Refugiados judeus de imagem viral chegaram a Haifa em 1947, quando estava sob gestão britânica
- Publicado em 27 de outubro de 2025 às 17:02
- 4 minutos de leitura
- Por Cristina ALONSO PASCUAL, AFP Espanha
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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Em 10 de outubro de 2025, Israel e Hamas alcançaram um frágil acordo de cessar-fogo para pôr fim a dois anos de guerra em Gaza. Nesse contexto, uma imagem que supostamente mostraria um barco com refugiados judeus no porto de Gaza em 1946 acumula centenas de interações nas redes sociais desde maio de 2025. Mas a cena corresponde à chegada de uma embarcação com 2.600 judeus que vinham da França para Haifa, território a 150 quilômetros de Gaza e que estava sob comando do governo britânico à época. As autoridades deportaram os passageiros do barco para Chipre, segundo especialistas consultados pela AFP.
A imagem da embarcação com centenas de passageiros e uma faixa com os dizeres “Os alemães destruíram nossas famílias e lares, não destruam nossas esperanças”, em tradução livre do inglês, circula no Facebook e no Instagram.
Os usuários comentam: “quem imaginaria que os filhos e netos daqueles refugiados acabariam assassinando e destruindo as casas e lares daqueles que os acolheram!”.
O conteúdo também circula em espanhol e foi compartilhado por uma das integrantes da flotilha Global Sumud, que tentou furar o bloqueio de Israel e levar ajuda humanitária para Gaza, em setembro de 2025, e foi objeto de desinformação verificada pelo Checamos.
Desde o ataque do movimento islamista palestino Hamas no território isralense em 7 de outubro de 2023, seguido por uma ofensiva de Israel em represália, a Faixa de Gaza sofre as consequências humanas e econômicas da guerra que, até a data de publicação desta checagem, segue sem ponto final, apesar do frágil cessar-fogo assinado em outubro de 2025.
No entanto, a imagem viral não mostra uma embarcação chegando a Gaza.
A embarcação Theodor Herzl
Uma busca reversa pela imagem viral levou ao mesmo registro publicado no site da Biblioteca Nacional de Israel com o título “O Barco Theodor Herzl antes de ser enviado para Chipre, 1947”. Herzl era um escritor e jornalista, e é considerado o pai do sionismo.
Outra busca, dessa vez com a frase em inglês que se lê na faixa pendurada no barco, levou ao site da Universidade Americana do Sul da Flórida. A página também menciona o barco “Theodor Herzl” e mostra outra imagem da embarcação “no porto de Haifa, Israel”, segundo a legenda.
Haifa fica localizada a pelo menos 150 quilômetros ao norte de Gaza.
David Villar, professor da área de Estudos Hebraicos e Aramaicos da Universidade Complutense de Madrid (UCM), confirmou à AFP, em 3 de outubro de 2025, que o barco na imagem é o Theodor Herzl.
Segundo o professor, a embarcação partiu do porto francês de Sète em 2 de abril de 1947 e chegou ao porto de Haifa. Cerca de 2.600 passageiros estavam a bordo do Herzl, de acordo com uma reportagem do jornal New York Times publicada na data.
Os passageiros eram “refugiados judeus, sobreviventes ou deslocados da Europa pós-guerra, que buscavam se estabelecer na Palestina”, informou Villar.
Haifa no início do século XX
De 1922 a 1947, o Reino Unido foi a “autoridade política, militar e administrativa” do território da Palestina e, na teoria, deveria prepará-lo “para sua independência”, como explicou Villar à AFP.
Em 1917, o Reino Unido havia firmado a Declaração Balfour na qual demonstrava seu apoio às “aspirações sionistas” e à criação de um “‘lar nacional para os judeus’ na Palestina”. Nos anos seguintes, a imigração judaica aumentou no território e na década dos anos 20 a sua população passou de 10% para 17%.
“O mandato incluía, literalmente, o compromisso de ‘facilitar’ esse lugar nacional sem prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas, mas essa ambiguidade gerou tensões crescentes”, explicou Villar.
A pressão levou a uma revolta árabe na Palestina de 1936 a 1939, reprimida pelo Reino Unido. Para evitar uma nova revolta, o governo britânico decidiu limitar a imigração judaica, como contou à AFP, em 7 de outubro de 2025, Jorge Ramos Tolosa, professor de história contemporânea da Universidade de Valência.
O que aconteceu com os passageiros do Theodor Herzl?
Nesse contexto, quando o Theodor Herzl se aproximou do porto de Haifa em abril de 1947, a Marinha britânica deteve os passageiros, que foram deportados para campos de detenção em Chipre — uma colônia britânica à época —, de acordo com arquivos do Museu do Holocausto dos Estados Unidos (1, 2).
“O poder político e administrativo [de Haifa] estava plenamente nas mãos do Reino Unido”, afirmou Villar. “A população palestina [na região] não tinha capacidade de decisão sobre a imigração judaica nem sobre as políticas gerais do território”, reforçou.
O professor da Universidade de Valência reforça: “o poder de decisão da população palestina durante o mandato britânico era nulo”.
No mesmo ano da chegada do barco Theodor Herzl em Haifa, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs dividir a Palestina em dois estados independentes, um arábe e um judeu, com Jerusalém sob um regime internacional administrado pela ONU.
Depois de um ano, em 1948, uma das partes proclamou sua independência sob o nome de Israel e iniciou uma guerra com os países vizinhos, que terminou com a ocupação israelense de 77% do território que estava sob a gestão britânica e a expulsão de mais da metade da população árabe, segundo a ONU.
Referências
- Imagem publicada pela Biblioteca Nacional de Israel
- Imagem publicada na página da Universidade do Sul da Flórida
- Perfil do professor David Villar Vegas
- Reportagem do New York Times em 20 de abril de 1947
- Páginas da ONU (1, 2)
- Documento da ONU sobre a condição do povo palestino
- Perfil do professor Jorge Ramos Tolosa
- Arquivos do Museu do Holocausto dos Estados Unidos (1, 2)
- Documento da ONU sobre a separação da Palestina
