
Publicações alegam falsamente que Trump pode conceder imunidade a Bolsonaro através de cargo internacional
- Publicado em 22 de outubro de 2025 às 18:46
- 3 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado à prisão por tentativa de golpe de Estado em 11 de setembro de 2025. Cerca de um mês depois, vídeos com mais de 1 milhão de visualizações circulam com a alegação de que o mandatário dos Estados Unidos, Donald Trump, nomeará Bolsonaro para uma comissão internacional que lhe dará “imunidade total”. Mas as gravações foram criadas por um canal de “crônicas hipotéticas geradas com Inteligência Artificial”. O direito internacional tampouco permite que um chefe de Estado conceda imunidade diplomática a um estrangeiro por conta própria.
“Como revelamos com exclusividade essa semana, o presidente Donald Trump está finalizando os detalhes para oficializar um convite histórico a Bolsonaro para chefiar a Global Freedom of Speech Initiative, uma poderosa comissão internacional com status diplomático que terá o poder de recomendar sanções contra autoridades que abusem de seus poderes para censurar opositores políticos”, diz um vídeo que circula no YouTube, no Facebook, no Instagram e no X.
A gravação ainda diz que o suposto cargo dará a Bolsonaro ”imunidade total contra processos”, além do poder de recomendar autoridades a serem sancionadas pela lei Magnitsky. Outras publicações alegam também que a nomeação de Bolsonaro acontecerá na Casa Branca em 15 de novembro de 2025.

As mensagens circulam em meio aos esforços do deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e aliados de anistiar Bolsonaro por meio de intervenção dos Estados Unidos. O ex-presidente foi condenado por tentativa de golpe de Estado em setembro de 2025 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, a notícia sobre a suposta nomeação é falsa, e não existem mecanismos no direito internacional que permitam a um chefe de Estado conceder unilateralmente imunidade a um cidadão estrangeiro.
Vídeo ficcional
O AFP Checamos procurou informações sobre a “Global Freedom of Speech Initiative”, mas não encontrou resultados sobre a comissão mencionada nos vídeos. Também não foi localizada nenhuma notícia em um meio de comunicação confiável que indique que Trump pode nomear Bolsonaro para um cargo internacional.
Outro indício de que a alegação é falsa está no canal do YouTube que publicou originalmente os conteúdos virais. O Crônicas do Brasil — cujo logotipo está presente em diversas das publicações compartilhadas (1, 2) — se apresenta como um projeto de entretenimento e ficção. “As histórias e reportagens aqui apresentadas NÃO SÃO VERDADEIRAS, são crônicas hipotéticas geradas com Inteligência Artificial”, diz a descrição.

Imunidade diplomática não ocorre de forma unilateral
Não há qualquer dispositivo nas normas sobre relações internacionais que autorize um chefe de Estado a conceder imunidade diplomática a um cidadão estrangeiro de forma unilateral, explica Solano de Camargo, professor de Direito Internacional Privado da Universidade de São Paulo (USP).
“Essas imunidades são reconhecidas pelos Estados receptores, não pelo simples ato de nomeação feito por outro país. Portanto, mesmo que um presidente norte-americano atribuísse um cargo a um estrangeiro em alguma comissão sob jurisdição dos EUA, isso não conferiria automaticamente imunidade diplomática. O reconhecimento dependeria da aceitação formal do status diplomático pelo Departamento de Estado e, em contexto internacional, de eventual reconhecimento também pelos demais Estados envolvidos”.
Camargo salienta ainda que apenas organizações internacionais criadas por meio de tratados multilaterais podem oferecer imunidade ou determinados privilégios aos seus funcionários em âmbito internacional, seguindo acordos de sede ou instrumentos constitutivos.
“Juridicamente, não existe mecanismo válido que permita ao presidente dos Estados Unidos conceder ‘imunidade total’ ou ‘diplomática’ a Jair Bolsonaro ou qualquer outro estrangeiro por meio de uma nomeação pessoal. Qualquer alegação nesse sentido carece de base nas normas de direito internacional vigentes.”