Este documento sobre coronavírus não prova que a Moderna elaborou sua vacina antes da pandemia
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- Publicado em 25 de junho de 2021 às 23:23
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- Por Julie CHARPENTRAT, AFP França
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Um acordo de confidencialidade mostra que potenciais candidatos a vacinas (mRNA) contra o coronavírus foram transferidos da Moderna para a Universidade da Carolina do Norte no final de 2019, dezenove dias antes do surgimento oficial da pandemia”, garantem publicações no Facebook (1, 2, 3), Twitter (1, 2, 3) e em ao menos um site.
O documento suscitou questionamentos sobre a origem do vírus que já deixou mais de 3,9 milhões de mortos globalmente. “Como eles sabiam? A menos que eles tenham causado isso?”, escreveu um usuário. “Chega se ser enganado. Antes da pandemia já faziam a vacina”, denunciou outro.
As publicações acompanham capturas de tela do documento, que também circularam em espanhol, francês, inglês e alemão.
No documento lê-se: “Material Transfer Agreement” [Acordo de transferência material, em português].
Na captura de tela são mencionados o laboratório Moderna, a Universidade da Carolina do Norte e o Niaid, órgão oficial de pesquisa de doenças dos Estados Unidos, assim como as assinaturas de representantes destas três entidades.
A empresa norte-americana Moderna fabrica e distribui uma das vacinas baseadas em RNA mensageiro que estão sendo utilizadas em todo o mundo contra a covid-19. Por sua vez, Niaid é a sigla em inglês para Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, que possui um centro de pesquisa sobre vacinas.
O Niaid é chefiado por Anthony Fauci, assessor da Casa Branca e uma das figuras mais conhecidas em seu país durante a pandemia, e faz parte dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).
Várias assinaturas do documento foram feitas entre 12 e 17 de dezembro de 2019. Poucos dias depois, em 31 de dezembro, a Organização Mundial da Saúde foi informada sobre a aparição de uma misteriosa doença respiratória, provocada por um novo coronavírus até então desconhecido. Em 11 de janeiro de 2020, a OMS anunciou que havia recebido o sequenciamento do genoma do vírus.
Documento real, vírus diferente
O documento destacado pelos usuários não trata, no entanto, deste vírus. Além disso, a pesquisa sobre vacinas baseadas em RNA mensageiros precede, “por décadas”, a pandemia de covid-19.
A publicação viralizada em inglês divulga um arquivo em formato PDF armazenado em uma nuvem digital. O material tem 153 páginas, mas a equipe de checagem da AFP verificou que é composto por diversos documentos, alguns que datam de 2015.
O primeiro é um “acordo de confidencialidade” sobre as colaborações em trabalhos de pesquisa entre a Moderna e o centro de vacinas do Niaid.
Para saber mais sobre a origem dos documentos viralizados, a AFP buscou no Google pelas palavras-chave “NIH moderna confidential agreements” e chegou ao mesmo arquivo em PDF de 153 páginas, mas com menções que permitiram ver quem havia publicado o material na internet.
Na parte inferior do arquivo é possível ler que quem o divulgou foi um jornalista do portal norte-americano Axios, para um artigo de 25 de junho de 2020.
A reportagem falava sobre como os NIH pareciam ter os direitos de propriedade intelectual da vacina da Moderna porque pesquisadores do Niaid haviam contribuído em um ponto-chave das vacinas de RNA mensageiro, uma versão “estabilizada” da proteína “spike”, como explica este estudo de 2017.
A ONG Public Citizen, por sua vez, analisou em detalhes as 153 páginas do arquivo divulgado pelo Axios. Em seu resumo, é possível consultar uma tabela com informações dos documentos, assinados entre 2015 e 2020, sobre as colaborações de pesquisa entre a Moderna e os institutos norte-americanos.
Entre as páginas 105 e 109 aparece o “Material Transfer Agreement” e as capturas de tela viralizadas.
O documento em questão, firmado pelo Niaid, pela Moderna e pela Universidade da Carolina do Norte, menciona pesquisas sobre “os candidatos vacinais a mRNA anticoronavírus desenvolvidos em copropriedade pelo Niaid e Moderna”.
Nesta página da Universidade da Carolina do Norte sobre um dos signatários do acordo, o professor Ralph Baric explica que seu laboratório estuda os coronavírus há “três décadas”.
O documento não fala sobre um coronavírus específico, e muito menos do que provoca a covid-19. Os coronavírus são uma família viral e o que provocou a pandemia tem um nome oficial e concreto (inicialmente 2019-nCov e agora SARS-CoV-2), embora geralmente fale-se em “coronavírus” ou “novo coronavírus” em referência ao vírus respiratório detectado no final de 2019 na cidade chinesa de Wuhan.
Perguntada se esses acordos focavam em um coronavírus específico, uma porta-voz do Niaid indicou no último dia 23 de junho, em e-mail à AFP, que se tratavam de “candidatos vacinais contra o MERS-CoV e não contra o SARS-CoV-2”.
O MERS-CoV é o “coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio”, outro vírus da família detectado na Arábia Saudita em 2012.