Não há registro de uma fala de Doria sobre não permitir que não vacinados “passem corona” para vacinados

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  • Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 20:47
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  • Por AFP Brasil
Publicações que somam mais de 15,4 mil interações nas redes sociais desde meados de outubro afirmam que o governador de São Paulo, João Doria, teria cometido um ato falho ao indicar que não permitiria que indivíduos não vacinados contra a covid-19 contaminassem os vacinados, dando indícios de que o imunizante não funcionaria. Mas não há qualquer registro de que Doria tenha dito esta frase. Além disso, segundo especialistas consultados pela AFP, por questões genéticas, mesmo vacinas eficazes podem não ser capazes de imunizar todas as pessoas que as receberam.

“Quem disse que Dilma [Rousseff] não poderia ser superada em seus ilustres discursos se enganou. ‘Não vou permitir que aqueles que não tomem a vacina passem Corona para os que tomaram’. Pois é !! Só pensar… Então a vacina não protege?”, indica o texto sobreposto a uma imagem de João Doria, compartilhado milhares de vezes no Facebook (1, 2, 3) desde 17 de outubro, em meio à polêmica que envolve a CoronaVac, imunizante produzido pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan.

A mesma alegação circulou no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter, sendo replicada, inclusive, pelo escritor e filósofo Olavo de Carvalho.

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Captura de tela feita em 17 de dezembro de 2020 de uma publicação no Instagram

Mas uma busca no Google por essa frase não leva a nenhum resultado, exceto às postagens feitas nas redes sociais.

Um dia antes das publicações mais antigas encontradas pela equipe de checagem da AFP, em 16 de outubro, o governo de São Paulo realizou uma coletiva de imprensa na qual abordou um plano de retomada econômica do estado para os anos de 2021 e 2022. 

Ao longo da entrevista o tema da vacinação veio à tona, quando o governador foi questionado sobre uma data limite para a negociação com o Ministério da Saúde a respeito do imunizante contra a covid-19 e quando seria decidido se a vacina seria usada apenas em São Paulo.

Em 1 hora e 11 minutos de vídeo pode-se ver a resposta de Doria: “O que São Paulo deseja é compartilhar a vacina do Butantan, a vacina brasileira do Butantan juntamente o laboratório Sinovac, para que outros estados brasileiros possam também vacinar seus habitantes”.

E continuou: “São Paulo vai vacinar, já garanti que aqui os 45 milhões de brasileiros de São Paulo serão vacinados. E, em São Paulo, a vacinação será obrigatória. Exceto se, o habitante aqui, o cidadão, tiver uma orientação médica e um atestado médico de que não pode tomar a vacina. E adotaremos as medidas legais se houver alguma contrariedade nesse sentido. Não é possível imaginar, e eu aprendi isso com os médicos, nós temos três aqui ao nosso lado, numa pandemia, vacinar alguns e não vacinar outros. Enquanto tivermos pessoas não vacinadas em larga escala, continuaremos tendo a presença do vírus, a contaminação e [a] morte”

Uma pesquisa no site do Governo de São Paulo também não forneceu qualquer resultado de que Doria tivesse dito uma frase semelhante à viralizada nas redes sociais. Além disso, nenhum meio de comunicação noticiou que o governador do estado tenha afirmado que não iria permitir que pessoas não vacinadas passassem “corona” para vacinados.

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O governador João Doria segura a vacina contra a covid-19 produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, em 21 de julho de 2020 (Nelson Almeida / AFP)

A respeito da vacinação obrigatória, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no último dia 17 de dezembro que “o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a covid-19, prevista na Lei 13.979/2020.

Isso significa que o Estado pode impor medidas como multas, impedimento de frequentar determinados locais e fazer matrícula em escola aos indivíduos que se recusarem a se imunizar, mas não pode vaciná-los à força.

Quem não é vacinado contra uma doença pode prejudicar quem está imunizado?

As vacinas atuam de forma a estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos contra determinada enfermidade. Mas esse estímulo  não é eficiente em todas as pessoas, tornando a vacinação um esforço coletivo, e não individual, como explicou ao Checamos em setembro deste ano Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

“A vacina consegue gerar em cada pessoa uma imunidade diferente, porque as pessoas são muito diferentes no seu sistema imune, nas características que elas têm para responder a uma ou outra infecção”, disse Bonorino, integrante do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).

E completou: “Nunca vi uma vacina que funcione em 100% das pessoas”, o que se deve não à eficácia da vacina, mas à complexidade genética dos seres humanos.

Há, ainda, os casos de indivíduos que não podem tomar vacinas e estão mais vulneráveis a possíveis contágios.

“Algumas não podem ser aplicadas em mulheres grávidas, outras em idosos, outras em pessoas com defeitos do sistema imune - congênitos ou adquiridos, etc”, enumerou José Alexandre Barbuto, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).

Por isso, Bonorino assinala a importância de que o maior número de pessoas receba as vacinas: “Pode ser que uma vacina não funcione tão bem em ti. Mas o fato é que, se todo mundo ao seu redor estiver vacinado, a chance de ter mais pessoas protegidas ao seu redor é maior e, dessa maneira, a chance do patógeno circular ao seu redor é menor”.

Um conteúdo semelhante foi checado pelas equipes da Agência Lupa e do Aos Fatos.

O Checamos já verificou uma afirmação sobre pessoas não vacinadas não prejudicarem pessoas vacinadas.

Em resumo, não há registro de que o governador de São Paulo tenha dito que não irá permitir que quem não tomou a vacina “passe corona” para quem tomou. Além disso, especialistas consultados pela AFP explicam que é necessário que a maior quantidade de pessoas possível tome a vacina para diminuir as chances de circulação do patógeno na população, considerando que a genética humana é complexa e nem todas respondem a um imunizante.

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