Profissional de saúde prepara uma dose da vacina contra a covid-19 em um posto de vacinação em Londres, no Reino Unido, em 25 de dezembro de 2021 ( AFP / Justin Tallis)

O governo britânico não admitiu que as vacinas danificam o sistema imunológico

Publicações nas redes sociais alegando que um relatório do governo do Reino Unido admitiu que as vacinas contra a covid-19 “danificaram o sistema imunológico natural de pessoas q foram duplamente vacinadas” voltaram a circular nas redes sociais em 5 de julho de 2022 e são compartilhadas por milhares de usuários desde dezembro de 2021. Mas isso é falso. O relatório da autoridade de saúde britânica mencionado no conteúdo viral, datado de outubro de 2021, diz o oposto: que as vacinas são eficazes na prevenção dos estados mais graves da doença causada pelo SARS-CoV-2, o que foi confirmado pela agência de Saúde britânica e por um virologista consultado pela AFP.

“O governo britânico admite que as vacinas danificaram o sistema imunológico natural de pessoas q foram duplamente vacinadas. Também admitiram q, após dupla vacinação, nunca mais serão capazes de adquirir imunidade natural completa”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter (1, 2, 3) e no Facebook (1, 2, 3).

Conteúdos semelhantes circularam em francês, alemão, espanhol e tcheco.

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Captura de tela feita em 6 de julho de 2022 de uma publicação no Twitter ( . / )

O relatório é de outubro de 2021

As publicações compartilham o link de um “relatório de vigilância da vacina COVID-19” da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA), publicado na semana 42 do ano de 2021, ou seja, em 21 de outubro de 2021.

A agência atualiza regularmente esses documentos. Até a publicação deste artigo, o relatório mais recente datava de 16 de junho de 2022.

Na página 23 do relatório de 21 de outubro de 2021 estão as informações destacadas pelas postagens virais. Nela são analisados os dados relacionados à soroprevalência, ou seja, a proporção de pessoas com determinados anticorpos detectados no sangue dentro de uma população específica.

O relatório britânico se concentra em dois tipos de anticorpos (as proteínas do sistema imunológico, capazes de reconhecer outras moléculas para facilitar sua eliminação): os anticorpos N e os anticorpos S. Os primeiros são produzidos pelo organismo em caso de infecção pelo vírus SARS-CoV-2, enquanto os segundos são formados em caso de infecção ou após receber a vacina contra o coronavírus e têm como alvo a proteína spike, de acordo com o relatório da UKHSA e uma porta-voz da agência britânica entrevistada sobre o tema pela AFP em 7 de janeiro de 2022.

Uma análise de anticorpos N permite distinguir os anticorpos gerados por uma infecção daqueles que surgem após a vacinação, conforme explicado pelo instituto alemão de saúde Robert Koch em um compêndio de análise publicado em dezembro de 2021.

A vacina, eficaz para prevenir casos graves

O relatório de outubro de 2021 indica que a taxa de anticorpos N foi mais fraca no caso de pessoas vacinadas. Isso é "o esperado", de acordo com a porta-voz da Agência de Segurança da Saúde britânica e mostra que a vacinação pode limitar formas graves da covid-19, na medida que um paciente vacinado que pega o vírus pode ter uma taxa de anticorpos N mais baixa por causa de uma infecção menos grave.

Essa explicação não aparece no relatório compartilhado nas publicações virais, mas foi adicionada pela agência em documentos posteriores de vigilância de vacinas. Esses textos afirmam: “O fato de indivíduos com infecções pós-vacinais apresentarem níveis mais baixos de anticorpos N do que aqueles que tiveram uma infecção primária provavelmente reflete que as infecções dos primeiros pacientes foram mais curtas e leves”.

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Captura de tela feita em 31 de janeiro de 2021 do relatório da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido, para a semana 2 de 2022 ( . / )

Daniel Sauter, professor do Instituto de Virologia Médica e Epidemiologia de Doenças Virais da Clínica Universitária de Tübingen, na Alemanha, confirmou à AFP em 12 de janeiro de 2022 que esse fenômeno é "previsível" e pode mostrar que as pessoas vacinadas são menos afetadas por formas graves do vírus.

O sistema imunológico não fica danificado

“A menor taxa de anticorpos N, por si só, não nos permite concluir que o sistema imunológico está danificado”, explicou Daniel Sauter. "Pelo contrário, as taxas mais baixas de anticorpos N em pessoas vacinadas do que em pessoas infectadas e não vacinadas indicam que seu sistema imunológico está funcionando e que foi capaz de montar uma resposta imune eficaz contra a proteína spike, respondendo à vacinação", acrescentou o pesquisador, que concluiu: “A capacidade de produzir anticorpos não é afetada pela própria vacinação. O sistema imunológico não fica danificado".

A porta-voz da agência britânica também garantiu à AFP que a vacinação não destrói o sistema imunológico e que taxas mais baixas de anticorpos N não significam que este seja afetado. A agência recomenda a vacinação contra a covid-19, assim como as doses de reforço. Em 3 de fevereiro de 2022, a Embaixada britânica no Brasil desmentiu a falsa associação em sua conta no Twitter.

Como vários especialistas já explicaram à AFP, os dados disponíveis até o momento não permitem afirmar que as doses de reforço da vacina tenham um impacto negativo na imunidade, mas o contrário.

A AFP verificou em outras ocasiões mensagens virais sobre supostos efeitos da vacinação contra o coronavírus no sistema imunológico (1, 2).

*Esta verificação foi realizada com base nas informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.

6 de julho de 2022 Acrescenta relatório publicado pela Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido em junho de 2022

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