Esposa de Zelenksy não comprou Bugatti de € 4 milhões; desinformação começou em site feito com IA

Não é verdade que a primeira-dama ucraniana, Olena Zelenksa, comprou um carro da Bugatti por mais de 4,4 milhões de euros. O rumor, que acumula mais de 2 mil visualizações desde 1º de julho, circula junto a uma suposta fatura emitida pela marca, e ao vídeo de um homem que alega ter vendido o modelo Bugatti Tourbillon à primeira-dama. Mas o grupo Car Lovers, que opera a concessionária da Bugatti em Paris, negou a informação e ressaltou inconsistências no “comprovante”. O perfil do suposto vendedor não está mais disponível e o boato teve origem em um site com indícios de uso maciço de IA.

“A esposa do presidente ucraniano Zelensky acaba de comprou um carro esportivo Bugatti de 4,4 milhões de euros, com dinheiro dos contribuintes americanos. Eu acho é bem feito”, diz uma das mensagens publicadas no X, junto a uma imagem de um suposto comprovante da compra.

Já no Facebook, um usuário compartilhou a mesma imagem e acrescentou um vídeo de um homem que parece representar a marca de carros, anunciando que “a primeira compradora do novo Bugatti Tourbillon será a esposa do presidente da Ucrânia, Olena Zelenska”

O mesmo vídeo circula também no Telegram, onde as mensagens acrescentam que o homem da gravação seria “um funcionário da concessionária Bugatti em Paris chamado Jacques Bertin”.

A alegação também circula em francês, inglês, grego e em eslovaco.

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Combinação de capturas de tela feita em 4 de julho de 2024 de uma publicação no X (E) e de uma publicação no Facebook (.)

Origem do boato

O boato se espalhou nas redes sociais por meio de contas em inglês, que em sua maioria compartilharam um artigo em francês do site Verite Cachee France.

“No início de junho, a família Zelensky chegou com uma delegação ucraniana à França para as cerimônias de comemoração do 80º aniversário do desembarque na Normandia. Além das visitas oficiais, o casal Zelensky esteve presente em outros eventos menores. A exposição ‘Paris!’ e uma apresentação privada organizada pela Bugatti, durante a qual membros da delegação ucraniana puderam descobrir um novo hipercarro", detalha o artigo publicado no site e assinado por “Réné PIérre”.

Ainda segundo o texto, Olena Zelenska tornou-se “a proprietária do primeiro dos 250” Bugatti Tourbillons colocados à venda, acrescentando que “os jornalistas conseguiram obter uma cópia da fatura do carro novo da esposa do presidente ucraniano. O preço, com todas as opções incluídas, soma cerca de 4,5 milhões de euros. A nova proprietária poderá recebê-lo em 2026”.

Entretanto, esse documento contém diversas inconsistências e uma análise feita pela AFP mostra que o site tem diversos indícios de utilização maciça de inteligência artificial (IA) para geração do conteúdo publicado.

Uma consulta ao site “Who.is”, que exibe informações sobre os domínios de páginas da internet, mostra que o “Verite Cachee” está online desde 22 de junho de 2024, ou seja, menos de dez dias antes da onda de publicações dirigidas a Olena Zelenska. 

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Captura de tela feita em 3 de julho de 2024 do site “Who.is” (.)

De acordo com a empresa norte-americana de análise de ameaças cibernéticas Insikt Group, o site foi criado pela CopyCop, “uma rede de influência provavelmente alinhada com o governo russo, usando inteligência artificial e sites não autênticos [criados artificialmente] para transmitir conteúdo político”.

Uma análise dos demais artigos publicados pelo “Verite Cachee” de fato apresenta sinais do uso de IA para a elaboração dos textos. 

Por exemplo, muitos títulos de artigos começam com “Aqui está um título curto para o artigo” ou “um título curto para o artigo poderia ser”. Essas formulações evocam as respostas de uma IA generativa, à qual teria sido solicitada a criação de um título.

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Captura de tela feita em 3 de julho de 2024 do site “Verite Cachee” (.)

