As vacinas anticovid ainda são monitoradas na fase 3, mas já mostraram eficácia e segurança
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 16 de outubro de 2021 às 00:15
- Atualizado em 16 de outubro de 2021 às 00:27
- 7 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2024. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“Não acredita ? TODAS em fase 3 de EXPERIMENTAÇÃO… Entendeu ? Confira os links: P-fi-zer: Data ESTIMADA do término completo do estudo: 2 de Maio de 2023
https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04368728 Jans-sen: Data ESTIMADA do término completo do estudo: 2 de Janeiro de 2023 https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04505722 Astra-Zeneca: Data ESTIMADA do término completo do estudo: 14 de Fevereiro de 2023 https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04516746… Corona-Vac: Data de término completo do estudo: Fevereiro de 2022 https://www.clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04456595", diz uma das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3).
O conteúdo também circula no Instagram (1) e no Twitter (1, 2), onde usuários afirmaram que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) considera “experimentais” as vacinas aprovadas para uso emergencial.
Duração estimada
As postagens viralizadas são acompanhadas de uma imagem que contém os links e os números de identificação de cada um dos estudos de fase 3 das quatro vacinas em aplicação no Brasil (Pfizer, Janssen, AstraZeneca e CoronaVac) registrados na plataforma ClinicalTrials.gov. Esse site, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, é uma base de dados de pesquisas clínicas privadas e públicas em diversos países do mundo, alguns ainda em andamento e sem avaliação final.
Uma busca nesse site pelas datas mencionadas para o término das análises nas publicações mostrou que realmente constam como “Data Estimada de Conclusão do Estudo” nesses documentos. De acordo com o glossário do Clinical Trials, essa data é definida como aquela “em que o último participante em um estudo clínico foi examinado ou recebeu uma intervenção/tratamento para coletar dados finais para as medidas de resultados primários, medidas de resultados secundários, e eventos adversos (isto é, na última visita do último participante)”.
No entanto, segundo Jorge Kalil, professor titular de imunologia clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), essa duração é esperada. “Normalmente, um estudo clínico de fase 3 de vacinas dura dois anos. (...) Mas já tem dados suficientes para que [as vacinas contra covid-19] fossem aprovadas. E as observações continuam em termos de efeitos adversos e também de efetividade das vacinas”, afirmou ao Checamos.
Fases de desenvolvimento de uma vacina
Para que uma vacina, como as desenvolvidas contra covid-19, chegue até a população é realizada uma fase pré-clínica de pesquisas com animais. Depois disso, os estudos clínicos em humanos são classificados em estudos de Fase I, Fase II, Fase III e Fase IV. A quarta e última fase é aquela na qual a vacina é disponibilizada para o público, e quando seus efeitos são monitorados na população, como explica o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fiocruz.
Claire Roger, especialista da companhia farmacêutica GSK e ex-presidente do comitê de vacinas da Associação Francesa de Empresas Farmacêuticas (LEEM), afirmou à AFP em janeiro de 2021 que as autoridades sanitárias são muito rigorosas com relação às vacinas: “Em todos os momentos, se houver dúvida sobre uma das etapas, tudo se interrompe, é estudado detalhadamente e, se surgir a menor dúvida, tudo é jogado fora e se recomeça”.
O desenvolvimento de uma vacina é um processo que levaria, em média, dez anos, como explica a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). “Porém, as vacinas contra a COVID-19 são o resultado de anos de pesquisa sobre novas tecnologias e se baseiam nas lições aprendidas ao longo de anos de trabalho para desenvolver vacinas contra SARS e MERS, assim como nas vacinas já disponíveis contra o Ebola”, explica a entidade.
Além disso, como observa este artigo da revista Nature, os fabricantes iniciaram a produção em larga escala dos imunizantes quando ainda estavam sendo testados.
