Explosão falsa não é recente e nem foi feita pelo Hamas; imagens foram gravadas no Iraque

  • Publicado em 31 de outubro de 2023 às 20:34
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em 7 de outubro de 2023, o grupo islamita palestino Hamas atacou Israel, que respondeu com bombardeios, em um conflito que deixa milhares de mortos e feridos. Nesse contexto, usuários visualizaram mais de 120 mil vezes nas redes sociais um vídeo que supostamente mostra que o Hamas encenou um ataque israelense para inflar o número de vítimas palestinas. No entanto, a gravação foi feita em 2016 no Iraque e, segundo reportagens, fazia parte de uma operação do serviço de Inteligência do país contra o Estado Islâmico.

“Como são sujos. Com ajuda da imprensa suja terroristas do hamas propagam fake news!”, diz texto sobreposto ao vídeo compartilhado no Instagram e no TikTok. Há variações, como esta compartilhada no Kwai, que levam apenas a legenda: “A indústria da Fake News do Hamas”.

O vídeo circula com a mesma alegação em espanhol.

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Captura de tela feita em 25 de outubro de 2023 de uma publicação no TikTok ( .)

Na gravação, vê-se o que parecem ser imagens de câmera de segurança. Nelas, um homem olha dentro de um carro estacionado e, em seguida, entra em um outro veículo que está na visão da câmera. Nesse momento, o carro que estava estacionado explode e cerca de dez homens chegam na cena e se jogam ao chão. Poucos segundos depois, uma van branca aparece no vídeo e atua como se fizesse o socorro dessas pessoas.

O vídeo viral conta com uma narração em português que afirma mostrar a “indústria cinematográfica do Hamas”. “O que a gente está vendo aqui é um carro que será explodido como se Israel tivesse explodido ele”, diz o narrador.

As imagens circulam em meio ao conflito entre Israel e Hamas. Em 7 de outubro de 2023, combatentes do Hamas realizaram um ataque contra território israelense — o mais mortal desde que o país foi criado, em 1948. Em seguida, Israel declarou guerra e iniciou bombardeios contra a Faixa de Gaza.

Até a publicação desta checagem, mais de 1.400 pessoas foram mortas em Israel, segundo autoridades do país, e cerca de 240 foram feitas de reféns pelo Hamas. Mais de 8.500 palestinos foram mortos no conflito, a maioria civis, de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas.

Contudo, o vídeo não foi gravado nesse contexto e não mostra uma ação do movimento islamita palestino.

Vídeo de 2016

No canto superior das imagens viralizadas é possível observar uma marca d’água com a data 30/10/2016. De fato, uma busca reversa por trechos da gravação mostrou que ela circula desde aquele ano, em publicações em diversos idiomas (1, 2) que indicam que as cenas teriam ocorrido no Iraque.

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Captura de tela feita em 25 de outubro de 2023 de uma publicação do TikTok ( .)

Um dos resultados dessa busca foi uma publicação de Aric Toler, atual repórter de vídeo do The New York Times e anteriormente investigador visual no Bellingcat, veículo de jornalismo investigativo.

A postagem, feita em 4 de novembro de 2016, é ilustrada com o mesmo vídeo e divulga uma reportagem em que o Bellingcat investigou o contexto em que as imagens foram gravadas: “Este carro-bomba no Iraque foi uma farsa, uma cena de filme ou algo mais sinistro?”

No texto, é relatado como o vídeo surgiu na internet um dia após meios de comunicação locais e internacionais (1, 2) reportarem uma explosão em Bagdá citando como fonte a polícia e equipes médicas iraquianas.

Com base nesse contexto, o veículo investigativo comparou o vídeo viralizado com imagens feitas por agências internacionais no local da explosão relatada em Bagdá e pôde confirmar que ocorreu em Al-Hurriyah, no noroeste da capital do Iraque.

A AFP, assim como a agência AP e o veículo RT Árabe, esteve no local um dia após a explosão para registrar fotos (1, 2, 3).

Pelos registros, é possível confirmar que se trata do mesmo local do vídeo viral.

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Comparação feita em 30 de outubro de 2023 entre o vídeo no TikTok (E) e a foto feita pela AFP em 31 de outubro de 2016, um dia depois da explosão ( .)

Na época em que o vídeo foi publicado nas redes sociais, várias teorias sobre qual seria o contexto e os autores da explosão surgiram. No entanto, a explicação só veio à tona em 2018.

Operação de Inteligência

Em 26 de agosto de 2018, o jornal britânico Daily Mail fez uma reportagem sobre o mesmo vídeo revelando que as imagens faziam parte de uma operação secreta da Célula de Inteligência Falcon do Iraque. Na operação, um espião se infiltrou no Estado Islâmico (El) para frustrar ataques do grupo.

Segundo o Daily Mail, o capitão Harith al-Sudani trabalhou como agente infiltrado durante 16 meses e tinha a função de transportar bombas para o Estado Islâmico antes de detoná-las. Com isso, ele frustrava os ataques entregando as bombas do El para a equipe do Falcon desativar. Depois, implantava dispositivos menores e vítimas falsas para encenar um ataque — como o que aparece nas imagens virais compartilhadas em 2023 e atribuídas ao Hamas. A intenção era que os líderes do El acreditassem que os planos tinham dado certo.

Dessa forma, o capitão teria frustrado 30 ataques com carros-bomba e 18 com homens-bomba em operações.

Em outubro de 2016, as forças de segurança iraquianas lançaram uma ofensiva para retomar o controle do último grande reduto do EI no país, que vivia um grande deslocamento de civis.

A reportagem do Bellingcat, produzida em 2016, foi atualizada em 7 de novembro de 2019 informando a autoria da explosão e linkando a essa matéria do Daily Mail.

Em agosto de 2018, o The New York Times também escreveu um artigo sobre o trabalho desse espião.

Com base em entrevistas com um diretor da agência de Inteligência do Iraque e com integrantes da unidade de al-Sudani, a reportagem traz mais detalhes sobre como o espião se infiltrou no Estado Islâmico e como eram as missões que contavam, inclusive, com comunicados falsos para a imprensa.

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos que circulam atrelados ao conflito entre o Hamas e Israel em 2023.

Essa alegação também foi checada pelo Estadão Verifica e pela Reuters.

Referências

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