A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Bruxelas em 1 de dezembro de 2021 ( AFP / Kenzo Tribouillard)

Ursula von der Leyen não pediu o fim do Código de Nuremberg para tornar a vacinação obrigatória

Publicações que alertam sobre a suposta petição da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para eliminar o Código de Nuremberg e tornar obrigatória a vacinação contra a covid-19 na Europa foram compartilhadas mais de 140 nas vezes nas redes sociais desde 3 de dezembro de 2021. No entanto, Von der Leyen não deu declarações similares nem na coletiva de imprensa do dia 1º de dezembro, quando foi perguntada sobre sua opinião acerca da imunização obrigatória da população, nem em semanas anteriores.

“A chefe da UE,Ursula von Der Leyen,pede a renúncia ao código de Nuremberg e a vacinação obrigatória em toda a Europa”, diz o trecho de uma das publicações compartilhadas no Twitter (1, 2), no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram.

O conteúdo também circulou em espanhol, francês, inglês, polonês e alemão.

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Captura de tela feita em 10 de dezembro de 2021 de uma publicação no Twitter ( . / )

Algumas publicações (1, 2) compartilham uma foto de Von der Leyen com Albert Bourla, o CEO da Pfizer, uma das farmacêuticas produtoras de vacina contra a covid-19, e também asseguram que “seu marido [Heiko von der Leyen] trabalha para a Orgenesis, uma fabricante de vacina”, o que é verdadeiro.

Outros usuários compartilham capturas de uma notícia em inglês da rede britânica BBC que mostraria que a autoridade europeia seria a favor da eliminação do Código de Nuremberg. A nota da BBC, de 1º de dezembro de 2021, inclui declarações de Von der Leyen sobre as novas infecções do coronavírus pela variante ômicron e sobre a possibilidade de impor a vacinação contra covid-19, mas não menciona o Código de Nuremberg em nenhum momento.

Em português, em espanhol e em inglês, as primeiras publicações sobre a suposta vontade da presidente da Comissão Europeia de anular o Código de Nuremberg são posteriores a 1º de dezembro. Nesse dia, Von der Leyen participou de uma entrevista coletiva com a Comissária Europeia para Saúde e Política do Consumidor, Stella Kyriakides, para discutir os novos desafios da pandemia do coronavírus. Na transmissão completa da coletiva, é possível constatar que Von der Leyen não se refere à eliminação do Código de Nuremberg.

Uma pesquisa na Internet pelas palavras-chave “Ursula von der Leyen” e “Código de Nuremberg” em português, inglês, francês e espanhol, não leva a qualquer resultado anterior a 30 de novembro de 2021.

Von der Leyen não falou do Código de Nuremberg

Além de Ursula von der Leyen não ter mencionado o Código de Nuremberg em nenhum momento durante a entrevista coletiva de 1º de dezembro, ela esclareceu que não é da responsabilidade da União Europeia impor a vacinação obrigatória, na medida em que o tema é da competência dos Estados-membros do bloco.

No trecho da coletiva dedicado às perguntas dos jornalistas, uma repórter pediu a Von der Leyen (minuto 12:20) a sua opinião sobre a vacinação obrigatória, após a decisão do governo grego de multar os cidadãos com mais de 60 anos que não foram vacinados.

“Para começar, é da competência dos Estados-Membros”, respondeu Von der Leyen. “Não me cabe fazer uma recomendação a este respeito. Se você me perguntar qual é a minha posição pessoal: dois ou três anos atrás, eu nunca teria pensado em ver o que estamos vendo. Temos essa pandemia terrível, temos vacinas, vacinas que salvam vidas, mas nem sempre são usadas da maneira correta. E isso implica em custos, obviamente, custos enormes para a saúde”, enfatizou.

