Um homem passa diante de cartazes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em sua sede em Bruxelas, em 16 de novembro de 2022 ( AFP / John Thys)

O artigo 5° do tratado da Otan não “obriga” a uma resposta militar se um membro é atacado

Após a explosão de um míssil na Polônia em 15 de novembro de 2022, centenas de usuários nas redes sociais compartilharam mensagens afirmando que, com isso, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da qual o país europeu é membro, se veria “obrigada” a responder, por conta do artigo 5º do seu documento constitutivo. Apesar de a norma estabelecer o compromisso dos membros com a defesa coletiva a favor do Estado atacado, sua implementação não é automática nem exclusivamente militar, explicaram à AFP especialistas em Relações Internacionais e Direito Internacional.

Publicações compartilhadas no Twitter e Facebook asseguram que após o impacto de um míssil que matou duas pessoas na localidade polonesa de Przewodow, a ativação do “artigo 5º do Tratado da OTAN” desembocaria necessariamente em uma “guerra”.

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Captura de tela feita em 17 de novembro de 2022 de uma publicação no Twitter ( .)

Publicações similares foram compartilhadas em espanhol (1, 2).

A Otan é uma aliança militar e política de defesa coletiva criada em 1949 e formada atualmente por 30 países. Em seu documento constitutivo, o Tratado de Washington, o artigo 4º estabelece que “as Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes”.

Seu artigo 5º, ao qual se referem as publicações nas redes, assegura: “As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas”.

No entanto, as ações tomadas pelos Estados-membros diante desse tipo de situação não são “automáticas” nem implicam necessariamente uma resposta militar, como dizem as mensagens virais.

“Se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte”, continua o texto da norma.

E conclui: “Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque serão imediatamente comunicadas ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais”.

Cláusula de defesa coletiva

Luis Simón, diretor do Escritório do Real Instituto Elcano em Bruxelas e professor de Relações Internacionais na Vrije Universiteit Brussel, disse à AFP que o artigo 5° “é a cláusula de defesa coletiva, é um pouco o centro de gravidade do Tratado de Washington e da Otan”.

O especialista detalhou que o texto estabelece um compromisso dos Estados-membros de defender quem tenha sido atacado, porém esclareceu que “não é automático”, mas que “requer que se acione o Conselho do Atlântico Norte, [órgão] onde estão todos os representantes permanentes dos Estados junto à Otan”.

Consultado sobre o processo pelo qual se implementa o estabelecido nesse artigo, Federico Merke, diretor do mestrado em Política e Economia Internacionais da Universidade de San Andrés, na Argentina, explicou: “Um Estado atacado por um ator externo à aliança pode invocá-lo, embora também possa ser invocado por outros Estados-membros da aliança”.

Merke também destacou o papel do Conselho do Atlântico Norte, que definiu como “o principal órgão decisório” da Otan, e que, acrescentou, “deve avaliar o fato e coordenar a reação” dos membros da Aliança que não tenham sido diretamente atacados.

Em 16 de novembro, após uma reunião do Conselho, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, convocou uma coletiva de imprensa na qual disse não dispor de indícios de um “ataque deliberado à Polônia” nem de que a Rússia esteja preparando ações ofensivas contra a Otan.

Medidas

“O artigo 5° supõe solidariedade e assistência mútua, mas não obriga os membros ao uso da força contra o agressor; supõe que o uso da força é uma alternativa, mas a reação pode variar em função do que cada membro pode aportar segundo suas capacidades. Os Estados podem ajudar com material bélico, com tropas, mas também oferecendo bases de operações ou inteligência, entre outras formas de colaboração”, detalhou Merke.

Simón, por sua vez, destacou que, inclusive dentro das ações militares, “o leque é muito amplo” e inclui o envio de aviões de vigilância aérea e maior cooperação em inteligência, entre outros. “Pode-se ir desde ações mínimas no tocante à intensidade militar, a ações máximas, como a declaração de guerra”, disse.

As medidas não militares, detalhou, podem ser boicotes diplomáticos, sanções econômicas etc. “O artigo 5° não limita nem restringe [as medidas que os membros podem implementar], expressou o pesquisador.

Como explicou o cientista político espanhol Daniel Gil, “os aliados têm obrigação de ajudar, não de ajudar de uma maneira concreta”.

E o artigo 4°?

Para além do artigo 5°, os especialistas chamam a atenção também para a importância do artigo 4° do tratado.

“O que deve ser observado hoje não é o artigo 5°, mas sim o 4°, que não tem a ver com o ataque de um ator externo, mas sim com a preocupação que possa sentir um membro por sua segurança e ativar [assim] um mecanismo de consulta entre os membros”, disse Merke.

Diferentemente do artigo 5°, que foi invocado apenas uma vez, após os ataques de 11 de setembro de 2001 contra Nova York e Washington, Merke detalhou que o artigo 4° foi invocado “pelo menos sete vezes diante de distintas crises e escaladas diplomáticas”.

Guilherme Bystronski, professor de Direito Internacional da Damásio Educacional, disse à AFP que o artigo 4° foi invocado desde o começo do conflito na Ucrânia. “Desde fevereiro os países da Otan estabeleceram frequentemente consultas entre si para poder coordenar toda a ajuda que foi enviada à Ucrânia nestes últimos meses”, explicou, apontando que “vem sendo invocado constantemente no marco do Tratado de Washington de 1949”.

“Com a notícia do míssil que caiu sobre o território da Polônia anteontem [15 de novembro de 2022] e matou duas pessoas, a Polônia novamente requereu consultas com base no artigo 4° para que pudesse, nesse contexto, definir o que se faria como resposta aos acontecimentos”, detalhou Bystronski.

Os líderes ocidentais diminuíram os temores de que a explosão de um míssil na Polônia arrastasse a Otan para o conflito entre Rússia e Ucrânia, ao considerar que se tratava de um projétil extraviado da defesa antiaérea ucraniana.

Em 16 de novembro, a Otan e a Polônia também haviam afirmado que provavelmente se tratava de um míssil da defesa ucraniana disparado para se defender dos ataques da Rússia. Moscou negou estar envolvida.

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