Vídeo sobre "contagem secreta" dos votos na urna omite diversas etapas do processo eleitoral

  • Publicado em 3 de outubro de 2024 às 18:23
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Antes de uma votação, diversos processos de auditoria são realizados de forma pública com a urna eletrônica brasileira, de modo a garantir seu funcionamento correto. Mesmo assim, um vídeo de 2022 em que um homem identificado como “coronel Koury” diz que a urna realiza uma contagem “secreta” dos votos e que o aparelho “registra o que quer” foi compartilhado dezenas de vezes às vésperas das eleições municipais de 2024. As alegações do homem são enganosas: a urna opera com base no chamado código-fonte, que é inspecionado por representantes de diversas instituições, incluindo a sociedade civil.

“A urna conta secretamente o seu voto”, diz um homem em um vídeo que circula no Facebook, no Telegram e no Gettr

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Captura de tela feita em 2 de outubro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Ao longo de cerca de três minutos de vídeo, o homem visto nas imagens mostra uma caixa, que representaria a urna eletrônica. “Faz de conta que isso aqui é a urna. (...) O que foi que ela registrou aqui dentro? Você viu o que ela registrou? Não, você não viu. Ela registra o que ela quer”.

“Aí, no final do dia, ela vai imprimir um documento chamado ‘BU’”, continua o homem, referindo-se ao Boletim de Urna, que mostra todos os votos registrados naquele aparelho para cada um dos candidatos, dentre outras informações. “O que foi que a urna fez? Isso aqui é o resultado de uma contagem secreta. A urna conta secretamente o seu voto. Porque, olha, se você não está contando o seu voto, eu não estou contando, e ela dá o resultado da contagem, quem foi que fez a contagem dos votos?”.

Ele afirma, ainda, que é ilegal contar votos secretamente, já que isso confere “muito poder para meia dúzia de técnicos de informática, para meia dúzia de funcionários públicos”

Ao fundo, é possível ver uma espécie de logotipo com as palavras: “Grupo Brasil Conservador”. Uma pesquisa por esses termos no YouTube localizou o vídeo original, publicado em 10 de setembro de 2022.

De fato, a urna eletrônica brasileira não imprime um comprovante físico de votos individuais, que seria o chamado “voto impresso”. Isso não quer dizer, porém, que os processos de registro e totalização dos votos são realizados de maneira “secreta” por “meia dúzia de funcionários públicos”, como dito no vídeo viral.

A urna eletrônica realiza todas as suas ações com base no chamado código-fonte: esse código contém todas as instruções que devem ser executadas pelo aparelho.

Um dos principais pontos omitidos pelo homem do vídeo viral é, justamente, a etapa de inspeção desse código-fonte: cerca de um ano antes das eleições, esse código é aberto para entidades fiscalizadoras, que incluem representantes de partidos, instituições públicas, órgãos federais, universidades, dentre outros. A lista completa de entidades que podem fiscalizar o código-fonte está disponível na Resolução 23.673/2021.

No caso das eleições de 2024, por exemplo, o código-fonte está disponível para inspeção desde outubro de 2023. Até agosto de 2024, ele havia sido inspecionado por representantes de cinco entidades: o Ministério Público Federal (MPF), o partido União Brasil (União), a Sociedade Brasileira de Computação (SBC), o Senado Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU).

Após a inspeção do código-fonte, esse código e seus devidos programas são “carregados” na urna e lacrados digitalmente por meio de criptografia em uma cerimônia pública, a fim de garantir que apenas os programas oficiais sejam inseridos no aparelho.

Durante a votação também é realizado o chamado Teste de Integridade ou Votação Paralela: na véspera do pleito, partidos e entidades fiscalizadoras preenchem cédulas em papel com os candidatos escolhidos. Também na véspera, são sorteadas urnas eletrônicas de maneira aleatória que participarão do teste.

No dia da eleição, servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público digitam os votos contidos nas cédulas de papel nas urnas sorteadas. Ao final da votação, as urnas do teste emitem o Boletim de Urna e é possível comparar se o que foi registrado nas cédulas em papel é compatível com o que foi registrado pelas urnas e, por amostragem, comprovar se as urnas eletrônicas estão funcionando corretamente. Todo esse processo é realizado de forma pública.

Após a votação, a urna imprime cinco vias do Boletim de Urna (BU), como dito no vídeo. Esse documento contém a soma de todos os votos recebidos por cada candidato, além de votos nulos e em branco. Esse documento é público e uma das vias é afixada na porta da seção eleitoral correspondente.

Desde 2022, esses boletins também são disponibilizados de forma pública em tempo real na internet. Isso significa que o processo de totalização dos votos pode ser feito de maneira paralela ao processo realizado no TSE, somando os BUs e verificando se o total de votos para cada candidato é o mesmo anunciado pela Corte eleitoral.

Este conteúdo também foi verificado pela Agência Lupa.

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos a respeito de mecanismos de auditoria no sistema eleitoral brasileiro (1, 2, 3).

Referências

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