Checamos afirmações sobre máscaras, distanciamento, lockdown e vacina contra covid-19

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  • Publicado em 6 de janeiro de 2021 às 21:58
  • 9 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Um meme que soma mais de 19 mil interações nas redes sociais ao menos desde setembro de 2020 questiona a adoção de algumas das medidas mais importantes de contenção da pandemia de covid-19 - uso de máscaras, distanciamento social e isolamento - e, por fim, pergunta o motivo pelo qual as vacinas serão aplicadas, se as providências anteriores funcionam. Mas isso não procede, pois tratam-se de ações complementares e, segundo os especialistas consultados pela AFP, a contenção da pandemia depende de um imunizante.

“Se as máscaras funcionam, porque os 2 metros? Se os 2 metros funcionam, porque as máscaras? Se ambas funcionam, porque o lockdown? Se os três funcionam, porque a vacina? Se a vacina é segura, porque uma cláusula de ‘não responsabilidade’ para as indústrias farmacêuticas?”, questionam as publicações, compartilhadas milhares de vezes no Facebook (1, 2, 3) desde 2020 e que continuam circulando este ano.

O meme com essas perguntas também foi encontrado no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2, 3), onde muitos usuários indicaram que esta seria uma forma de “continuarem com a farsa” ou que “o vírus nem existe”.

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Captura de tela feita em 5 de janeiro de 2021 de uma publicação no Facebook

Detectado no final de 2019 em Wuhan, na China, o novo coronavírus já infectou mais de 86 milhões de pessoas e provocou mais de 1,8 milhão de mortes no mundo.

As máscaras e o distanciamento

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras neste documento, periodicamente atualizado, afirmando que faz parte de um grupo de “medidas de prevenção e controle para limitar a propagação do SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid. A máscara sozinha, mesmo quando é usada corretamente, é insuficiente para proteger adequadamente ou controlar a fonte” da doença.

O organismo assinala que outras ações preventivas são a higienização das mãos, o distanciamento de pelo menos um metro, evitar tocar o rosto, ter uma ventilação adequada nos ambientes fechados, a realização de testes, quarentena e isolamento.

Nesse mesmo guia, a OMS cita um estudo publicado em junho de 2020 na revista científica The Lancet no qual seus autores concluem que o distanciamento social, o uso de máscara e de protetores oculares contribuem para diminuir o risco de contaminação pelo coronavírus.

Em dezembro, a Mayo Clinic publicou o resultado de uma pesquisa que confirmou a importante função das máscaras e do distanciamento a fim de reduzir o contato com partículas possivelmente contaminantes a níveis mínimos, ajudando a frear a propagação da covid-19.

Para Flávio Fonseca, professor do Departamento de Microbiologia e pesquisador do Centro de Tecnologia em Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), “nenhuma medida isolada é 100% eficaz”.

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O médico infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) Evaldo Stanislau falou ao Checamos no mesmo sentido: “As medidas são complementares. Às vezes só o distanciamento não é suficiente porque se você tiver uma carga viral muito alta, ou se você estiver falando alto, cantando, gritando, eventualmente a partícula pode ir bem longe, então o distanciamento é uma medida essencial e importante, mas ele precisa da ajuda da máscara”.

Os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos dão uma orientação no mesmo sentido: “A máscara não é um substituto para o distanciamento. As máscaras devem ser usadas além de permanecer a pelo menos seis pés [1,8 metro] de distância, especialmente em ambientes internos com pessoas com as quais não convive”.

À equipe de checagem da AFP no Brasil, Paulo Lotufo, epidemiologista e professor na Faculdade de Medicina da USP, explicou: “As máscaras impedem muito mais que você transmita do que se infecte, o distanciamento é defensivo, diríamos assim”.

Fonseca concorda: “Essa máscara de tecido que a gente usa protege o próximo porque se a pessoa que está usando a máscara tosse, espirra, ou mesmo quando ela fala, as gotículas de saliva que ela elimina ficam retidas na parte interior da máscara. Por isso que é importante que as duas pessoas usem máscara, porque uma protege a outra”.

Em outubro de 2020, o Instituto Pasteur de Montevidéu publicou uma sequência de tuítes mostrando como cada medida adotada age como um “filtro” para evitar o contágio pelo novo coronavírus usando o Modelo do Queijo Suíço.

E é o que Stanislau ratifica: “Você precisa de medidas complementares, uma ou outra podem funcionar em situações definidas, mas como a gente não controla todos os fatores envolvidos, é melhor que a gente tenha uma e outra”.

Lockdown

De acordo com Fonseca, “o lockdown só é decretado quando o número de casos atinge um limite que começa a colocar em risco a efetividade do sistema de saúde de cuidar das pessoas doentes. Isso só vai acontecer quando as intervenções não farmacológicas não forem adequadas, tendo um número excessivo de casos”.

