Enfermeira prepara uma dose de reforço do imunizante da Pfizer em um centro de vacinação na Inglaterra, em 20 de setembro de 2021 ( AFP / Paul Ellis)

Dados brutos de óbitos de covid por status vacinal não provam que imunizantes não funcionam

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  • Publicado em 9 de março de 2022 às 23:18
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Circula nas redes sociais a alegação de que o governo do Reino Unido divulgou um relatório afirmando que pessoas totalmente vacinadas representam 9 em cada 10 mortes por covid-19 na Inglaterra atualmente. Mas o número corresponde ao grupo de vacinados com uma, duas e três doses, e o governo britânico destaca que os óbitos listados são brutos e não devem ser usados para estimar a efetividade de vacinas, pois “não levam em conta vieses inerentes presentes, como diferenças entre risco, comportamento e testagem em populações vacinadas e não vacinadas”. Especialistas apontaram à AFP que, sem considerar o contexto das mortes, as cifras podem desinformar, mesmo que sejam reais.

“Enquanto você se distrai com a invasão da Rússia, o governo do Reino Unido divulgou um relatório confirmando que os totalmente vacinados agora representam 9 em cada 10 mortes por Covid-19 na Inglaterra”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter.

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Captura de tela feita em 7 de março de 2022 de uma publicação no Twitter ( . / )

Algumas mensagens são acompanhadas por um gráfico que mostraria o número de óbitos por covid-19 segundo o status vacinal na Inglaterra. Uma busca por palavras-chave em inglês com o site marcado no canto inferior esquerdo desse quadro, “TheExpose.uk”, levou a um artigo publicado em 1º de março de 2022. A AFP já verificou conteúdos divulgados nesse portal em outras ocasiões.

Em tradução livre do inglês, o texto tem como título: “Enquanto você esteve distraído com a invasão da Rússia, o governo do Reino Unido divulgou um relatório confirmando que totalmente vacinados agora correspondem a 9 em cada 10 mortes por covid-19 na Inglaterra”. O artigo compartilha dados sobre vacinados e não vacinados na Inglaterra e cita como fonte um relatório de vigilância do governo britânico publicado em 24 de fevereiro de 2022.

O link para esse artigo foi compartilhado centenas de vezes em idiomas como inglês, espanhol, francês e italiano, segundo mostra uma pesquisa na ferramenta CrowdTangle.

Relatório oficial

Uma nova busca por palavra-chave no Google com os termos “uk report vaccines week 8”, mencionados no artigo, permitiu encontrar o documento oficial e identificar a tabela que serviu como base para as publicações viralizadas.

Nela, são descritas as mortes por covid-19 por status de vacinação e por faixa etária na Inglaterra, 28 dias depois de um teste positivo para a doença, entre 30 de janeiro e 20 de fevereiro de 2022.

Há, no total, 4.883 óbitos registrados nesse período. Excluindo as mortes listadas como “unlinked”, correspondentes a indivíduos cujo número de cadastro no sistema público de saúde não está disponível, chega-se à cifra total compartilhada por usuários: 4.861.

Desses, 3.120 equivalem a indivíduos que receberam três doses da vacina, ao que o Exposé UK destaca: “Isso confirma mais uma vez que a grande maioria [de mortes] foi registrada entre a população triplamente vacinada”.

Contudo, ao contrário do que afirmam as publicações, essa população “totalmente vacinada” representa 6,4 em cada 10 mortes por covid-19 na Inglaterra, e não 9. O grupo correspondente a essa métrica (9 em cada 10) é o que soma vacinados com uma, duas e três doses.

Além disso, o portal não inclui em sua representação visual a ressalva contida no relatório, que destaca que os dados “devem ser interpretados com cuidado”. Na nota de rodapé da tabela, o governo britânico ressalta:

E finaliza sua observação: “Isso é especialmente verdade porque a vacinação foi priorizada em indivíduos que são mais suscetíveis ou enfrentam maior risco de desenvolver a doença grave”.

A imagem abaixo mostra essas notas sobre a interpretação dos dados:

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Captura de tela feita em 7 de março de 2022 da tabela 12 do relatório de vigilância do governo do Reino Unido ( . / )

Entre as pessoas mais suscetíveis a desenvolverem a forma grave da doença que tiveram a vacinação priorizada, e portanto têm altas taxas de vacinação, inclusive com três doses, está o grupo de imunossuprimidos.

Essa população, que “não tem o sistema imunológico funcionando em sua perfeita normalidade”, como explicou ao Checamos o imunologista e pesquisador de vacinas na Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Cabral em outubro de 2021, atingiu a marca de 87,5% de vacinados na Inglaterra em fevereiro de 2022, segundo mostra a tabela 5 do mesmo relatório.

Assim como a imunossupressão, idade e outras comorbidades também são fatores de risco que devem ser considerados ao analisar dados de óbitos por covid-19, acrescentou Mauro Sanchez, epidemiologista da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Cidacs/Fiocruz.

“O sistema imunológico do idoso não tem a mesma capacidade de resposta que o de uma pessoa de 30, 40 anos. As comorbidades também geram um risco aumentado”, afirmou Sanchez à AFP em 16 de fevereiro de 2022, ressaltando, contudo, que isso não tira a validade e importância da vacina contra o SARS-CoV-2, que impede que o número de mortes por covid-19 seja maior.

Falácia da taxa base

Um artigo publicado em 23 de novembro de 2021 na plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, explica por que não se deve olhar para números absolutos de mortes entre pessoas vacinadas e não vacinadas, e, em vez disso, analisar taxas de óbitos por status vacinal.

O texto ressalta a necessidade de considerar que, em um número cada vez maior de países, o contingente de indivíduos vacinados é muito maior do que o de não vacinados.

É o que também disse ao Checamos o cientista de dados Marcelo Oliveira, integrante do Infovid, grupo interdisciplinar dedicado à divulgação de informações científicas sobre a covid-19.

“A taxa base corresponde a quanto algo é esperado em determinada população”, explicou, usando uma analogia para elucidar como ocorre a falácia da taxa base: “Seria o mesmo que olhar se os que morreram eram canhotos ou destros, ver que destros são 90% dos óbitos e dizer que ser destro é comorbidade. A população no geral é 90% destra”.

O médico Marc Rumilly abordou o mesmo fenômeno em sua conta no Twitter, com um diagrama comparando hospitalizações por covid-19 entre grupos de não vacinados e de vacinados:

De acordo com um painel oficial atualizado em 8 de março de 2022, 91,6% da população da Inglaterra havia recebido uma dose da vacina; 85,3%, duas doses; e 66,1%, três doses.

Óbitos por 100 mil habitantes

Em outro trecho do relatório britânico, há uma tabela que informa sobre taxas de infecção, hospitalização e mortes por covid-19 entre indivíduos vacinados com pelo menos três doses e não vacinados.

Uma comparação entre as taxas de óbito por 100 mil habitantes entre essas pessoas nos mesmos 28 dias após o teste positivo para covid-19 mostra que, quando a taxa é ajustada ao tamanho da população, a incidência de mortes entre os vacinados é menor.

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Captura de tela feita em 7 de março de 2022 da tabela 13 do relatório de vigilância do governo Reino Unido, com destaque para taxas de óbito por 100 mil habitantes ( . / )

Portanto, ainda que as cifras apresentadas nas mensagens virais correspondam às mortes de vacinados com uma, duas e três doses, elas não equivalem aos “totalmente vacinados” e desinformam, já que não levam em conta as variáveis inerentes aos dados. “Não adianta comparar números absolutos sem o devido contexto”, concluiu Oliveira.

Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.

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