
As falsidades do vídeo sobre "genocídio branco" apresentado por Trump ao presidente da África do Sul
- Publicado em 23 de maio de 2025 às 23:43
- 5 minutos de leitura
- Por Clément VARANGES, Tendai DUBE, AFP África do Sul
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, surpreendeu seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa, ao lhe apresentar um vídeo que pretendia comprovar alegações infundadas de perseguição a fazendeiros brancos no país, em um encontro oficial no último dia 21 de maio, na Casa Branca. Mas a gravação, composta por recortes de diferentes episódios, contém informações falsas e, em muitos casos, não reflete o alegado pelo mandatário.
A intenção do presidente norte-americano era que o vídeo, de 4 minutos e 30 segundos, fosse exibido como evidência de uma campanha para matar fazendeiros brancos, no que ele definiu como um "genocídio".
Alguns dos conteúdos que aparecem no vídeo haviam sido amplamente compartilhados no Facebook, no Instagram, no X, no Threads, no Kwai, no Telegram e no TikTok, nas semanas anteriores.
Cruzes não sinalizam sepulturas de brancos
Um dos vídeos da sequência mostra cruzes brancas erguidas ao longo de uma estrada sinuosa onde dezenas de carros e caminhões estão alinhados.
"Esses são locais de sepultamento", disse Trump, ao exibir as imagens. "Esses carros estão parados para prestar homenagem aos familiares que foram mortos."
Nas redes sociais, a mesma gravação circula com legendas que asseguram: “cada cruz nesse vídeo representa um fazendeiro branco na África do Sul que foi assassinado”.

Mas, na verdade, as imagens são de um protesto realizado em 2020, onde cruzes simbólicas foram colocadas ao longo de uma estrada rural após o assassinato de um casal em sua fazenda em Normandien, perto de Newcastle, na província sul-africana de KwaZulu-Natal, de acordo com vídeos e matérias da imprensa local.
Elas não marcam locais de túmulos.

Os assassinos foram condenados à prisão perpétua em 2022.
Entenda mais sobre o vídeo das cruzes nesta checagem feita pelo serviço da AFP em inglês.
Político não compõe governo
Trump usa outro vídeo para afirmar que o governo sul-africano está expropriando fazendas de pessoas brancas. Na gravação, vê-se um político que diz: “Os sul-africanos ocupam terras, é isso que somos".
"Essas pessoas são oficiais", afirma o norte-americano.
Mas o homem que aparece no vídeo não faz parte do governo. Ele é o líder do Combatentes da Liberdade Econômica (EFF, na sigla em inglês), partido de oposição de extrema esquerda, Julius Malema.
O EFF ficou em quarto lugar nas eleições de 2024, com menos de 9,5% dos votos, e nunca fez parte do governo.
Imagem da República Democrática do Congo
Depois do vídeo, Trump apresentou uma pilha de artigos impressos que, segundo ele, documentavam assassinatos de fazendeiros na África do Sul.
Entre eles estava um texto sobre tribalismo na África de um blog pouco conhecido chamado "American Thinker", com uma foto de membros da Cruz Vermelha em trajes brancos manuseando sacos de corpos.
"Há locais de sepultamento por toda parte, são fazendeiros brancos que estão sendo enterrados", disse Trump.

No entanto, a imagem é uma captura de tela de um vídeo, publicado no YouTube em fevereiro deste ano, que mostra a resposta de funcionários da Cruz Vermelha depois que mulheres foram estupradas e queimadas vivas durante uma fuga em massa de presos na cidade de Goma, na República Democrática do Congo.
O vídeo havia sido publicado pelo site de notícias WION, a partir de imagens fornecidas pela Reuters.
Fazendeiros brancos não são “mortos em grande número”
"Essas pessoas estão sendo mortas em grande número", afirmou Trump, mostrando os artigos que, segundo ele, relatavam os assassinatos de "milhares" de fazendeiros brancos.
Embora agricultores tenham sido mortos, a quantidade é pequena no contexto mais amplo da criminalidade na África do Sul, que tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo.
O grupo de lobby afrikaner AfriForum, organização que promove campanhas para chamar atenção para assassinatos em fazendas, contabilizou 49 assassinatos desse tipo em 2023.
Em comparação, a polícia registrou um total de 27.621 mil assassinatos entre abril de 2023 e março de 2024 — por volta de 75 pessoas mortas por dia. A maioria das vítimas são jovens negros em áreas urbanas.
Dois dias após as negociações na Casa Branca, o ministro da Polícia sul-africano, Senzo Mchunu, disse que o país não enfrenta um "genocídio branco" e que alegações como essa são “totalmente infundadas".
Ao apresentar as estatísticas trimestrais de criminalidade, ele informou que dois proprietários de fazendas foram assassinados entre janeiro e março de 2025, ambos negros.
Um morador, dois funcionários e um administrador de uma fazenda também foram mortos em ataques ao longo do trimestre. Apenas o morador era branco, disse Mchunu.
"Não negamos que os níveis de criminalidade no país sejam altos", disse, mas isso "atinge a todos, em áreas rurais e urbanas".
Doze assassinatos em fazendas foram registrados no trimestre anterior, de outubro a dezembro de 2024, dos quais apenas uma vítima — um proprietário de fazenda — era branca, afirmou o ministro.
O serviço da AFP em inglês escreveu anteriormente sobre como dados falsos têm sido usados para distorcer o quadro complexo dos assassinatos em fazendas na África do Sul.
Referências
- Registros sobre o protesto em Normandien, na África do Sul (1, 2)
- Vídeo do site de notícias indiano WION
- Relatório do grupo afrikaner AfriForum