“Se olharem para os números: agora temos 77% dos adultos vacinados na União Europeia, ou se considerarmos a população total é de 66%, o que significa que um terço da população europeia não está vacinada. São 150 milhões de pessoas. É muito. Nem todas as pessoas podem ser vacinadas, como crianças muito pequenas ou pessoas com um problema de saúde específico. Mas a grande maioria pode”, avaliou a chefe da Comissão. “Então, eu acho que é apropriado e razoável ter essa conversa agora. Há que discutir como nós podemos encorajar e pensar em uma potencial vacinação obrigatória na União Europeia. Isso precisa de uma posição comum, mas acho que é um debate que precisa ocorrer”, concluiu.

O Código de Nuremberg não tem valor legal

Além disso, pode ser enganoso falar em “anular” ou “eliminar” o Código de Nuremberg, uma vez que, por não ser uma lei, sua supressão não influenciaria uma possível obrigação geral de vacinação.

O Código de Nuremberg é um documento que reúne dez pontos e foi publicado em 1947, como já explicou a AFP.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Reino Unido, Estados Unidos, França e União Soviética concordaram em criar o Tribunal de Nuremberg para julgar certos crimes cometidos durante a guerra.

Entre os casos julgados, um foi o denominado "Julgamento dos Médicos", em que 23 médicos e outros funcionários foram processados por sua participação nos experimentos realizados com prisioneiros de campos de concentração.

O veredicto neste caso incluiu um texto denominado "Experimentos Médicos Permitidos", também conhecido como Código de Nuremberg.

O código estabelece que certos experimentos médicos em seres humanos podem ser benéficos e devem satisfazer a ética da profissão médica. No entanto, indica que certos princípios devem ser atendidos para que esses procedimentos sejam morais, éticos e legais, e não sejam feitos “de maneira casuística ou desnecessariamente'. As recomendações incluem o "consentimento voluntário" do paciente e a garantia de que o experimento evita “sofrimento e danos desnecessários, quer físicos, quer materiais”.

De acordo com o documento, a pessoa envolvida deve ser informada sobre os riscos, a duração, a finalidade e a forma de proceder. No entanto, o texto de 1947 não menciona vacinas.

"É um documento histórico, mas não podemos nos basear neste código para decidir se um experimento é legal ou ilegal", explicou à AFP em fevereiro de 2021 o sociólogo Philippe Amiel, que também é advogado especializado em saúde na Universidade Paris-Diderot e especialista em Código de Nuremberg.

“O Código de Nuremberg não tem força de lei, não é juridicamente vinculante, embora tenha sido uma fonte de inspiração para a redação de textos e legislações internacionais sobre pesquisa médica em humanos”, disse à AFP no último 8 de dezembro o Comitê Consultivo de Bioética da Bélgica, em referência ao arcabouço jurídico do país.

A estratégia europeia de vacinação

A vacinação contra a covid-19 é, para a Comissão Europeia, "a melhor forma de acabar com a pandemia".

“No que diz respeito à colocação no mercado, as vacinas não são experimentais. Sabemos que funcionam, sabemos que o equilíbrio benefício / risco é claramente favorável”, disse em maio de 2021Samia Hurst, consultora do Conselho de Ética Clínica dos Hospitais Universitários de Genebra e diretora do Instituto de Ética de História e Humanidades na Faculdade de Medicina de Genebra.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concedeu autorizações condicionais de comercialização para as vacinas com uma revisão prévia abrangente e consistente.

A autorização condicional permite que os laboratórios forneçam dados suplementares, obtidos com novos estudos, após terem recebido aval para aplicação de vacinas, enquanto uma autorização clássica ou normal exige que todos os dados sejam fornecidos previamente. No âmbito desse procedimento emergencial, que permitiu acelerar a disponibilização de vacinas contra o covid-19, a EMA decidiu conceder essas autorizações pelo prazo de um ano, que pode ser renovado.

Os imunizantes, como verificou a AFP (1, 2, 3), seguiram os passos necessários para sua aplicação na população.

Enquanto cientistas monitoram e estudam a expansão da variante ômicron, detectada na África do Sul e em vários países europeus no final de novembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou no dia 7 de dezembro que a vacinação obrigatória da população deve ser o último recurso.

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