Correlação entre aumento de casos de covid-19 no Chile e uso da CoronaVac é enganosa
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- Publicado em 27 de junho de 2021 às 19:55
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- Por AFP Brasil
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“Chile vai de exemplo a preocupação mundial com alta de casos e mortes. Com quase metade da população imunizada, sendo 90% com CoronaVac, casos subiram 30,6% e mortes 17,2% nos últimos 30 dias”, diz a notícia publicada em 7 de junho de 2021. O conteúdo circulou no Twitter (1, 2, 3), no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram (1, 2).
“Até meados de abril, o Chile havia aplicado basicamente apenas CoronaVac, 90% do total, segundo a imprensa local, e a norte-americana Pfizer. O Worldometer aponta 213 mortes em um só dia, quinta-feira passada; o segundo maior número registrado no Chile desde 27 de junho de 2020”, acrescenta o texto.
Apesar de o número de óbitos ser verdadeiro - conforme checado no boletim epidemiológico oficial do dia 3 de junho - os números oficiais da covid-19 divulgados pelo governo chileno mostram uma média de casos de, aproximadamente, 100 a 120 óbitos por dia desde março de 2021, como destacado pelo ministro da Saúde, Enrique Paris, em 3 de junho de 2021.
Alta de casos e alta de mortes
Segundo os dados do governo, é verdadeiro que o país enfrenta atualmente um número de casos maior do que o registrado em 2020. De acordo com os registros oficiais, em 14 junho de 2020, o Chile contabilizou 6.938 casos confirmados em um dia. Já em 9 de abril de 2021, o país registrou 9.171 casos. A média móvel semanal de casos, conforme indicada no gráfico abaixo, também cresce no país desde o final de dezembro de 2020.
No entanto, o aumento de mortes por covid-19 não foi proporcional ao dos casos, como explica Vivian Luchsinger Farias, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile. “O número de falecidos aumenta à medida que aumentam os casos, mas não aumentaram tanto. Os doentes e mortos são, principalmente, os não vacinados”, diz à AFP.
O cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt também observa estabilidade na curva de óbitos no Chile, ainda que em um patamar elevado. Schrarstzhaupt é coordenador da Rede Análise Covid-19, um grupo nacional de pesquisadores voluntários que se dedica à coleta de dados sobre a pandemia do novo coronavírus. “O número de óbitos no Chile tem oscilado desde o aumento [de casos] de janeiro, em um nível estável, alto, mas estável”, afirmou à AFP.
Alta de casos e aumento na mobilidade
De acordo com Luchsinger, da Universidade do Chile, o aumento no número de casos no país pode ser explicado por uma série de fatores, “incluindo a conduta das pessoas que não usam máscara e reúnem-se com outros indivíduos. A isso, também contribui o uso de uma vacina que não é tão eficaz em evitar a infecção entre os vacinados”, diz à AFP em referência ao imunizante Sinovac. “A mobilidade das pessoas está alta, apesar das restrições impostas pelas autoridades, principalmente devido a razões econômicas”, explicou.
Segundo Schrarstzhaupt, da Rede Análise Covid-19, há correlação entre o aumento no número de casos e mortes por covid-19 no Chile e a maior mobilidade da população relatada por Luchsinger. “Vemos um aumento enorme [da mobilidade] de outubro de 2020 até janeiro de 2021, o que se correlaciona com o aumento forte de casos de janeiro, quando ainda praticamente não existia vacinação [no país]”, escreveu o cientista em sua conta no Twitter, na qual incluiu gráfico de mobilidade da população chilena gerado pelo Google.
“Mesmo agora, em 15/06, o Chile tem 47% da população totalmente imunizada com as duas doses, o que ainda é distante dos 75% de Serrana (por exemplo). Além disso, o aumento de mobilidade mais forte no Chile veio ANTES da vacina (de outubro/20 a janeiro/21), deixando o vírus proliferar”, continuou Schrarstzhaupt na publicação, na qual constam gráficos.
“Isso mostra o que viemos falando desde sempre: enquanto não tivermos a cobertura vacinal acima de 75% (no mínimo), precisamos restringir a mobilidade. E, se tivermos um surto de uma variante mais transmissível, como a Delta, essa porcentagem aumenta ainda mais. Por isso temos de vacinar TODO mundo”, assinalou o coordenador da Rede Análise Covid-19 à AFP.
CoronaVac ineficaz?
O Instituto Butantan publicou um pronunciamento classificando como falsa a associação entre o uso do imunizante e o aumento no número de casos de covid-19 no Chile.
“É falso associar um aumento de casos de Covid-19 no Chile ao uso da CoronaVac. A vacina é segura e eficaz. Está salvando vidas no Brasil, no Chile e em outros países do mundo. Os casos recentes de Covid-19, de acordo com as autoridades chilenas, estão ocorrendo em quem ainda não foi vacinado”, escreveu o Instituto.
A neurocientista e biomédica Mellanie Fontes-Dutra também afirmou à AFP que o surto de novos casos no Chile não significa que a CoronaVac seja ineficaz no controle da pandemia.
“É importante ressaltar que no Chile existem variantes de escape imunológico circulando, como a P1 [agora chamada Gamma]. E estamos vendo que, para algumas variantes como essa, duas doses [da CoronaVac] são necessárias. Apenas uma dose não traria uma proteção completa. Então o Chile ainda está fazendo seu caminho rumo à cobertura vacinal e à vacinação com as duas doses”, disse a cientista. Até o dia 24 de junho, o Chile registrou 66,58% da população vacinada com as duas doses, segundo os dados oficiais.
“Portanto, não significa que a CoronaVac não é eficaz. Significa que nós precisamos, muito provavelmente, das duas doses para ter um controle maior. E significa também que, enquanto a população ainda estiver se vacinando, se a mobilidade estiver alta e não houver uso de máscaras, distanciamento e tivermos flexibilizações como no Chile, poderemos ter surtos da doença”, apontou Fontes-Dutra à AFP.
Segundo uma pesquisa da Universidade do Chile publicada no último dia 6 de abril, “a efetividade da vacina Sinovac não foi afetada por uma eventual circulação de novas variantes do vírus no país, seja porque a dita circulação ainda não é massiva ou seja porque a vacina não perde efetividade”.
Sobre um suposto menor impacto da CoronaVac na transmissão em relação a outras vacinas, Fontes-Dutra indicou que ainda não existem dados a respeito do potencial de redução de transmissão da covid-19 para este imunizante.
“Temos apenas o dado da Pfizer, que é um indicativo inicial. Então, no momento, nós não podemos realizar essa comparação [entre a CoronaVac e outras vacinas] porque não temos um dado ainda contundente mostrando o impacto da CoronaVac na transmissão”, indicou.
Segundo o estudo divulgado pelo Ministério da Saúde do Chile em 16 de abril de 2021, que analisou a eficácia da CoronaVac no país 14 dias após a aplicação da segunda dose, a vacina teve 67% de eficácia para prevenir casos sintomáticos de covid-19, 80% de efetividade na prevenção de mortes e 89% de efetividade na prevenção de internações em UTIs.