Vídeo produzido com inteligência artificial engana sobre descarte de resíduos de cruzeiros
- Publicado em 25 de novembro de 2025 às 15:56
- 4 minutos de leitura
- Por Alexis ORSINI, Sofia BARRAGAN, AFP França, AFP Argentina
- Tradução e adaptação AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
Os cruzeiros geram grandes quantidades de lixo e a sua gestão é regulada por normas internacionais. No entanto, desde novembro de 2025, circula nas redes sociais um vídeo com mais de 200 mil visualizações de um cruzeiro despejando uma grande quantidade de lixo no mar. Mas a sequência apresenta indícios de ter sido produzida com inteligência artificial (IA).
“Navio Cruzeiro jogando lixo no mar”, diz a legenda de um vídeo em que se vê uma cascata de lixo sendo despejada por um cruzeiro no mar que circula no Instagram, no Facebook, no TikTok e no YouTube.
O conteúdo também foi compartilhado em outros idiomas, como no inglês, no espanhol e no francês.
Mas a sequência foi gerada com inteligência artificial (IA).
O vídeo contém diversas inconsistências visuais, como a aparência excessivamente lisa da água, garrafas de plástico que possuem tampas em ambos os lados e resíduos que não se assemelham a nenhum objeto específico.
Além disso, aos 15 segundos da filmagem, é possível identificar uma mão distorcida:
De acordo com Juan Gustavo Corvalán, diretor do Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Buenos Aires (IALAB), a cena foi produzida com IA e “não se sustenta fisicamente porque a água não reage ao suposto fluxo de resíduos, não há nenhuma turbulência real. A dispersão do líquido tem uma textura claramente artificial e a queda não gera impacto nem respingos na superfície".
"Existem detalhes visuais que denunciam uma renderização, como as bordas excessivamente lisas do portão e do jato, e a espuma com padrões repetidos típicos de uma simulação", acrescentou.
Na gravação viral também é possível ver a inscrição “The Grand Aurelian” no casco do cruzeiro, como se fosse o nome da embarcação.
No entanto, a AFP não encontrou nenhum registro com esse nome nas bases de dados que registram as embarcações que navegam por todo o mundo, tampouco em sites de acompanhamento do tráfego marítimo como o VesselFInder.
Descarte de resíduos é regulamentado
Segundo a Organização Marítima Internacional (OMI), os cruzeiros geram grandes quantidades de resíduos. No entanto, a gestão desse lixo é rigorosamente regulamentada por normas internacionais.
Um relatório de 2023 da Seas At Risk apontou que um cruzeiro com 3.000 passageiros produz por dia, em média, 100.000 litros de resíduos antropogênicos e 706.000 litros de águas cinzas (águas residuais de chuveiros, pias, lavanderias e cozinhas).
A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) informa que alguns dos resíduos descartados incluem restos de comida e materiais relacionados, como toalhas de papel ou louça, águas cinzas e água de porão que pode conter óleo, graxa e outros contaminantes, todos podem impactar na qualidade da água.
Romain Salza, doutor em bioquímica e microbiologia, afirmou à AFP que, embora haja navios antigos, mal conservados e com tecnologias ineficientes, as frotas modernas estão "sujeitas a padrões muito elevados, com sistemas verdadeiramente avançados e certificados".
As embarcações devem cumprir a Convenção MARPOl, adotada pela OMI, que proíbe o despejo de resíduos sólidos no mar, inclusive em alto mar, reforçou Salza.
Além disso, Salza destacou que as embarcações contam com sistemas abrangentes de gerenciamento de resíduos: triagem, compactação, trituração, desidratação, incineradores certificados, refrigeração, armazenamento seguro e descarte obrigatório no porto para plásticos, metais, óleos e resíduos perigosos.
“O descarte dos efluentes tratados é feito abaixo da linha d'água” do navio — que separa a parte submersa do casco da parte emersa — e “mesmo a água tratada nunca sai em cascata ou em queda livre”, disse ao enfatizar que “tal descarte seria hidraulicamente impossível” e “perigoso para a integridade do navio”.
A OMI confirmou à AFP que todos os navios de cruzeiro devem respeitar os tratados, cujos anexos IV e V regulamentam a poluição por esgoto e resíduos.
“Plástico, cordas sintéticas, apetrechos de pesca, sacos de lixo de plástico, cinzas de incineração, escória [um resíduo de carvão], óleo de cozinha, detritos flutuantes, revestimentos ou materiais de embalagem, papel, trapos, vidro, metal, garrafas, louça ou qualquer outro resíduo semelhante: nada disso pode ser jogado ao mar de forma alguma”, detalhou a OMI.
Como afirma a OMI em seu site, há uma diferenciação entre os tipos de resíduos alimentares e seus descartes no mar: os restos de comida moídos podem ser descartados com parâmetros mais flexíveis, enquanto os resíduos alimentares não triturados devem ser descartados “apenas dentro de 12 milhas náuticas da costa, fora das áreas especiais”.
“Resíduos de carga contidos na água de lavagem” devem ser descartados sob as mesmas condições, assim como “carcaças de animais (que devem ser cortadas ou tratadas de outra forma para garantir que afundem imediatamente) só podem ser descartadas fora de áreas especiais”.
Essas áreas, como o Mediterrâneo, o Mar Báltico, o Mar Negro e a Antártica, possuem regulamentações mais rigorosas.
