Voto de Boulos com sua família não é crime ou caso de inelegibilidade, avaliam especialistas
- Publicado em 9 de outubro de 2024 às 22:52
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“URGENTE Guilherme boulos fica na inelegibilidade e terá cancelamento das eleições de são paulo”, lê-se na legenda sobreposta a um vídeo que circula no Facebook.
O conteúdo, que acumula mais de 240 mil visualizações, também circula no Instagram, no Kwai e no TikTok.
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A sequência é uma gravação do momento em que o candidato entra na cabine de votação ao lado de três pessoas. A cena é narrada: “Olha que absurdo que Boulos fez. Inelegibilidade para Boulos! Ele feriu a lei eleitoral ao votar com três pessoas. Olha que absurdo! Ministra Cármen Lúcia, inelegibilidade de Guilherme Boulos por ferir o princípio do voto secreto. Que absurdo, gente. Inadmissível a postura dele”.
É possível identificar no canto inferior que o trecho foi retirado de uma transmissão da CNN Brasil que acompanhava o voto do candidato no primeiro turno das eleições municipais, em 6 de outubro.
As mulheres vistas ao lado de Boulos na cabine são identificadas ao decorrer da reportagem como sua esposa, Natalia Szermeta, e as filhas, Laura e Sofia. Ao final da matéria, os jornalistas da CNN Brasil questionam a presença delas na cabine de votação, ressaltando que a Justiça Eleitoral determina que o eleitor vote sozinho.
Mas, diferentemente do que as peças de desinformação alegam, não há previsão legal que caracterize o ato de Boulos em votar acompanhado da família como um crime eleitoral ou ato passível de inelegibilidade.
Regra é votar desacompanhado
A narração do vídeo faz referência ao princípio do sigilo do voto garantido pela Constituição Federal, que estabelece o voto como direto e secreto.
Como explicou o advogado especialista em direito constitucional e professor associado da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, a Constituição não detalha como esse sigilo deve ser assegurado.
“Isso é uma tradição constitucional. Ela deixa para a lei, no caso o Código Eleitoral e as normas que são expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, detalhar o mandamento maior”, afirmou.
No Código Eleitoral, o sigilo do voto é assegurado por meio do isolamento do eleitor na cabine de votação, dentre outras providências. A orientação se repete no Manual do Mesário.
Há exceções para o acompanhamento de terceiros na cabine de votação, como crianças de colo ou eleitores que possuem deficiência ou mobilidade reduzida.
Contudo, embora a regra seja o voto desacompanhado, uma busca no Código Eleitoral, na resolução do TSE que estabelece o processo eleitoral de 2024, na Lei das Inelegibilidades e na Constituição Federal não identificou artigos que indiquem o ato de votar na presença da família como crime ou motivo para tornar o candidato inelegível.
Sem previsão legal para crime
Especialistas consultados pela AFP confirmaram que não há previsão expressa de punição nas legislações para o caso.
“A legislação é omissa com isso. Nesse detalhamento, ela fala do sigilo do voto e, nas regulamentações posteriores, a única coisa que abre um pouco mais é para permitir que crianças de colo entrem na cabine que detém a urna dentro, desde que a criança não toque nos botões”, pontuou Beçak.
Segundo Alberto Rollo, advogado especialista em direito eleitoral, o sigilo do voto é um direito constitucional para proteger o eleitor e evitar que ele seja prejudicado, como em caso de compra e venda de votos, que é considerado crime eleitoral.
Para ele, o candidato psolista abriu mão desse direito ao votar com a família, mas isso não significa que tenha cometido um crime.
“Quem diz em quem votou, em princípio, não está cometendo nenhum crime. Não tem previsão expressa na lei, nem nas resoluções do TSE (...). Pode-se dizer que houve uma violação da Constituição quando garante o sigilo de voto. Mas [a Constituição garante esse sigilo] para ele, Boulos. Ele abriu mão dessa garantia. Não dá para dizer que violou o Código Eleitoral”, declarou o advogado.
Nahomi Helena de Santana, especialista em direito eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), reforçou que o princípio protegido pela Constituição é o segredo do voto, ou seja, a liberdade individual do eleitor.
Segundo ela, essa é a razão “pela qual não há nada nesse ato em específico [de Guilherme Boulos] que comprometa a lisura e integridade das eleições”.
Ainda segundo os especialistas, o entendimento seria diferente caso o candidato ou seus familiares tivessem fotografado, ou filmado o voto, ato proibido pela resolução do TSE.
Em e-mail enviado à AFP em 8 de outubro de 2024, o Tribunal Regional de São Paulo (TRE-SP) reforçou que o voto é secreto e não deve ser feito na companhia de terceiros, mas que a situação de Boulos não causa inelegibilidade.
“Os mesários serão orientados sobre o cumprimento da norma, quanto ao segundo turno”, acrescentou a nota.
Artigo 312
Algumas peças de desinformação citam o artigo 312 do Código Eleitoral para justificar uma punição ao ato de Boulos.
O artigo está presente na seção de crimes eleitorais e prevê punição para quem violar ou tentar violar o sigilo do voto.
Contudo, Rollo explicou que o entendimento é que a violação da qual trata o artigo é aquela de “fora para dentro”, ou seja, de terceiros:
“Por exemplo, se as filhas e a mulher disserem em quem ele votou, aí sim talvez estejam enquadradas no artigo. Ele não. Violar ou tentar violar, que é assim que se interpreta a lei, é a outra pessoa violar o sigilo do seu voto. Não você mesmo”.
De acordo com Santana, não é possível que o artigo trate de um ato próprio, voluntário e que não ofenda a liberdade do próprio voto.
“Não há bem jurídico que possa ser tutelado pela caracterização de crime eleitoral ao levar a sua família para a cabine de votação quando evidente a impossibilidade de coação ou qualquer outro ato que ofenda a liberdade do voto”, finalizou a advogada.
Esse conteúdo também foi checado por Estadão Verifica, Agência Reuters e Aos Fatos.
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