Vídeo de helicóptero em Miami circula como se mostrasse liberação de mosquitos em Massachusetts

Em agosto de 2024, algumas cidades de Massachusetts, nos Estados Unidos, fecharam seus parques ao anoitecer devido à propagação da Encefalite Equina do Leste, doença transmitida por mosquitos. Desde então, publicações nas redes sociais com mais de 14 mil visualizações compartilham o vídeo de um helicóptero supostamente liberando mosquitos e sugerem que a cena estaria ligada à propagação do vírus. Mas a gravação foi feita em 2023, em Miami. Segundo especialistas, não há evidências de que programas de organismos geneticamente modificados sejam usados para espalhar uma infecção propositalmente.

“Enquanto as cidades de Massachusetts se preparam para o bloqueio nos próximos meses por causa dos mosquitos mortais.... Aqui está um flashback de recentemente, quando este helicóptero foi filmado liberando mosquitos. Alguém conhece algum bilionário ligado a OGM?”, diz a legenda de uma publicação no Facebook. Conteúdo semelhante também circula no Instagram e no Telegram

A alegação é compartilhada junto a um vídeo de um helicóptero que libera uma nuvem escura e há sobreposta a frase em inglês: “Helicóptero liberando mosquitos”

A alegação também é compartilhada em espanhol, inglês e francês

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Captura de tela feita em 2 de setembro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

O Departamento de Saúde Pública de Massachusetts confirmou o primeiro caso humano do vírus da Encefalite Equina do Leste (EEL) no estado norte-americano este ano, em 16 de agosto. A EEL é causada por um vírus transmitido pela picada de um mosquito infectado.

De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, aproximadamente 30% das pessoas infectadas com o vírus morrem e muitos sobreviventes enfrentam problemas neurológicos persistentes. Pessoas menores de 15 anos e acima de 50 anos são consideradas de maior risco.

O vírus raro, mas mortal, transmitido por mosquitos, colocou dez comunidades de Massachusetts em alerta máximo, de acordo com o Departamento de Saúde Pública do estado, que emitiu advertências de saúde pública e medidas preventivas para conter a sua propagação, incluindo o fechamento de parques após o anoitecer, a restrição de atividades ao ar livre e o reagendamento de eventos públicos em algumas cidades. 

A fumigação seletiva contra os mosquitos também já começou .

Helicóptero não libera mosquitos

Mas o vídeo viral é antigo e não mostra a liberação de mosquitos.

Uma busca reversa no Google por um trecho da sequência mostrou que ela circula desde 27 de agosto de 2023.

A publicação no TikTok não menciona mosquitos, mas a frase sobreposta à gravação diz: “Miami #OQueEleEstáPuxando?”, em tradução livre do espanhol.

O conteúdo é acompanhado por uma hashtag que identifica o local como a cidade de West Little River, localizada em Miami — e não em Massachusetts.

Usando técnicas de geolocalização, a AFP identificou o local exato onde o vídeo foi filmado.

Além disso, quando os mosquitos modificados são liberados, isso não é feito a partir de um helicóptero, e sim geralmente a partir de caixas no chão, segundo Jonathan Larson, entomologista da Universidade de Kentucky.

“Os mosquitos não são os insetos maiores ou mais resistentes; eles provavelmente se tornariam inúteis se fossem libertados a partir de um helicóptero como este”, disse por e-mail em 27 de agosto.

O Programa Mundial de Mosquitos implementou uma tecnologia de drones para liberar mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia, que não são geneticamente modificados. Nesse sentido, Phil Lounibos, professor emérito do Laboratório de Entomologia Médica da Universidade da Flórida, concordou que um helicóptero seria “muito alto para libertar os mosquitos que precisam sobreviver à queda em um habitat onde poderiam se reproduzir com mosquitos com ‘silvestres’”.

Mosquitos transgênicos nos Estados Unidos

Os projetos de mosquitos geneticamente modificados, utilizados para controlar doenças reduzindo o número de transmissores, são alvo de controvérsias e falsas alegações, muitas das quais foram verificadas anteriormente pela AFP (1, 2).

Essas alegações são frequentemente associadas ao filantropo bilionário Bill Gates, cuja fundação ajudou a financiar projetos de desenvolvimento e liberação de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados para combater a dengue e outras doenças em várias partes do mundo. 

No entanto, a fundação não financia nenhum projeto de liberação de mosquitos modificados nos Estados Unidos, como informado anteriormente pela AFP .

A Agência de Proteção Ambiental só autorizou a Oxitec, empresa de biotecnologia, a desenvolver mosquitos geneticamente modificados nos Estados Unidos com o objetivo de reduzir a população local de mosquitos.

“Massachusetts não está envolvido em nenhum trabalho da Oxitec e não temos conhecimento de nenhum projeto em que os mosquitos sejam liberados”, disse um porta-voz do Departamento de Saúde do estado à AFP por e-mail em 27 de agosto de 2024.

O objetivo do trabalho da Oxitec na Flórida é a redução de doenças, explicou Hannah Tiffin, entomologista médica e veterinária do Departamento de Silvicultura e Recursos Naturais da Universidade de Kentucky.

“Os mosquitos são frequentemente modificados para que, após as fêmeas selvagens acasalarem com os machos ‘OGM’, as fêmeas ou suas crias tenham uma capacidade reduzida de transmitir vírus, uma capacidade reduzida de ‘contrair’ vírus, ou suas crias sejam infectadas e se tornem estéreis e não possam se reproduzir”, disse por e-mail de 27 de agosto.

Como apenas as fêmeas dos mosquitos picam, o número de possíveis transmissores de doenças é reduzido. As alegações de que mosquitos geneticamente modificados estão sendo usados para espalhar intencionalmente a EEL “não têm base científica”, afirmou.

Sem relação com a EEL

Lounibos, da Universidade da Flórida, também disse que a EEL é endêmica nos Estados Unidos, com surtos periódicos “que ocorrem desde que a doença foi identificada”.

Em um e-mail em 27 de agosto, ele classificou as alegações virais como um “alarmismo absurdo”.

Os dados dos CDC mostram vários casos de EEL na última década, com o maior número relatado em 2019, antes da aprovação do experimento da Oxitec.

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Captura de tela feita em 28 de agosto de 2024 de um gráfico dos CDC ilustrando casos de doenças humanas causadas pelo vírus da Encefalite Equina do Leste por ano de aparecimento da doença, 2003-2023 (.)

Além disso, Aedes aegypti e Aedes albopictus (as duas únicas espécies conhecidas por terem sido geneticamente modificadas para o controle de mosquitos) não são transmissores da EEL, de acordo com Nathan Burkett-Cadena, professor associado do Laboratório de Entomologia Médica da Universidade da Flórida. 

A espécie “nem mesmo é encontrada em Massachusetts, Maine ou New Hampshire”, disse o docente em um e-mail de 28 de agosto.

Referências

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