É o que está acontecendo em diferentes países do mundo (1, 2, 3), que tentam conseguir leitos nos hospitais, mas que não estão disponíveis.

Sobre o lockdown, tanto Stanislau quanto Lotufo usam como exemplo o caso do Reino Unido, que em 5 de janeiro de 2021 deu início ao terceiro confinamento para tentar conter uma onda de contágios por uma nova variante do coronavírus muito mais transmissível, segundo estudos científicos.

Lotufo cita o confinamento imposto no Reino Unido como uma forma de reduzir “a mobilidade urbana, o problema maior do contágio, onde máscara e distanciamento deixam de funcionar, como fica evidente no metrô”.

Para Stanislau, o lockdown é como “desligar a chave-geral” quando ocorre um curto-circuito.

O médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP ainda assinalou que o confinamento é uma medida extrema,  cuja intenção principal é conseguir o “achatamento da curva” de contaminação ao diminuir a circulação do vírus.

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Uma loja fechada em Liverpool devido ao lockdown imposto para conter a propagação da covid-19 na Inglaterra, em 5 de janeiro de 2020
(Paul Ellis / AFP)

“E como você vai tentar retomar o controle na saída do lockdown? Com máscara, com distanciamento, com higiene, com ar renovado e, no caso da Inglaterra, já com vacina”, finalizou o especialista.

As vacinas contra a covid-19

As postagens viralizadas terminam perguntando o motivo pelo qual os indivíduos deveriam se vacinar se as máscaras, o distanciamento social e o lockdown funcionam. Além disso, questionam se os imunizantes são seguros, já que as farmacêuticas teriam aplicado uma “cláusula de não responsabilidade”.

Sobre a necessidade de vacinar a população mesmo com as medidas anteriormente mencionadas, os especialistas concordam: para sair da pandemia os imunizantes são essenciais.

“O primeiro objetivo da vacina é que você não morra de covid-19, que não tenha a forma grave, e todo mundo que está vacinado está se protegendo das formas graves”, pontuou Stanislau, que continuou: “A vacina tem como finalidade uma proteção coletiva, continuada, mantida, efetiva e controlada para atingir todos os objetivos: evitar a forma grave, evitar a infecção e evitar o contágio de uma pessoa para outra pelo vírus”.

Stanislau ainda assinala que a vacinação é a única maneira da covid-19 não ser mais um problema de saúde pública.

Para Lotufo, as ações são complementares: “Somente iremos abandonar máscaras e distanciamento quando houver uma proporção de pessoas já imunizadas”.

E é o que o presidente da SBV aponta: sem uma vacina contra a covid-19, “a gente teria que ficar o resto da vida em lockdown, com distanciamento e usando máscara, e ninguém quer isso”.

“Só existe uma pandemia, uma epidemia, quando o vírus está circulando. A única forma de impedir a circulação é impedir que as pessoas sejam infectadas. A vacina, dentro de uma ação de saúde pública, é a única e melhor alternativa para bloquear a transmissão de uma pessoa para outra, ou seja, para bloquear a pandemia”, assinalou à AFP.

A OMS, inclusive, tem uma página em seu portal dedicada à explicação das vacinas contra a covid-19.

Sobre a cláusula de não responsabilidade, em meados de dezembro de 2020, diferentes meios de comunicação publicaram matérias a respeito de uma reunião do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na qual ele mencionou que uma das desenvolvedoras da vacina, a Pfizer, queria total isenção de responsabilidade em caso de efeitos adversos. 

O mesmo ocorreu nos Estados Unidos e no Reino Unido, que já deram início à imunização de seus cidadãos.

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Uma ampola da vacina contra a covid-19 da Pfizer/BioNTech no Hospital Timone, em Marselha, em 5 de janeiro de 2021
(Christophe Simon / AFP)

Fonseca, pesquisador do CT de Vacinas da UFMG, indica que não há medicamento ou vacina sem efeitos adversos, o que é listado nas bulas. “As vacinas que estão sendo geradas para a covid-19 não têm nada de diferente em relação às vacinas ou aos medicamentos que já existem. E assim como acontece nos remédios que a gente usa, e nas vacinas que a gente já usa, as empresas produtoras desses medicamentos ou vacinas se eximem dos efeitos colaterais que já estão cobertos naquela bula, naquela ‘lista de preocupações’”.

E é o que Stanislau afirma sobre a cláusula: “É um mecanismo de defesa que qualquer pessoa faz, com qualquer contrato, isso é uma coisa padrão”.

Em resumo, as ações citadas nas publicações viralizadas não são excludentes, mas compõem uma série de medidas tomadas com o objetivo de conter a pandemia de covid-19.

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