Um nanochip não passa pela agulha de uma seringa e o 5G não carrega vírus, dizem especialistas
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- Publicado em 11 de agosto de 2020 às 16:30
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- Por AFP Brasil
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“Olha aí o Nano-Chip que virá misturado na vacina da China esgane-se lá em qual mais quiseram vacinas do Bill Gates, depois que isto estiver em seu organismo você nunca mais será livre, mas nunca mais mesmo, eles te controlarão e com o 5G poderão te criar doenças, diminuir sua imunidade e saber sua localização e muito mais [sic]”, diz o texto compartilhado mais de 4 mil vezes no Facebook (1, 2, 3) desde o último dia 2 de agosto.
As postagens - que circularam também no Instagram e Twitter - são compostas, ainda, por duas imagens: uma de um pequeno componente eletrônico sobre um dedo e outra que parece mostrar a agulha de uma seringa sobre uma mão.
Um texto em croata, segundo identificado pelo Google Tradutor, completa as publicações afirmando que o componente visto sobre o dedo é um “nano chip localizado na nova vacina”.
A imagem não poderia mostrar, contudo, um nanochip identificado em uma das vacinas em desenvolvimento para combater a COVID-19.
Foto anterior à pandemia
Uma busca reversa pela foto marcada com uma seta verde utilizando o motor de pesquisa russo Yandex mostra que ela foi publicada em 27 de maio de 2018 - mais de um ano antes da detecção do novo coronavírus - no servidor de hospedagem de imagens Imgur.
Segundo o autor da publicação, a imagem mostra um pequeno capacitor, um componente utilizado para armazenar carga elétrica.
Nada na postagem indica que a peça teria sido encontrada dentro de uma seringa.
Na verdade, como explicou ao AFP Checamos Tiago Balbino, professor de Engenharia de Nanotecnologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o componente visto na imagem não tem tamanho nano, já que pode ser visto a olho nu, e não poderia, portanto, ter sido encontrado dentro de uma seringa.
“Nanopartículas são matérias invisíveis a olho nu. A gente não consegue visualizá-las”, disse Balbino. “Então tudo que eles apontarem pode ser micro, pode ser um microchip, um microcapacitor, mas não tem como ser nano e cair na corrente sanguínea”, acrescentou, após analisar a imagem a pedido da AFP.
De fato, o tamanho mencionado nas postagens viralizadas, 0,2 micrômetros por 0,125 micrômetros, não é nanométrico, explicou Balbino, destacando que um micrômetro é mil vezes maior do que um nanômetro.
Um nanochip, indicou Balbino, também não tem tamanho nano, ao contrário do que sugere o nome, e por isso não passaria pela pela agulha de uma seringa como sugerem as postagens.
Buscas reversas pela segunda imagem, que aparenta mostrar a agulha de uma seringa sobre uma mão, não permitiram identificar sua origem.
Tamanho de nanochips
“Os nanochips disponíveis atualmente são do tamanho de um polegar, mas o que os torna nano são as estruturas metálicas onde passa a corrente elétrica. O tamanho não é nano, mas sim suas estruturas internas, como aquelas linhas que vemos em um chip de celular, por exemplo”, explicou o professor.
“Não é possível colocar tanta funcionalidade, como a notícia diz, em uma partícula tão pequena”, acrescentou. “Ainda não existe tecnologia disponível que possa miniaturizar essas funcionalidades em um tamanho tão reduzido”.
A informação foi reiterada por Jacobus Swart, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP): “Não existe chip de tamanho nano, embora os elementos (transistores, etc) dentro do chip tenham dimensões estruturais nanométricas”.
Monitorar localização, causar doenças e reduzir imunidade?
As publicações compartilhadas milhares de vezes em redes sociais afirmam, ainda, que o nanochip que supostamente seria inserido através da vacina contra a COVID-19 conseguiria monitorar a localização, causar doenças e reduzir a imunidade de indivíduos através da tecnologia 5G.
Alvo frequente de desinformação desde o início da pandemia, a rede 5G é a geração mais recente de tecnologia de comunicação móvel, que transmite e recebe campos eletromagnéticos de radiofrequência para permitir a comunicação.
Swart descartou essas possibilidades: “Um chip com 5G com monitoração de localização tem tamanho de milímetros e necessita energia. Isto tem tamanho visível se fosse colocado no líquido da vacina e não passaria na agulha da aplicação”.
“Não teria porque criar doenças ou diminuir imunidade, a menos que depositem sobre o mesmo algum material tóxico que não tem nada a ver com o chip”, acrescentou o professor da UNICAMP.
“Ou, ainda, incluíssem um composto biológico para liberação gradual”, mas, neste caso, seria necessário “um microrreservatório e elementos de microfluídica”, tornando o chip muito maior, explicou Swart ao Checamos.
Balbino afirmou, por sua vez, que “as radiações do 5G e os vírus são entidades completamente diferentes que não possuem interação específica”.
“Redes 5G não são capazes de interagir de forma proposital com organismos provocando doenças ou baixando a imunidade das pessoas”, detalhou.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Comissão Internacional de Proteção contra a Radiação Não-Ionizante (ICNIRP) também já explicaram que a radiofrequência da rede 5G não é capaz de carregar vírus para provocar doenças.
Procurado pela equipe de checagem da AFP, o Instituto Butantan, que firmou um acordo com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech para testar no Brasil a vacina desenvolvida na China para combater a COVID-19, classificou como “descabida” a informação compartilhada nas redes sociais.
“A candidata vacinal desenvolvida em parceria com a Sinovac Life Science utiliza técnica de inativação do vírus. Ou seja, a formulação da vacina contém coronavírus mortos num processo de inativação química para que apenas estimulem a proteção imunológica do organismo sem causar a infecção. Não há qualquer componente de ‘controle digital’, como afirma o post”, disse ao AFP Checamos.
Também citada nas publicações, a Fundação Bill e Melinda Gates, que se comprometeu a fornecer 250 milhões de dólares para combater a pandemia, já negou anteriormente a alegação de que estaria trabalhando para inserir microchips na vacina contra o novo coronavírus.
Em resumo, é falso que as vacinas em desenvolvimento para combater a COVID-19 poderão inserir um nanochip com 5G capaz monitorar a localização, causar doenças e diminuir a imunidade de indivíduos. Como explicaram especialistas ao AFP Checamos, um nanochip não tem tamanho nano e, por isso, não passaria pela agulha de uma seringa. Além disso, a tecnologia 5G não é capaz de carregar vírus para transmitir doenças.