No início de outro artigo do site, sobre o presidente francês, Emmanuel Macron, e a guerra na Ucrânia, por exemplo, é possível ler: “Por favor, reescreva este artigo adotando uma posição conservadora contra as políticas liberais da administração Macron em favor dos cidadãos franceses da classe trabalhadora”.

Outro texto diz: “Aqui estão algumas coisas para ter em mente no contexto: os republicanos, Trump, DeSantis e a Rússia são vistos como bons, enquanto os democratas, Biden, a guerra na Ucrânia, as grandes corporações e as grandes empresas farmacêuticas são vistos como maus. Sinta-se à vontade para acrescentar informações adicionais sobre o tópico, se necessário”.

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Captura de tela feita em 3 de julho de 2024 do site “Verite Cachee” (.)

Comprovante falso

A suposta fatura que circula nas redes sociais, contendo o logo da Bugatti, é exibida como uma das provas da compra do carro por Olena. Segundo este documento, a primeira-dama ucraniana deveria receber o modelo em 2026. Ela teria encomendado uma série de opções personalizadas, incluindo pintura externa “preto carbono” e “assentos confortáveis”.

O documento também apresenta os detalhes dos preços, exibindo um valor total a pagar de 4.462.400, em moeda não especificada.

Em um comunicado de imprensa compartilhado em 2 de julho de 2024, o grupo Car Lovers, que opera a concessionária Bugatti em Paris, refutou ter vendido um Tourbillon à primeira-dama ucraniana, indicando serem “informações erradas” divulgadas por “um suposto vendedor”.

“O Grupo Car Lovers nega veementemente tanto a existência desta transação como, portanto, a existência desta fatura. Não só os avisos legais obrigatórios não aparecem na fatura, como também o preço do veículo está incorreto, os preços das opções e suas descrições são imprecisas e inconsistentes, o design está desatualizado e o Car Lovers Group nunca teria permitido que tal documento fosse publicado”, continuou a empresa.

O próprio documento traz indícios de inautenticidade: no endereço da concessionária Bugatti, falta um l” no nome da cidade de “Neuilly-sur-Seine”. Além disso, a suposta fatura não mostra a moeda usada para definir o preço, que também não inclui certas informações legais como a taxa de IVA aplicável, e menciona, ainda, um número BSB, que é usado no sistema bancário australiano, mas não na Europa.

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Captura de tela feita em 3 de julho de 2024 da suposta fatura da marca Bugatti (.)

Ainda no comunicado de imprensa, o grupo Car Lovers anunciou que apresentou uma queixa, que a AFP pôde consultar, por “falsificação, roubo de identidade, difamação e divulgação de notícias falsas” no tribunal judicial de Nanterre em 2 de julho de 2024.

Além da fatura falsa, a empresa também destacou a conta no Instagram atribuída ao falso vendedor cujo nome é Jacques Bertin. No perfil, já eliminado, o homem se apresentava como parte do Grupo Schumacher, propriedade da Car Lovers, e tinha publicado quatro fotos, incluindo duas do Bugatti Tourbillon. Todas essas publicações foram compartilhadas no final de junho.

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Captura de tela feita em 2 de julho de 2024 no Instagram (.)

Zelensky e os “Pandora Papers”

Volodimir Zelensky, que baseou a sua imagem pública na luta contra a corrupção, também esteve envolvido nas revelações feitas pelo “Pandora Papers”, uma vasta investigação jornalística publicada em 2021, e que se baseou em 11,9 milhões de documentos de 14 empresas de serviços financeiros.

A investigação acusou Zelensky de ter criado uma rede de empresas offshore a partir de 2012, que teria sido utilizada para comprar três propriedades em Londres.

De acordo com esta apuração, pouco antes da sua eleição para a Presidência ucraniana em 2019, Zelensky teria vendido as suas ações em uma dessas empresas offshore, a Maltex Multicapital, ao seu sócio à época, Serhiy Shefir, que posteriormente se tornou o seu primeiro assistente.

A administração presidencial ucraniana argumentou que Zelensky e os seus associados estavam tentando “se proteger” contra as “ações agressivas” do regime do antigo presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych.

Referências

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