Publicações deturpam conselhos para testes de rastreamento de câncer em mulheres trans

A Sociedade Canadense de Câncer não recomendou o exame de colo do útero para mulheres transgênero, como alegam publicações compartilhadas dezenas de vezes nas redes sociais desde 18 de março de 2023. A organização aconselhou que essas pessoas sejam submetidas aos exames pertinentes com base em seus históricos de saúde, já que, segundo especialistas consultados pela AFP, os riscos à saúde podem mudar após cirurgias de redesignação de sexo, por exemplo.

“AHHHHH NÃO! NÃO NÃO……, QUEREM ENLOUQUECER AS PESSOAS? OU ESTÃO BRINCANDO? OU QUEM SABE SÃO OS LOUCOS QUE ESTÃO SE MANIFESTANDO?”, diz a legenda de uma publicação no Facebook. Conteúdo semelhante circula no Twitter.

“A Canadian Cancer Center recomenda o rastreamento do câncer de colo do útero para homens que se identificam como mulheres”, lê-se em uma captura de tela.

As alegações também estão sendo compartilhadas em espanhol e inglês.

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Captura de tela feita em 4 de abril de 2023 de uma publicação no Twitter ( .)

As publicações compartilham um artigo publicado em inglês com data de 15 de março de 2023 em um site que diz ser de “notícias e opinião feminista”.

O texto contém uma captura de tela do site da Sociedade Canadense de Câncer (CCS, na sigla em inglês) com a pergunta: “Como mulher trans, preciso fazer o exame de câncer cervical?”, juntamente com a foto de uma pessoa e a frase, também em inglês, “Faça o teste o quanto antes para ajudar a vencer a batalha contra o câncer”.

No entanto, a captura de tela viral corta a resposta original da instituição e exclui o texto: “Se você é uma mulher trans e não fez cirurgia íntima, não corre o risco de [desenvolver] câncer cervical, ou câncer de colo do útero.

O site do CCS menciona o exame de Papanicolau, um método de detecção cervical para identificar alterações celulares precoces que podem levar ao câncer no colo do útero, mas não o recomenda para mulheres transgênero.

A organização observa que, para mulheres trans que passaram por “cirurgia íntima para criar uma vagina (vaginoplastia) e possivelmente um colo do útero, há um risco muito pequeno de desenvolver câncer nos tecidos da neovagina ou neocérvix”.

“O risco depende do tipo de cirurgia que você fez, do tipo de tecido usado para criar a vagina e o colo do útero, e seu histórico de saúde pessoal. Converse com o seu médico para descobrir suas necessidades específicas de triagem de câncer como parte de sua saúde pélvica geral após a cirurgia”.

A instituição recomenda que se uma mulher transgênero passou por uma cirurgia de redesignação de sexo, ela deve analisar com seu médico o risco pessoal de desenvolver câncer de neovagina ou neocérvix, e desenvolver um plano de rastreamento de câncer que funcione para ela.

“Quanto mais cedo o câncer for detectado, melhores serão as opções de tratamento e os resultados”, disse Sandra Krueckl, vice-presidente de Serviços de Missão, Informação e Apoio do CCS, em um e-mail enviado à AFP em 22 de março de 2023.

Riscos de câncer

Uma vaginoplastia não pode replicar a estrutura celular de um colo do útero, de acordo com a Cancer Research UK, uma organização de pesquisa independente. No entanto, o tecido que forma a neocérvix e a neovagina apresenta um pequeno risco de desenvolver câncer.

Catherine Flood, uroginecologista da Universidade de Alberta, no Canadá, disse à AFP no último dia 25 de março que as pessoas que se submeteram à cirurgia de redesignação sexual não precisam fazer o exame de Papanicolaou.

Ela recomenda que as mulheres transexuais e qualquer pessoa que não tenha sido imunizada contra o papilomavírus humano (HPV, na sigla em inglês) sejam vacinadas, pois essa infecção pode levar a vários tipos diferentes de câncer.

Se uma mulher transgênero foi “vista como um homem quando era mais jovem”, ela pode não ter recebido a vacina porque inicialmente, no Canadá, ela era aplicada apenas em meninas, explicou Flood por e-mail.

Eduardo Franco, diretor da Divisão de Epidemiologia do Câncer da Universidade McGill, no Canadá, disse à AFP, na mesma data, que os riscos de pessoas transexuais desenvolverem câncer dependem do sexo que lhes foi atribuído ao nascer e se foram submetidas à cirurgia de redesignação.

Ele observou que, embora as pessoas que fizeram vaginoplastia corram o risco de câncer vaginal, qualquer pessoa nascida com próstata corre o risco de ter câncer de próstata.

“À medida que mulheres e homens trans se tornam mais prevalentes na população, precisamos pensar em comunicar os riscos de câncer para as pessoas se ajustarem à sua situação”, destacou Franco.

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos falsos ou enganosos sobre a comunidade LGBT (1, 2, 3).

Referências

6 de abril de 2023 Atualiza tipografia da imagem de capa

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