“O que ocorreu de forma excepcional para a covid-19, foi a execução simultânea das fases, visando acelerar o processo diante da escalada de mortes. (...) [Mesmo assim] o acompanhamento da fase 3 continua. Isso é normal. Então sim, os estudos de fase 3 continuam em andamento, assim como a fase 4 - que é um outro tipo de monitoramento, dessa vez populacional”, afirmou Rafael Dhalia, doutor em Biologia Molecular e especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ao Checamos.
E acrescentou:
A diferença entre o monitoramento que é feito entre os voluntários durante a fase 3 e o monitoramento populacional na fase 4, explica Kalil, é que os participantes da pesquisa clínica são observados detalhadamente. “Existem visitas médicas regulares, coleta de sangue, uma série de coisas feitas mais de perto. Já a fase 4 é um estudo observacional, em que você observa o que está acontecendo na comunidade”, pontuou.
Diante da dimensão da crise sanitária, os imunizantes contra a doença foram aprovados em caráter emergencial em um processo “adotado em todo o mundo durante a pandemia”, como explicou a Anvisa ao Checamos em julho de 2021.
O registro emergencial, concedido inicialmente pela Anvisa para as quatro vacinas aplicadas no Brasil, permite o uso de imunizantes com os estudos ainda em andamento. Já o registro definitivo “é a avaliação completa com dados mais robustos dos estudos de qualidade, eficácia e segurança”, explica a Agência.
Atualmente, duas das quatro vacinas contra a covid-19 em uso no país já têm o registro definitivo: a Pfizer e a AstraZeneca.
Dados de fase 3
Procurada pelo Checamos em 29 de setembro de 2021, a Anvisa negou que as vacinas contra a covid-19 em uso no país sejam “experimentais” e afirmou que as datas indicadas na plataforma Clinical Trials são estimativas definidas pelas próprias empresas no início dos estudos.
“Todas as vacinas em uso no Brasil tiveram condução de estudo de fase 3 de pesquisa clínica e já encerraram esta etapa. Nenhuma vacina em uso no país foi dispensada de apresentação de dados de fase 3 da pesquisa clínica”, disse ao Checamos.
A agência acrescentou, ainda, que “todos os estudos de fase 3 preveem o monitoramento a longo prazo dos participantes da pesquisa. Formalmente, o estudo só termina quando for encerrado o monitoramento dos voluntários”.
O Checamos também entrou em contato com as empresas fabricantes dos imunizantes a respeito da data estimada para a conclusão dos estudos de fase 3.
A Pfizer assinalou que o estudo clínico de Fase 3 da vacina ComiRNAty (BNT162b2) foi iniciado no final de julho de 2020, tendo concluído a inclusão de participantes em janeiro de 2021. Seus resultados foram publicados na revista científica New England Journal of Medicine em dezembro de 2020: “Por protocolo, os participantes continuarão sendo monitorados quanto à proteção e segurança em longo prazo por mais dois anos após a aplicação da segunda dose”.
A empresa Janssen forneceu explicação semelhante, ressaltando que o estudo de fase 3 foi elaborado prevendo acompanhamento por até dois anos dos voluntários e que os dados primários também já foram publicados.
O Instituto Butantan, responsável pela produção da CoronaVac no país, também afirmou que os pacientes continuam sendo monitorados até a data prevista para o término. A Fiocruz, que produz o imunizante da AstraZeneca/Oxford no Brasil, foi procurada pela equipe de checagem da AFP, mas não retornou até a data de publicação deste artigo.
Em resumo, é enganoso dizer que as vacinas contra a covid-19 são experimentais por não terem concluído os estudos de fase 3. As pesquisas foram desenvolvidas prevendo um monitoramento em longo prazo dos participantes e os imunizantes tiveram seus dados sobre eficácia e segurança validados por agências reguladoras ao redor do mundo.
O Checamos já verificou uma alegação similar de que as vacinas contra covid-19 seriam experimentais.
15 de outubro de 2021 Corrige a tipografia.