Vídeo não mostra uma ilha se movendo no Rio Grande do Sul, mas porção de plantas e galhos

  • Publicado em 6 de junho de 2024 às 21:11
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em meio às enchentes que atingem o Rio Grande do Sul desde o final de abril de 2024, usuários compartilham uma gravação nas redes sociais do que afirmam ser “uma ilha” se movendo por conta da correnteza no rio Guaíba, em Porto Alegre. Publicações com essa alegação somam milhares de interações desde 18 de maio, mas o material é enganoso. À AFP, especialistas explicaram que a vegetação vista não condiz com a de uma ilha flutuante, e a Secretaria do Meio Ambiente de Porto Alegre disse que o mais provável é que sejam resíduos de plantas e galhos desprendidos durante as chuvas.

“Em meio ao Rio Guaíba surge uma ilha flutuando”, diz uma das publicações com o vídeo, que circula no X, no Facebook, no TikTok, no Kwai e no YouTube. Sobreposta às imagens, lê-se a mensagem: “Porto Alegre perdendo os pedaços”.

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Captura de tela feita em 31 de maio de 2024 de uma publicação no X (.)

No vídeo, uma pessoa filma o momento em que uma suposta ilha estaria sendo arrastada pela correnteza no rio Guaíba, em Porto Alegre. Ao fundo, duas pessoas conversam sobre a cena e uma delas diz: “É uma ilha que tá vindo ali praticamente”.

As imagens circulam em meio ao estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul por conta das chuvas que atingem a região desde o fim de abril. A Defesa Civil do estado contabilizou, até o momento, a morte de mais de 170 pessoas nas enchentes que afetaram ao menos 475 municípios.

Mas a sequência não mostra uma ilha sendo arrastada pela correnteza, como afirmam as publicações.

Vídeo feito em Porto Alegre

Uma busca reversa no Google por fragmentos do vídeo levou a publicações com imagens semelhantes ao local da gravação do vídeo (1, 2), indicando ser na orla do rio Guaíba, em Porto Alegre. No conteúdo postado no YouTube há a marca d’água do perfil “@brunapmagalhaess” junto ao símbolo do Instagram.

Uma consulta a essa conta levou a uma publicação no perfil da jornalista Bruna Magalhães, da Band TV. De acordo com ela, o registro foi feito na orla do Guaíba, próximo ao Gasômetro, onde foi montado um QG de salvamento e resgate de pessoas.

Uma comparação dos elementos da publicação com os do vídeo viral permitiu indicar ser, de fato, o mesmo local da gravação, como pode ser analisado a seguir:

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Comparação de imagens feita em 31 de maio de 2024 entre a publicação viral no X (E) e a postagem da jornalista Bruna Magalhães no Instagram (.)

Um percurso virtual pelo Google Maps também permitiu chegar ao local onde o vídeo foi gravado.

Uma ilha se movendo pela correnteza?

Uma nova busca, dessa vez por palavras-chave no Google, pelos termos “ilha flutuando" e “Porto Alegre”, levou a uma matéria do Correio do Povo sobre um caso semelhante em 2021.

De acordo com o portal, uma suposta ilha flutuante, que não existia no rio Guaíba, foi encontrada por moradores na zona sul de Porto Alegre depois de chuvas intensas na região. Na ocasião, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do estado informou ao jornal que poderia “se tratar de um aglomerado de vegetação arrastada do rio Jacuí”.

A matéria não contém imagens que permitam comparar com as do vídeo que circulou em maio de 2024. 

Rualdo Menegat, professor de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que a porção em movimento no vídeo não é uma ilha. “Se fosse uma ‘ilha’, teria que ter uma base de ramos e palha muito possante, o que não condiz com as ilhas do Delta do Jacuí”, afirmou.

Menegat explicou, ainda, que “ilhas vegetais flutuantes requerem matas de outro tipo” e alertou para as particularidades do local: “Não ocorrem fenômenos desse tipo na região, exceto galhos e troncos flutuando”.

Para Ricardo Mello, professor na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e pós-doutor em Ecologia, as imagens também não condizem com uma ilha em movimento.

Segundo ele, as ilhas do arquipélago do Delta do Jacuí, que foram inundadas pelas enchentes, são formadas por sedimentos finos, terrenos arenosos e lodosos em grande parte inconsolidados. “Neste sentido, o desenraizamento de partes das vegetações de suas bordas poderia ser esperado em grandes inundações, mas, como mostra o vídeo, foi mesmo excepcional o deslocamento de um maciço consideravelmente grande de vegetação florestal”.

Por isso, o professor indicou que a porção nas imagens possivelmente se manteve unida pela trama de raízes. “Assim, creio que não necessariamente seria uma porção íntegra de uma ilha com seus sedimentos que estaria se movendo”.

Procurada pelo AFP Checamos, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre informou não reconhecer as imagens nem ter sido notificada sobre o caso. 

A pasta disse, em nota, que “o mais provável é que a porção desprendida se trate de vegetação, galhos e resíduos que se juntam ao longo da correnteza, o que ocorre com maior incidência em casos de inundações, como a que afeta o estado do Rio Grande do Sul atualmente”.

Conteúdo semelhante foi verificado pelo Estadão Verifica.

O AFP Checamos já verificou (1, 2) outras alegações sobre as enchentes que atingem o Rio Grande do Sul em 2024.

Referências

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