmações de Yeadon se referiam ao Reino Unido e foram feitas durante outubro e novembro de 2020.
Entretanto, nem no Reino Unido nem em outros lugares a pandemia terminou, tendo já matado mais de 1,5 milhão de pessoas em todo o mundo.
Pelo contrário, em outubro e novembro foi registrado o maior número de novos casos de covid-19 na Grã-Bretanha desde o início da pandemia, com aumentos diários superiores a 25 mil novos casos, como mostra o gráfico da Universidade Johns Hopkins (JHU).
Na segunda quinzena de novembro, o aumento dos casos diminuiu como resultado das duras medidas restritivas que foram implementadas. No entanto, em dezembro ainda se acumulam novos casos a um ritmo de 15 mil por dia.
Atualmente estão sendo registrados novos casos não apenas no Reino Unido, mas também na Europa Central e nos Estados Unidos, por exemplo.
Sobre as mortes, Yeadon tem razão quando diz que (ao menos no Reino Unido) não morreram tantas pessoas durante a segunda onda como na primeira. Em abril de 2020, os hospitais britânicos sofreram com o grande fluxo de novos pacientes e a Grã-Bretanha registrou a maior parte das mortes desde o início do surto. Contudo, alguns países europeus, onde a primeira onda fez menos vítimas, estão agora sofrendo com o grande volume de mortes por milhão de habitantes, como a Eslovênia, Bulgária e República Tcheca em novembro.
2. As vacinas são absolutamente desnecessárias: Falso
Os especialistas internacionais concordam que a vacinação é uma ferramenta fundamental para frear ou deter definitivamente a propagação de uma pandemia como a do novo coronavírus.
“A atual pandemia da doença do coronavírus (covid-19) é uma crise global, com impacto sanitário, social e econômico devastador. A covid-19 pode causar doenças graves e a morte com consequências em longo prazo ainda desconhecidas em pessoas de todas as idades, inclusive em outras pessoas saudáveis. São necessárias vacinas seguras e eficazes para a covid-19 para proteger as pessoas de ficarem doentes, especialmente os profissionais de saúde e as populações vulneráveis, como idosos ou com enfermidades crônicas”, indica o site da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), cuja missão é autorizar e controlar os medicamentos na União Europeia.
O desenvolvimento completo da vacina contra a covid-19, as circunstâncias de seu uso e os diversos tipos de vacinas que estão sendo aprovadas atualmente na União Europeia (até 13 vacinas candidatas) são descritas detalhadamente no site do Instituto Eslovaco para o Controle de Drogas (ŠÚKL). “Devido à urgência da pandemia, existe uma intensa atividade mundial para desenvolver o tratamento de pacientes com a doença e para desenvolver uma vacina segura, mas eficaz para proteger o corpo humano do desenvolvimento de infecções e doenças. Considera-se que o desenvolvimento de vacinas é visto como a solução-chave para gerenciar a situação atual”, lê-se na página.
O infectologista Pavol Jarčuška, que está negociando a entrega da vacina no mercado eslovaco, destacou, em entrevista em 27 de novembro, não apenas a importância da vacina, mas também a sua segurança: “Inclusive se sou jovem e me infecto, posso infectar meu pai ou meu avô, que pode morrer. Esta é a motivação para a vacinação. [...] A Agência Europeia de Medicamentos não tem motivos para liberar um medicamento que possa ser potencialmente perigoso. É verdade que para qualquer medicamento no momento do registro não temos dados sobre os efeitos colaterais em longo prazo, encontraremos muitos dados mais à frente, mas isto é um risco geral para todo e qualquer medicamento. A vacina contra a covid-19 foi desenvolvida rapidamente, mas não começou do zero. As vacinas contra a MERS, que também é um coronavírus, estavam sendo desenvolvidas anteriormente”.
Nesta etapa, ainda não se sabe se as vacinas evitarão que as pessoas que as recebem, mesmo que não desenvolvam a doença, a espalhem para outras pessoas. Essa é uma das razões pelas quais os idosos e os profissionais de saúde têm prioridade na vacinação.
A professora Akiko Iwasaki, especialista em imunidade da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, explicou neste artigo da AFP em outubro o motivo pelo qual “a imunidade coletiva deve ser baseada em vacinas seguras e eficazes”.
No Reino Unido, a vacina da Pfizer recebeu a certificação de segurança em 2 de dezembro de 2020 com uma eficácia estimada de até 95%. A vacinação de profissionais da saúde e de pessoas com mais de 80 anos começou em 8 de dezembro. Margaret Keenan, de 90 anos, tornou-se a primeira pessoa a ser vacinada com o imunizante da Pfizer.3. Os testes PCR dão muitos falsos positivos porque não distinguem vírus ativos de inativos: Sem provas.
3. Os testes PCR dão muitos falsos positivos porque não distinguem vírus ativos de inativos: Sem provas
(Sanjay Kanojia / AFP )
Yeadon também diz que um cotonete do teste PCR, que examina se o RNA do coronavírus está presente na mucosa nasofaríngea, não consegue distinguir se uma pessoa tem um vírus ativo, “vivo”, no corpo ou simplesmente os restos de um já inativo, “morto”, que pode ser encontrado em um paciente mesmo vários meses depois de já ter passado pela doença. Segundo Yeadon, isto produz uma alta porcentagem total de falsos positivos nos testes PCR.
Entretanto, o termo “falso positivo” é usado incorretamente e também é enganoso afirmar que a maioria da população deveria ser imune.
Primeiramente, os testes PCR são projetados e utilizados para detectar, inclusive, pequenas quantidades de vírus, a fim de identificar o maior número possível de casos e limitar a propagação da doença, desde que os indivíduos infectados cumpram o isolamento.
