Urna em picape era equipamento de reposição, não máquina adulterada com partidários de Sarto
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- Publicado em 30 de novembro de 2020 às 19:57
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- Por AFP Brasil
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“Grave descoberta a máfia das urnas adulteradas, cabos eleitorais do Sarto pego com as urnas em carro particular. Já não bastasse os crimes de corromper todos os mesários e fiscais do TRE pra atuar dentro das escolas e comprando votos fora, agora a casa caiu”, diz texto que acompanha as imagens em publicações compartilhadas mais de 2 mil vezes no Facebook (1, 2, 3) e Twitter desde 29 de novembro.
No vídeo de 25 segundos, uma mulher filma uma caixa com a inscrição “urna eletrônica” na parte de trás de uma picape branca e afirma: “Aqui pessoal do capitão, urna eletrônica no Conjunto Ceará, dentro do carro aqui”, em referência ao candidato do PROS, Capitão Wagner.
Derrotado por Sarto no domingo, Capitão Wagner era apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, que tem frequentemente questionado o sistema de voto eletrônico empregado no Brasil, inclusive no último dia 29, ao votar no Rio de Janeiro.
A alegação sobre as urnas adulteradas em Fortaleza é, contudo, falsa.
Em nota oficial, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) explicou que a máquina vista nas imagens compartilhadas nas redes era uma urna de contingência, utilizada para repor um equipamento que apresentou defeitos, e que ela não estava em um carro particular, mas em um veículo do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) que foi cedido à Justiça Eleitoral.
“No início da manhã deste domingo, a urna apresentava travamento e uma equipe foi acionada para o local de votação no intuito de realizar procedimentos de contingência”, disse o tribunal.
“Durante a troca, uma eleitora que não compreendeu o procedimento e filmou os servidores de apoio e a urna de contingência (reserva) causou tumulto e constrangeu a equipe. Ressalta-se que o vídeo está editado e não mostra o momento em que uma servidora explica o processo de troca”, acrescentou.
De fato, ao final do vídeo é possível ouvir uma segunda mulher que diz “peraí moça, deixa eu explicar”, mas logo a gravação é encerrada.
Ao AFP Checamos, o TRE-CE encaminhou a ata da mesa receptora da respectiva seção eleitoral, na qual um mesário registrou a ocorrência descrita, que aconteceu na Escola Professor César Campelo, no bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza.
“Os técnicos do TRE foram acionados pois a urna apresentou uma falha [...] o qual o presidente da mesa Jefferson Oliveira informou que a urna estava sem condições de continuar”, relata o mesário no documento.
“Durante a instalação da nova urna conduzida pelos servidores do TRE, observada pelos mesários e os auxiliares eleitorais um deles chamado Adilson, uma eleitora [...] duvidou desta troca de urna entrou na seção 141, a mesma seção que a eleitora votou, e filmou”, continua.
O mesário escreveu, ainda, que o carro filmado era efetivamente do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e que dois eleitores que estavam na fila para votar acompanharam o processo de substituição da urna.
Uma auxiliar convocada pela Justiça Eleitoral também presenciou o incidente e falou com o editor-chefe do site de checagem E-Farsas, Marco Faustino, que enviou o áudio da conversa ao Comprova, projeto de verificação colaborativa do qual o AFP Checamos faz parte.
Ana Cristina Rodrigues disse que uma urna da seção 141 estava apresentando defeitos pela manhã. “Quando isso acontece, o presidente da mesa tem que reiniciar a urna e se ela continuar travando, tem que substituir”, disse. “Mas isso é último caso, porque nós só temos duas urnas de reposição”.
De acordo com a auxiliar, por volta das 11h30 uma eleitora viu uma urna de contingência chegando para a substituição. Ainda segundo Ana Cristina, essa mulher começou a fazer acusações de fraude que prejudicariam o candidato a prefeito Capitão Wagner. Uma segunda eleitora filmou, do lado de fora da escola, a picape em que a urna de contingência foi transportada.
“Mostramos para que ela [a mulher que filmava] pudesse ver que era uma urna de reposição, um procedimento normal”, disse Ana Cristina. “Ela continuou gritando dizendo que a gente ‘tava’ roubando. Ela filmou e editou, deixou só a parte que interessava”.
Urnas de contingência
As urnas de contingência são aparelhos reserva, elaborados para substituir equipamentos que apresentem algum defeito no dia da votação.
Como explica o TSE, elas são preparadas e lacradas na mesma audiência que as demais e, portanto, apresentam como opções os mesmos candidatos de uma urna regular. Caso a urna original apresente problemas após o início da votação, a Justiça Eleitoral transfere o flash card e o disquete do aparelho com defeito para a urna de contingência, garantindo que os votos já registrados não sejam desconsiderados. A nova urna é, então, lacrada novamente e passa a ser a urna da seção eleitoral.
No vídeo compartilhado nas redes é possível identificar nitidamente a inscrição “UE [urna eletrônica] de contingência” na caixa vista na parte de trás da picape, como demonstrado abaixo:
Ao Comprova, Edna Saboia, coordenadora de Eleições do TRE-CE, afirmou que o procedimento gravado no vídeo é usual em todas as eleições.
“Há mais de 600 urnas de contingência, que são as urnas reservas que ficam em pontos específicos. Quando tem uma ocorrência [de mau funcionamento da urna em uso] em algum local de votação, as equipes de apoio do TRE transportam essas urnas de contingência para substituição. Quem transporta essas urnas são os veículos requisitados pela Justiça Eleitoral. A frota (para as eleições atuais) é de uns 500 veículos só aqui em Fortaleza, e os carros são requisitados de vários órgãos. O veículo que aparece no vídeo é do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). O procedimento é correto, dentro da legalidade e comum nas eleições”, disse.
Este conteúdo também foi verificado pelas equipes do Aos Fatos e Agência Lupa.
Em resumo, é falso que o vídeo compartilhado nas redes mostre cabos eleitorais do prefeito eleito de Fortaleza, Sarto Nogueira, flagrados transportando uma urna adulterada no dia do segundo turno. O vídeo mostra um procedimento padrão de substituição de uma urna defeituosa, que foi mal interpretado por uma eleitora.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Jornal do Commercio, O Povo, Estado de S.Paulo e da agência Marco Zero. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.