A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, fala durante evento em Belém, no Pará, em 5 de agosto de 202 ( AFP / Evaristo Sa)

Marina Silva não “mentiu” na COP28; entenda por que desmatamento caiu, mas queimadas não

  • Publicado em 11 de dezembro de 2023 às 21:02
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em 2 de dezembro de 2023, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva (Rede), falou em seu discurso na conferência das Nações Unidas sobre o clima (COP28) a respeito da queda do desmatamento na Amazônia em 2023. Desde então, um vídeo visualizado mais de 130 mil vezes nas redes sociais usa notícias sobre o aumento de queimadas no bioma para alegar que a ministra mentiu. Mas o desmatamento, de fato, caiu, enquanto as queimadas subiram. Especialistas explicam que o cenário é justificado pelas condições climáticas e pelo legado do desflorestamento passado.

Marina Silva segue mentindo sobre a Amazônia COP 28”, lê-se no texto sobreposto a um vídeo que circula no Telegram, no Instagram, no Facebook, no YouTube, no TikTok e no Kwai.

O conteúdo, que também foi compartilhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em suas redes sociais (1, 2, 3), exibe um trecho do discurso da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima durante a COP28, no último dia 2 de dezembro.

Nós já conseguimos nos dez primeiros meses do seu governo reduzir o desmatamento que estava numa tendência de alta assustadora, reduzir o desmatamento em 49,5%, evitando lançar na atmosfera 250 milhões de toneladas de CO2”, declara a ministra na sequência.

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Captura de tela feita em 6 de dezembro de 2023 de uma publicação de Jair Bolsonaro no X ( .)

Enquanto a fala da ministra é reproduzida, são exibidas capturas de telas de matérias publicadas a partir de setembro de 2023 pelo g1 (1, 2), pela Folha de S.Paulo e pela Gazeta do Povo, que reportam o aumento das queimadas na Amazônia e a onda de fumaça que atingiu o estado do Amazonas.

Embora as queimadas tenham, sim, crescido no bioma, o desmatamento realmente caiu na região, como indica a fala de Marina Silva.

Os dados

Três das quatro matérias citadas no conteúdo viral reportam a situação do Amazonas. Em setembro deste ano, o estado decretou situação de emergência por conta da onda de fumaça que atingiu diversos municípios, incluindo a capital Manaus.

Naquele período, o Amazonas enfrentou o pior mês do ano em relação ao número de queimadas, com 6.991 focos registrados, de acordo com dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número de focos no estado caiu nos dois meses seguintes, com 3.858 registros em outubro e 799 em novembro.

Apesar disso, em novembro, o estado de emergência foi estendido para todas as 62 cidades do Amazonas por conta da fumaça e da seca histórica. Até a data de fechamento desta matéria, todos os municípios continuam em situação de emergência e 150 mil famílias foram afetadas.

Já no bioma amazônico, o número de focos em setembro de 2023 foi de 26.452, abaixo do registrado em 2022 e da média calculada pelo Inpe para o mês. Em outubro e novembro, contudo, os focos de queimadas no bioma ficaram acima do que foi detectado em 2022 e da média para o mês, como é possível ver no gráfico abaixo:

O aumento nos focos de queimadas não inviabiliza, contudo, a queda no desflorestamento da Amazônia citada pela ministra na COP28.

Em 6 de outubro deste ano, foram divulgados dados do sistema DETER-B, projeto do Inpe que monitora alertas de desmatamento na Amazônia.

Os dados apontavam que os alertas de desflorestamento haviam caído 49,5%, entre janeiro e setembro de 2023, em relação ao mesmo intervalo de 2022. Nesses períodos, a área desmatada passou de 8.590 km² para 4.341 km².

Ainda de acordo com o monitoramento do Inpe, no acumulado de janeiro a outubro do ano passado, foram desmatados 9.494 km². No mesmo período deste ano, a área desflorestada corresponde a 4.776 km², uma redução de aproximadamente 49,7%.

Relação entre queimada e desmatamento

Em entrevista ao Comprova — projeto de verificação colaborativa do qual a AFP faz parte — antes da fala da ministra na COP28, o professor do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), José Salatiel Rodrigues Pires, explicou que as queimadas são localizadas como pontos de calor, mas que nem sempre têm ligação com o desmatamento.

Quando o satélite detecta um ponto de calor, ele não verifica qual o uso da terra existe nessa área (se é uma área de cana-de-açúcar, uma área de pastagem ou uma floresta desmatada queimando).”

Pires acrescenta que para chegar à origem dos focos, é preciso olhar para outros dados. “Para poder analisar se as áreas de queimadas são áreas desmatadas, temos que cruzar essa informação com as imagens de outros satélites. Se o foco de calor está em uma área de agricultura, sabemos que foi uma queimada de manejo agrícola, mas se está em uma floresta, podemos verificar se é devido a desmatamento

Por que as queimadas aumentaram

Um artigo publicado em 16 de outubro de 2023 pela revista científica Nature Ecology & Evolution analisou as condições que levaram à queda no desmatamento da Amazônia e o crescimento dos focos de queimadas.

A análise utilizou dados do Inpe do primeiro semestre de 2023 e de anos anteriores. A publicação destacou que os focos de incêndio nos primeiros seis meses deste ano foram 10,76% superiores ao mesmo período de 2022, mas que as condições em que ocorreram as queimadas são diferentes.

Segundo o artigo, os picos de 2022, quando a Amazônia não enfrentava um período de seca como em 2023, estavam ligados, principalmente, ao desmatamento descontrolado. Já neste ano, em um contexto de redução do desflorestamento, outros fatores ganharam evidência, como as condições climáticas.

Procurado pela AFP, um dos autores da publicação, o professor de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Celso Santos, explicou que, apesar de serem historicamente relacionados, o cenário atual aponta uma “desconexão” entre desmatamento e queimadas.

As mudanças climáticas têm provocado condições climáticas mais extremas, incluindo secas e ondas de calor mais frequentes e intensas. O El Niño de 2023, por exemplo, trouxe condições mais secas para a região, o que aumenta a suscetibilidade das florestas a incêndios.

Santos acrescenta, ainda, que as queimadas dos anos anteriores têm forte influência no quadro atual, uma vez que as áreas desflorestadas podem estar mais secas e propensas a incêndios.

Além disso, práticas de gestão da terra podem ter intensificado as queimadas na região, de acordo com o especialista. “Em algumas áreas, a queima de pastagens e outros tipos de terrenos agrícolas durante a estação seca é uma prática comum. Estas queimadas, muitas vezes não estão diretamente ligadas às recentes atividades de desmatamento, mas contribuem para o aumento geral dos incêndios”.

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos relacionados à Amazônia brasileira.

Referências

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