Os resultados do teste PCR só fazem distinção entre resultados “positivos” (o vírus é identificado na amostra) e resultados “negativos” (nenhum vírus é identificado na amostra). Em alguns casos, a quantidade de vírus detectada é realmente muito baixa.
Entretanto, as pesquisas atuais não têm conclusões definitivas sobre como quantificar com precisão o limiar exato da quantidade de vírus que é “suficiente” para que uma pessoa o espalhe.
Robert Shmerling, editor-chefe da Harvard Health Publishing, explicou neste artigo que um resultado falso positivo no teste PCR é muito raro, geralmente devido à contaminação da amostra.
“A taxa de falsos positivos, ou seja, a frequência com que o teste diz que tem o vírus quando, na realidade, não o tem, deve ser próxima de zero. Acredita-se que a maioria dos resultados falsos positivos se deve à contaminação do laboratório ou outros problemas com a forma como o laboratório realizou o teste, não a limitações do teste em si”, escreveu Shmerling.
Além disso, a alegação de Yeadon de que os testes PCR de covid-19 detectam outros tipos de coronavírus é falsa, como já foi verificado pela AFP neste artigo em espanhol.
No final de setembro, a revista médica The Lancet publicou um texto sobre os dados reais de falsos positivos e o fato de que, apesar disso, os testes PCR são o padrão para detectar a presença do vírus.
4. Uma parte significativa da população é imune ao SARS-CoV-2 porque os coronavírus relacionados estão circulando na população: Especulação
Existem sete tipos conhecidos de coronavírus que podem infectar humanos: quatro deles causam o resfriado comum, um causou a epidemia de SARS em 2003, e outro causou a epidemia de MERS em 2012. O sétimo é o coronavírus SARS-CoV-2, detectado pela primeira vez na cidade chinesa de Wuhan no final de 2019 e que causou a pandemia de covid-19.
Em seu artigo de 16 de outubro, Yeadon afirma: “uma proporção significativa (30%) da população entrou em 2020 armada com células T capazes de defendê-la do SARS-CoV-2, apesar de nunca ter visto o vírus. Isto se deve ao fato de terem sido anteriormente infectados por um dos coronavírus mais comuns que causam resfriado”.
Yeadon menciona as chamadas células T ou linfócitos T e a imunidade cruzada ou coletiva. Entretanto, suas alegações são infundadas e enganosas. A teoria da imunidade generalizada baseada em uma infecção prévia com outros coronavírus está atualmente em nível de hipótese científica, e os próprios autores de um estudo relevante a respeito são muito cuidadosos em suas conclusões.
O Health Feedback, um site de verificação de conteúdo científico, classificou as afirmações de Yeadon sobre a imunidade entre comunidades como inexatas.
Em seu artigo, Yeadon corroborou as suas suposições de que 30% da população é imune ao SARS-CoV-2 usando os resultados do estudo “Epítopos seletivos e de reação cruzada de células T do SARS-CoV-2 em humanos não expostos”, publicado em 2 de outubro na revista Science. Yeadon apresentou as conclusões da análise como fatos indiscutíveis e escreveu: “Mais uma vez, é assim que funciona. Não há nenhuma dúvida substancial sobre isso”.
Entretanto, se olharmos para o estudo em si, assinado por 26 autores, vemos que são extremamente cautelosos ao interpretar seus dados e suas descobertas sobre as células T. De fato, o estudo apresenta a hipótese de que existe um grupo de pessoas que, embora não tenham sido previamente infectadas pelo SARS-CoV-2, carregam células T mais linfócitos CD4, que também podem reconhecer partes do vírus que causam a covid-19. No entanto, não está claro de onde essas pessoas obtêm as células. O resumo do estudo descreve a fonte dessas células como “especulativa”.
Os autores também concluem: “Com base nestes dados, é plausível apresentar a hipótese de que a memória celular T + CD4 com reatividade cruzada pré-existente em alguns doadores pode ser um fator que contribui para as variações nos resultados de doenças em pacientes com covid-19, mas atualmente isto é muito especulativo”.
Um dos autores deste estudo, Shane Crotty, do Instituto La Jolla de Imunologia, refuta as afirmações enganosas de imunidade pré-existente e as “afirmações perigosas de imunidade coletiva” em uma sequência no Twitter.
Um exemplo que causou polêmica de estratégia de imunidade coletiva é a Suécia, que vem implementando este método ao invés de medidas restritivas de bloqueio como forma de combater a pandemia. De acordo com esta teoria, a população seria gradualmente infectada de forma controlada com o objetivo de que as pessoas recuperadas obtivessem imunidade natural ao novo coronavírus.
No entanto, o experimento sueco não funcionou. No início de dezembro, o epidemiologista-chefe Anders Tegnell, responsável pela estratégia sueca, classificou a imunidade de rebanho como um “mistério”.
Iwasaki, da Universidade de Yale, disse que “as reinfecções mostram que não podemos confiar na imunidade adquirida mediante a infecção natural para alcançar a imunidade coletiva”.
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), abordou a teoria da imunidade coletiva em outubro: “Nunca na história da saúde pública a imunidade coletiva foi usada como estratégia para responder a um surto, muito menos a uma pandemia. É científico e eticamente problemático”.
Pelo contrário, segundo com Tedros, a imunidade coletiva real só será alcançada após uma certa porcentagem da população ser vacinada, protegendo, inclusive, as pessoas não vacinadas. No caso do sarampo, por exemplo, é 95% da população, no caso da poliomielite, cerca de 80%. No caso da covid-19, o nível estimado está em 60% a 70%.
Em resumo, as afirmações de Michael Yeadon sobre a pandemia de covid-19, as vacinas, os testes PCR e a imunidade são falsas ou infundadas.
EDIT 28/12: muda "publicaciones" por "publicações" no 1º parágrafo