As máscaras não provocam falta de oxigênio nem causam estes danos ao coração
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- Publicado em 31 de julho de 2020 às 18:50
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- Por AFP Brasil
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“Observe a coloração azulada das artérias coronárias como resultado da falta de oxigênio e excesso de dióxido de carbono”, indica o texto que acompanha a fotografia de um coração arroxeado sendo segurado por uma luva com sangue, compartilhado mais de 6 mil vezes no Facebook (1, 2, 3) ao menos desde o último dia 11 de maio.
Muitas postagens são acompanhadas por um texto que indica que as pessoas usem máscaras somente se for necessário, e complementa: “O uso prolongado da máscara produz hipóxia. Respirar repetidamente o ar expirado se transforma em dióxido de carbono, e é por isso que nos sentimos tontos [...] É contraproducente para as pessoas que servem o público por 8 horas, pois estão se intoxicando sem saber”.
“É recomendável usá-lo apenas se você tiver alguém na frente ou muito próximo, e é importante lembrar de levantá-lo a cada 10 minutos para continuar se sentindo saudável [sic]”, continua a mensagem.
Coração azulado por hipóxia?
A hipóxia é “a falta de oxigênio sobre um tecido específico. Pode existir hipóxia cerebral, muscular, renal, pulmonar etc”, explicou em conversa por telefone com a AFP o médico Emilio Herrera, acadêmico do programa de Fisiopatologia da Universidade do Chile e especialista em hipóxia.
Herrera descartou que o uso de máscaras de proteção pudesse resultar nesta falta de oxigênio. “É impossível que gere hipóxia. Para isso teria que ser uma máscara selada em toda a nossa pele. O que as máscaras limitam é a passagem das moléculas maiores”.
O médico acrescentou que as máscaras permitem a troca de ar e que no espaço existente entre ela e o rosto não há acúmulo de dióxido de carbono, como afirmam as postagens virais.
Em conversa telefônica com o Checamos, o cardiologista Ricardo Pavanello, do Hospital do Coração, indicou que “todo tecido muscular submetido à hipóxia prolongada sofre uma isquemia, terminando com a necrose - morte das células musculares. Pra que isso aconteça deve haver interrupção total do fluxo sanguíneo (transitório, ou definitivo)”.
Mas a imagem em questão é uma “foto macroscópica, coração isolado, não está batendo, funcionando no corpo. Pode aplicar qualquer tipo de recurso”, impedindo saber se a fotografia, ou o músculo, sofreu algum tipo de modificação.
O doutor Pavanello ainda assinalou que as máscaras “são projetadas para reter partículas grandes. Os gases - oxigênio, monóxido de carbono, dióxido de carbono - são trocados pelos polos das máscaras e pelas laterais”.
No mesmo sentido falou ao Checamos o cardiologista Ibraim Masciarelli Pinto, assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP): “As alterações que a máscara traz às pessoas são extremamente sutis. Nenhuma máscara é totalmente vedada, nem a N95. Toda máscara deixa passar um pouco de ar. Ela prende as gotículas que vêm com vírus. Essas variações que dão são todas dentro do normal. Há um pouco mais de dificuldade de oxigenar, mas não é como se fosse reter o gás carbônico dentro de você”.
Para o doutor Ibraim, o coração em questão poderia ser fruto de algum estudo, para o qual a sua cor foi alterada: “A cor é muito artificial, desconfio que seja muito mais uma preparação. Quando a gente tem uma imagem como essa, desconfia que esse corante seja injetado de propósito. Aparece o amarelo, as artérias coronárias em azul, para marcar o trajeto mesmo”.
O assessor científico da SOCESP ainda destacou a diferença entre a imagem viralizada e as fotos presentes em um estudo de caso de um pessoa morta em decorrência da inalação de monóxido de carbono. Na foto viral “o sangue está brilhante demais. A cor arroxeada pode ser por asfixia, ou envenenamento por monóxido de carbono, como alguém que ficou preso dentro da garagem com o carro funcionando. Não por dióxido de carbono”.
A fotografia do coração viralizada, por sua vez, pode ser encontrada na Internet por meio da busca reversa ao menos desde 2017, e em nenhuma das publicações há qualquer menção a uma relação com o uso de máscaras.
Especificamente sobre a hipóxia, o docente de Políticas de Saúde da Universidade Austral do Chile Claudio Méndez descartou igualmente que o uso de máscaras possa causá-la, pois o material permite a troca de ar.
Méndez também detalhou os efeitos gerados pela hipóxia no corpo humano: “Pode levar a desmaios, desorientação, problemas de coordenação, alterar o ritmo cardíaco. Pode afetar severamente a fisiologia normal de um ser humano”.
A publicação viralizada assegura, ainda, que o uso de máscaras pelas pessoas que atendem o público por oito horas seguidas é “contraproducente” porque “estão se intoxicando sem saber”.
Sobre isso, o doutor Méndez explicou que as equipes de saúde não devem usá-las por mais de sete horas, mas por um motivo que não tem relação com a hipóxia: “A vida útil de uma máscara não é de mais de sete horas porque já esteve muito tempo exposta ao vírus e perdeu a sua eficácia”.
“Até o momento, as máscaras N95 - ou as simples - são feitas a fim de não alterarem as funções fisiológicas das pessoas”, acrescentou Méndez.
Levantar a máscara a cada 10 minutos?
A publicação viral também recomenda que as pessoas levantem as máscaras a cada 10 minutos para que continuem se sentindo “saudáveis”.
A respeito dessa afirmação, no âmbito da pandemia pelo novo coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, ao contrário, que as pessoas não fiquem tocando nas máscaras: “Se o fizer, higienize as mãos com um desinfetante à base de álcool, ou com água e sabão”.
Méndez também desconsiderou esta afirmação de levantar as máscaras a cada 10 minutos: “Quanto mais você tira a máscara, maior é o risco de contaminação”.
A OMS não menciona que as máscaras possam provocar hipóxia. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos tampouco advertem que este seja um efeito colateral do uso prolongado das máscaras de proteção.
Em resumo, é falso que a imagem viralizada mostre um coração submetido à falta de oxigênio e excesso de dióxido de carbono em virtude do uso de máscaras, e possível hipóxia. Especialistas ainda indicaram que as máscaras possibilitam a troca de gases e que a coloração azulada do músculo poderia ser resultado de uma preparação para estudo.