Foto de feixe de luz não revela que os incêndios no Havaí foram causados por armas a laser

Uma foto em que se vê um feixe de luz no horizonte não prova que os incêndios registrados em agosto de 2023 na ilha de Maui, no Havaí, foram provocados por ataques de armas de energia dirigida ou a laser, ao contrário do que afirmam publicações nas redes sociais visualizadas milhares de vezes desde o dia 10. A imagem data ao menos de 2018 e, embora até 17 de agosto de 2023 ainda não se saiba o que iniciou o fogo, especialistas contactados pela AFP explicaram que o arquipélago estava em alerta pelas altas temperaturas e pela falta de chuva.

“Um vídeo mostra oque pode ter ocorrido o incêndio no Havaí deixando a cidade em cinzas. Seria um raio laser vindo do céu, o autor do vídeo que a cidade Maui no Havaí foi alvo da chamada ‘arma de energia direta’ onde causou mai de 100 mortes sendo a pior nos últimos 100 anos EUA”, diz o texto sobreposto a uma das imagens em publicações compartilhadas no Kwai e no Facebook.

Publicações semelhantes também circulam em inglês e em espanhol.

Image
Captura de tela feita em 18 de agosto de 2023 de uma publicação no Facebook (.) ( .)

Desde 8 de agosto de 2023, uma série de incêndios tem assolado várias localidades do estado do Havaí, principalmente na ilha de Maui. As queimadas têm sido consideradas como um dos desastres naturais mais mortais da história recente dos Estados Unidos, com mais de 100 mortes e 2.200 edifícios danificados até 16 de agosto de 2023.

Foto de ao menos 2018

Algumas publicações compartilham um tuíte em inglês de 10 de agosto de 2023 assegurando que a foto é de Maui “há duas noites”. “Foi um ataque!!!!!!?”, questiona o texto.

Uma busca reversa pelas imagens no Google e no TinEye apontaram que o resultado mais antigo da fotografia na internet é uma publicação no Facebook do usuário Travis Secrest, em 16 de janeiro de 2018, em resposta a uma publicação do jornal The Canton Repository sobre um incêndio controlado na refinaria Marathon Petroleum, em Ohio.

Consultado pela AFP, Secrest explicou em 17 de agosto de 2023 que ele foi o autor da foto em janeiro de 2018 quando estava na casa de seus pais. “Originalmente vi o pilar de luz enquanto estava fora de casa. Parecia que tinha um incêndio em cima da colina”, recordou.

Secrest também explicou que dirigiu até o alto da colina e viu que a luz, “na realidade, vinha da refinaria de petróleo Marathon Oil”.

Os metadados das imagens fornecidas por Secrest à AFP revelam que elas foram tiradas na terça-feira, 16 de janeiro de 2018, às 19h50, nas coordenadas 40.742, -81358, em Canton, Ohio, a 5,8 quilômetros de distância da refinaria Marathon Petroleum.

Image
Captura de tela feita em 17 de agosto de 2023 do Google Maps com a distância entre o local do registro e a refinaria Marathon Petroleum ( .)

“Devido às temperaturas muito baixas, havia muitos cristais de gelo no ar e, combinado com o fato de que a refinaria de petróleo estava fazendo uma de suas queimadas controladas, tornou a chama significativamente mais alta do que o normal”, assinalou o autor da imagem, que afirmou ter feito a foto com um celular a partir de uma distância de cerca de seis quilômetros à noite.

“A resolução das imagens não tem muita claridade, o que faz com que as imagens pareçam muito mais dramáticas do que eram na vida real”, comentou.

Teorias da conspiração

Embora as autoridades não tenham identificado o que desencadeou os incêndios em Maui, não há evidências de armas de energia dirigida ou a laser envolvidas.

Mike Rothschild, especialista no movimento QAnon e autor do livro “Jewish Space Lasers”, explicou à AFP em 11 de agosto de 2023 que “é fácil usar essas imagens como ‘prova’ do que ‘eles’ estão fazendo conosco para promover sua agenda sobre a mudança climática e o controle social”.

Além disso, assegurou que “as pessoas, desesperadas por obter respostas, preferem acreditar nas armas espaciais do que na realidade da crise climática”.

O mesmo assinalou Michael Gollner, professor associado de Engenharia Mecânica na Universidade da Califórnia-Berkeley, que investiga a dinâmica do fogo, que explicou que, “obviamente, essas são acusações realmente loucas”.

Image
Casas destruídas na cidade de Lahaiana após os incêndios florestais em Maui, no Havaí, em 10 de agosto de 2023 ( AFP / Patrick T. Fallon)

“Apesar da fonte da ignição ser desconhecida, ela poderia vir de linhas elétricas danificadas pelos ventos ou qualquer outra fonte acidencial em potencial”, disse, acrescentando que “com ventos tão fortes e uma grande quantidade de pasto seco ao redor da comunidade, não há necessidade de uma ignição do ‘espaço’, qualquer faísca no solo propagaria esse fogo incrivelmente rápido, como vimos”.

Iain Boyd, diretor do Centro de Iniciativas de Segurança Nacional da Universidade do Colorado e especialista em armas de energia dirigida, assinalou à AFP em um e-mail em 11 de agosto de 2023 que, “embora seja possível que um laser de alta energia disparado contra a vegetação seca possa causar um incêndio, existem muitas outras explicações possíveis”.

No caso dos incêndios em Maui, Boyd indicou que não há evidências de que esse seja o caso. A imagem “não me parece um laser de alta energia disparado do céu”. Isso se deve, argumentou, ao fato de que “os lasers modernos de alta energia utilizados para as armas funcionam em um comprimento de onda infravermelha que não se pode ver a olho nu”.

Além disso, “para produzir os efeitos vistos no solo seria necessário um laser de potência incrivelmente alta que não poderia voar nem operar no espaço”.

Advertência de bandeira vermelha

A diretora de assuntos públicos do Serviço Meteorológico Nacional dos Estados Unidos, Susan Buchanan, comentou à AFP em 11 de agosto de 2023 que a agência já havia alertado com antecedência aos funcionários locais “sobre as perigosas condições climáticas de incêndios nas ilhas havaianas”, e também havia emitido uma advertência de bandeira vermelha.

“Uma combinação de vegetação seca, fortes ventos, ar seco e baixa umidade relativa ajudou a propagar os incêndios mortais assim que começaram”, explicou.

Thomas Smith, professor associado de Geografia Ambiental da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, comentou que “os incêndios florestais não são incomuns no Havaí”.

E acrescentou que a gravidade das queimadas em Maui se deve “à vegetação que nas áreas das terras baixas de Maui está particularmente ressecada este ano, com precipitações abaixo da média na primavera e quase nenhuma precipitação neste verão”. Soma-se a isso que “as temperaturas têm estado acima da média”.

“Isso é importante porque a baixa umidade relativa provoca um comportamento do fogo mais extremo, e se a umidade relativa permanece baixa durante a noite, os incêndios se tornam difíceis de controlar e podem propagar-se durante vários dias”, concluiu.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco