Imagem “vazada” de Julian Assange na prisão foi gerada por Inteligência Artificial

“É impressionante essa última foto do Assange. Esse tratamento desumano é a Justiça do chamado Mundo democrático?”, questiona uma das publicações no Twitter. O conteúdo circula também no Instagram e no Facebook, com usuários alegando que a foto teria sido “vazada”.  

Publicações semelhantes circularam em francês, espanhol, inglês, alemão e holandês, também com legendas indicando que essa seria uma foto autêntica do fundador do Wikileaks, que há mais de 10 anos publicou mais de 700.000 documentos confidenciais sobre as atividades diplomáticas e militares norte-americanas, e que atualmente está detido no Reino Unido.

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Captura de tela feita em 5 de abril de 2023 de uma publicação no Twitter (.)

Mas esta não é uma foto verdadeira de Julian Assange, e sim uma imagem criada graças à ferramenta de inteligência artificial Midjourney, como afirmou seu criador à AFP, e o que também foi confirmado pela campanha de apoio à libertação de Assange e por sua esposa.

Detalhes que permitem duvidar da imagem

Observando a imagem, é possível ver alguns elementos que permitem duvidar que seja uma foto autêntica.

Neste caso, certos detalhes do rosto, incluindo a dobra de uma pálpebra, uma espécie de traço branco no nariz, bem como o material da roupa usada pelo homem ou o aspecto granulado dos ladrilhos no fundo da imagem são detalhes que podem indicar uma imagem gerada artificialmente.

Além disso, uma marca d'água é visível na diagonal na foto, com a mensagem: "foto de propriedade de 'E'".

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Captura de tela feita em 5 de abril de 2023 de uma publicação no Twitter com elementos destacados (.)

Uma busca reversa pela imagem junto às palavras “Julian Assange” levou a uma publicação no Twitter de 30 de março feita pelo perfil “The Errand Friend”.  

“Vocês devem absolutamente libertar Julian Assange. É uma questão de tempo, de urgência. Ele não tem mais um ano para esperar atrás das grades enquanto a roda da ‘justiça’ o esmaga lentamente. Agora é o momento. Agora é quando vocês devem falar, quando devem se levantar. #LiberteAssangeAGORA”, diz a legenda da publicação, em tradução livre.

A conta publica regularmente imagens geradas por inteligência artificial de diversas personalidades, como Donald Trump. Em 17 de março, o perfil já havia publicado uma outra imagem de Julian Assange, sentado em um local que remonta a uma cela, sobre a qual também aparece a marca d’água "Photo property of E" ou “foto propriedade de E”, em tradução para o português.

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Captura de tela feita em 4 de abril de 2023 de uma publicação no Twitter (.)

Em 31 de março, no Telegram, o usuário celebrou o fato de a imagem ter se tornado “hiper viral”, como forma de atrair a atenção para a situação de Julian Assange. 

No dia seguinte, em 1º de abril, o perfil publicou outra mensagem confirmando que era o autor da imagem e indicando que a havia criado para “tornar real o sofrimento relatado" por Julian Assange.

Contactado pela AFP via Twitter, “The Errant Friend” confirmou que é o autor da imagem em 5 de abril de 2023.

Ele afirmou ser um “ex-desenvolvedor central do AssangeDAO [um projeto que apoia a libertação do fundador do Wikileaks, nota do editor] e outros projetos relacionados a Assange”, e explicou que gerou essa imagem usando a “versão 5 de MidJourney, um gerador de imagens por Inteligência Artificial” e também acrescentou uma marca d'água "para que as pessoas entendam de onde vem".

“Minha intenção era criar uma imagem a partir de eventos documentados sobre a situação de Julian. Após sua prisão, ele foi proibido de aparecer em público, inclusive em seu próprio julgamento. Isso significa que o público não pode testemunhar o que foi feito com ele, embora haja evidências de seu declínio mental e físico”, afirmou à AFP.

Em setembro de 2020, Julian Assange participou por videoconferência em seu julgamento de extradição. Naquele mesmo ano e no ano anterior, ele havia faltado a várias outras audiências por questões de saúde, como reportado pela mídia à época.

Em janeiro de 2021, a justiça britânica recusou o pedido de fiança de Julian Assange, e sua detenção foi descrita como "arbitrária" pela ONG Anistia Internacional.

Desmentido por pessoas próximas a Assange

Além disso, o comitê de apoio ao fundador do Wikileaks, “Don’t extradite Assange”, confirmou à AFP em 4 de abril que “a imagem que circula online foi gerada por IA”, e que ela não é, portanto, uma imagem que mostra “a realidade”.

Stella Assange, esposa de Julian, que não compartilhou a imagem em suas redes sociais, confirmou em 4 de abril que ela não é autêntica.

“Eu sei que existem imagens de Julian criadas por inteligência artificial que circulam nas redes sociais. Se eu não compartilho essas imagens, está claro que elas não são fotos verdadeiras”, respondeu à AFP, diante de jornalistas presentes em 4 de abril diante da prisão onde está detido seu marido em Londres.

O comitê “Don’t extradite Assange” também reiterou à AFP sua "preocupação com a extradição solicitada pelos Estados Unidos" de Julian Assange, considerando que este se encontra "atualmente em prisão preventiva em condições desumanas na prisão de alta segurança de Belmarsh, no Reino Unido", referindo-se a um comunicado publicado em 24 de março de 2023 sobre o tema.

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Apoiadores de Julian Assange participam da marcha “Carnaval por Assange” em Londres em 11 de fevereiro de 2023 (AFP / Susannah Ireland)

Em 4 de abril, Christophe Deloire e Rebecca Vincent, secretário geral e diretora de operações da ONG Repórter sem Fronteiras (RSF) foram “proibidos de entrar” para visitar Assange, ainda que estivesse prevista uma entrevista com ele, como relatado pela RSF em um comunicado publicado em 4 de abril.

RSF denunciou a decisão “absurda” das autoridades britânicas em recusar a visita, apesar de uma autorização prévia, como detalhado pela AFP. 

Assange detido desde 2019

Preso pela polícia britânica em 2019 após sete anos recluso na embaixada do Equador em Londres, Julian Assange está detido em Belmarsh, nos arredores de Londres.

Ele apelou de uma decisão tomada em abril de 2022 pelo governo britânico de extraditá-lo aos Estados Unidos, e aguarda a análise dessa apelação.

O cidadão australiano de 51 anos é procurado nos Estados Unidos por ter publicado a partir de 2010, mais de 700.000 documentos confidenciais sobre as atividades militares e diplomáticas norte-americanas, em particular no Iraque e no Afeganistão, dando origem a uma série de revelações publicadas por diversas mídias. Ele pode pegar 175 anos de prisão.

No final de novembro de 2022, cinco veículos de mídia (The New York Times, The Guardian, El País, Le Monde e Der Spiegel) apelaram para que o governo norte-americano abandone as queixas contra Julian Assange, como reportou a AFP.

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos gerados por inteligência artifical (1, 2).

Referências

• Publicação original de 30 de março da imagem pelo perfil The Errant Friend
• Publicação da imagem anterior de Assange por The Errant Friend
• Mensagem no Telegram de 31 de março
• Mensagem no Telegram de 1º de abril