Protesto da polícia francesa contra declarações do ministro do Interior é tirado de contexto
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- Publicado em 6 de abril de 2021 às 21:48
- 3 minutos de leitura
- Por Katarina SUBAŠIĆ, AFP Belgrado
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Na França policiais militares e policiais civis decidem não favorecer o sistema globalista e ficam ao lado da população, não irão fechar comércios e recolher mercadorias de cidadãos. Eles decidiram não rasgar os direitos constitucionais da própria pátria”, indicam as legendas das publicações que contêm a sequência, de pouco mais de 3 minutos, visualizada mais de 2,7 milhões de vezes no Facebook (1, 2, 3), Instagram (1), Twitter (1, 2) e YouTube.
Alegações semelhantes também circularam nas redes em sérvio, alemão e espanhol.
As postagens fazem referência às ações tomadas em muitos países, entre eles a França, para conter a propagação da covid-19, como o fechamento de estabelecimentos comerciais não essenciais e a realização de quarentena pela população, que têm sido alvo de protestos sob o argumento de “ditadura” das restrições sanitárias.
Captura de tela feita em 6 de abril de 2021 de uma publicação no Instagram
Até o dia 6 de abril, o mundo acumulava mais de 131,7 milhões de casos de coronavírus e mais de 2,8 milhões de mortes pela covid-19, segundo o balanço da AFP com base em dados oficiais.
O vídeo original
Mas a gravação viralizada não tem relação com a pandemia, embora tenha sido registrada em 11 de junho de 2020: trata-se de um protesto de policiais contra as declarações e decisões do então ministro do Interior francês Christophe Castaner.
Aos dois minutos de vídeo ouve-se uma pessoa falando, em francês: “Boa noite a todos, estamos ao vivo no Brut, aqui é Remy Buisine falando em frente à delegacia de polícia em Bobigny”. Remy Buisine é um jornalista francês que trabalha para o portal de vídeos Brut.
Uma busca por essa frase, em francês, levou à gravação transmitida ao vivo na página do Brut no Facebook, em 11 de junho de 2020, e que tem 33 minutos de duração.
Na sequência, Buisine deu mais detalhes sobre a ação: “Nesse momento há entre 100 e 150 membros das forças de segurança. Eles acabam de jogar, simbolicamente, suas braçadeiras de policiais e algemas em resposta às declarações de Christophe Castaner no início dessa semana”.
“Eles sentiram nos comentários do ministro uma forma de estigmatização de toda a profissão e é isso que querem condenar com a ação de hoje. Você vê essa imagem extremamente forte dos policiais que jogaram suas algemas no chão. Eles consideram especialmente lamentável a posição do ministro sobre as técnicas de prisão e interrogatório, dizendo que se algumas delas fossem retiradas, isso complicaria sua capacidade de intervir no campo”, assinalou o repórter.
Em determinado momento do vídeo vê-se um cartaz segurado por alguns policiais, cujo texto, em francês, diz: “Forças de ordem em um mundo mágico”. Sobre isso, Buisine explicou: “E você vê essas mensagens irônicas, referindo-se aos Ursinhos Carinhosos. Bem-vindos ao mundo dos Ursinhos Carinhosos”.
Comparação feita em 6 de abril de 2021 entre o vídeo viralizado no Facebook (à esquerda) e a gravação original de 2020
A imprensa (1, 2) reportou a indignação dos policiais, que jogaram suas algemas no chão após se sentirem “insultados” pelos comentários de que toleravam a brutalidade e o racismo. A ação ocorreu em Bobigny, Lille, Rennes, Bordeaux, Toulouse e outras cidades.
Policiais franceses seguram um papel escrito “Forças de ordem em um mundo mágico” após jogarem algemas no chão em Bobigny, na França, em 11 de junho de 2020 (Thomas Coex / AFP)
Em 8 de junho de 2020, o então ministro do Interior Castaner, que deixou o cargo no mês seguinte, anunciou o fim do método de detenção policial de “estrangulamento”, após manifestantes irem às ruas afirmar que a polícia francesa era racista com as minorias étnicas assim como a polícia dos Estados Unidos era acusada de ser violenta com pessoas negras.
A polícia francesa, contudo, negou qualquer similaridade com as ações dos policiais norte-americanos em Minneapolis, cuja morte de George Floyd, que estava sob custódia, provocou uma onda de protestos em todo o mundo.
Um conteúdo semelhante foi checado pelas equipes do Aos Fatos e do Boatos.org.