Imagens de dezenas de sacos para cadáveres foram gravadas no Equador, não em Nova York
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- Publicado em 16 de abril de 2020 às 20:55
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- Por Sami ACEF, Sebastian SERRANO, Arthur MACMILLAN, AFP Brasil
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Captura de tela feita em 15 de abril de 2020 mostra vídeo publicado no YouTube
“Corpos de vítimas do Covid-19 em Nova Yorque, EUA [sic]”, diz o título de um vídeo, visualizado mais de 23 mil vezes no YouTube desde o último dia 2 de abril. “Segundo informações, essa filmagens foram feitas por um enfermeiro e seria [sic] em hospitais locais de Nova Yorque nos Estados Unidos, agora epicentro da epidemia de coronavírus”, diz texto que aparece no início da gravação.
Em seguida, o vídeo mostra o exterior de um prédio, gravado a partir de um veículo em movimento, e a parte de fora de um outro edifício. Nao trecho seguinte da gravação é possível ver dezenas de sacos de cadáveres espalhados por salas de um local não identificado.
Os vídeos foram apresentados como imagens gravadas nos Estados Unidos por diversas outras contas no Facebook (1, 2, 3) e no Twitter. A alegação também circulou amplamente em inglês, francês e espanhol.
A origem dos vídeos
Em espanhol, as imagens viralizadas foram compartilhadas separadamente. Nesta versão do vídeo gravado de dentro de um carro, é possível ouvir o motorista dizendo, em espanhol, “Esta é a 58, este é o Hospital Mount Sinai” enquanto passa por um edifício de tijolos.
Uma busca por estas indicações no Google Street View permite confirmar que esta sequência foi gravada em Nova York, na esquina da rua 58 com a avenida 10, onde fica o Hospital Mount Sinai West.
Comparação feita em 16 de abril de 2020 entre vídeo publicado no YouTube (esquerda) e imagem de satélite do Hospital Mount Sinai West, em Nova York (direita)
Em outra parte do vídeo, a pessoa que grava as imagens mostra um grande contêiner cuja entrada está coberta por uma tenda de lona, e diz: “Esta é a 76 com a Park Avenue”, afirmando que o contêiner estava sendo utilizado para armazenar cadáveres.
Semelhanças entre o vídeo viral e imagens do Google Street View permitem confirmar que a sequência foi gravada na esquina citada, onde fica o Hospital Lenox Hill, em Nova York. Como demonstrado abaixo, coincidem o edifício de tijolos vermelhos, as árvores e a torre que pode ser vista ao fundo das imagens.
Comparação feita em 16 de abril de 2020 entre vídeo publicado no Facebook (esquerda) e imagem de satélite do Hospital Lenox Hill, em Nova York (direita)
Consultado pela equipe de checagem da AFP sobre o vídeo, o Hospital Lenox Hill confirmou que a sequência foi gravada em frente à sua sede. O contêiner “nos foi entregue, e a todos os hospitais de Nova York, pelo Gabinete de Gestão de Emergências para que nós o utilizássemos como um necrotério temporário durante a crise de saúde sem precedentes”, disse.
“A parte do vídeo que mostra um necrotério não foi filmada no interior do Hospital Lenox, nem do contêiner que está do lado de fora. Nosso necrotério está trancado com chave e é permanentemente protegido por um serviço de segurança”, acrescentou a instituição.
Outra gravação do contêiner alocado do lado de fora do hospital pode ser visto no site da agência de vídeos gerados por usuários Newsflare desde 31 de março deste ano.
O Estados Unidos é o país com o maior número de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus, com mais de 640 mil casos registrados, dos quais mais de 30 mil faleceram.
Sacos de cadáveres
A sequência que mostra os sacos para cadáveres é gravada por uma pessoa que não fala nada e que caminha por entre sacos pretos espalhados no chão de várias salas. Ao parar o vídeo em determinado momento, é possível ver que em um dos sacos está escrito o sobrenome “Zambrano” (A AFP se reserva o direito de não mencionar o nome completo).
Captura de tela feita em 3 de abril de 2020 mostra pesquisa no Google
A pesquisar no Google pelo nome completo que aparece no saco, a equipe de checagem da AFP encontrou diversos artigos que fazem referência a um obituário publicado em 21 de março de 2020, na página do Facebook da Associação de Corretores de Imóveis (ACBIR) da província equatoriana de Guayas, cuja capital é Guayaquil, a cidade mais afetada pela pandemia no Equador. A mensagem, contudo, foi apagada.
Consultada pela AFP sobre a mensagem de condolências, a ACBIR afirmou que: “a única coisa que podemos informar sobre esse assunto é que o falecido era um corretor de imóveis associado à nossa instituição. A família pediu que removêssemos a nota de pesar”.
Embora a mensagem tenha sido apagada, as referências à publicação ainda aparecem no Google.
Uma publicação feita no Twitter em 29 de março de 2020 mostra sacos pretos semelhantes aos que aparecem na gravação viralizada. Segundo o tuíte, as imagens são do “Hospital Los Ceibos”.
Captura de tela feita em 3 de abril de 2020 mostra publicação no Twitter
Questionado pela AFP sobre se a gravação havia sido feita em suas instalações, o Hospital Geral do Norte de Guayaquil Los Ceibos respondeu com o seguinte comunicado
“Em relação ao vídeo que circula nas redes sociais, no qual se observam áreas com corpos sem vida e contêineres que saem do Hospital Geral do Norte de Guayaquil ‘Los Ceibos’, do IESS, informamos que os cadáveres dos pacientes contaminados por COVID-19 permanecem no necrotério do hospital por - ao menos - 24 horas, para depois serem transportados em contêineres refrigerados ao cemitério Parque de La Paz, ou a outras entidades para seu respectivo enterro”.
“Atualmente, a unidade hospitalar realmente registra um aumento de mortes por causas respiratórias devido à atual pandemia pela qual passa o país. Neste contexto, lembramos aos cidadãos que, devido a esta emergência sanitária, nossa casa de saúde atende - unicamente - casos de COVID-19; a isto se deve o aumento atual”, explica a mensagem.
O Equador registra ao menos 7.858 casos de contágio e mais de 388 mortes confirmadas pelo novo coronavírus. A pandemia tem afetado especialmente Guayaquil, a cidade com a maior taxa de mortalidade por COVID-19 da América Latina: 1,35 mortes a cada 100 mil habitantes, superando, por exemplo, São Paulo, com 0,92, segundo um estudo realizado na Universidade de las Américas, no Equador.
Em resumo, é falso que o vídeo viralizado mostre sacos de cadáveres alinhados no chão de um hospital em Nova York. A sequência, compartilhada junto a vídeos efetivamente gravados na cidade norte-americana, foi filmada em um hospital localizado em Guayaquil, no Equador.