Não existe lei que determina “toque de recolher” para crianças e jovens após as 22 horas

  • Publicado em 13 de outubro de 2025 às 17:13
  • 3 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
O Congresso Nacional não aprovou uma legislação que determina “toque de recolher” para crianças e jovens após as 22h, como afirmam publicações visualizadas mais de 784 mil vezes nas redes sociais desde 1º de outubro de 2025. Os posts são baseados em supostas reportagens jornalísticas, mas os vídeos foram manipulados com inteligência artificial. Não há registro de norma similar no Diário Oficial da União (DOU) ou na página de últimas leis aprovadas no site do Congresso. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura aos menores de idade o direito à liberdade.

“Toque de recolher para filhos” e “não deixe seu filho sair de casa” são frases sobrepostas a vídeos compartilhados no Instagram (1, 2) e no TikTok (1, 2). 

As alegações são compartilhadas em duas versões: em uma, a apresentadora do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos, supostamente informa: “Amanhã, quarta-feira, entra em vigor um toque de recolher infantil em todo o país. Proteja seus filhos. A partir das 22 horas nenhum menor poderá permanecer fora de casa [...] A lei teria sido aprovada em segredo. Sem debate público”.

Na outra versão, o apresentador William Bonner teria noticiado: “Amanhã, terça-feira, começará o toque de recolher infantil em todo o país. Proteja seus filhos porque eles já não estarão seguros nem na escola, nem na rua, nem mesmo dentro de casa. Fechar a porta não será suficiente”

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Capturas de telas feitas em 6 de outubro de 2025 de publicações no TikTok (.)

De acordo com o conteúdo viralizado, a suposta norma impondo um toque de recolher generalizado para menores de idade teria sido aprovada de forma “sigilosa”. Mas não há qualquer registro de aprovação de texto do tipo. 

Uma pesquisa no site do Diário Oficial da União, do Congresso Nacional e do Normas.leg – onde é possível consultar a evolução de legislações federais ao longo dos anos – não mostrou nenhuma lei com esse teor. 

Uma pesquisa no Google pelos termos “toque de recolher”, “menores” e “22h” exibiu uma nota da Câmara dos Deputados, de 7 de junho de 2024, informando sobre a votação do Projeto de Lei 4590/12, de autoria do ex-deputado Roberto de Lucena (atual secretário de Turismo do Estado de São Paulo). 

O texto, apresentado em 2012 por Lucena, propõe limitar a permanência de menores de idade em estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas até as 22h. Em 2024, a proposta foi aprovada em uma comissão da Câmara, mas desde então aguarda a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura o direito à liberdade aos menores de idade, não determina um toque de recolher nacional e tampouco define horários para circulação em espaços públicos. O estatuto prevê o direito de “ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais”.

De acordo com o artigo 149 do ECA, cabe à autoridade judiciária aplicar restrições pontuais, avaliadas caso a caso, sobre a entrada e permanência de menores de idade desacompanhados em locais específicos. O texto cita espaços como estádios, ginásios, bailes, boates, casas de jogos eletrônicos e estúdios cinematográficos.

O ECA também prevê restrições por faixa etária. Por exemplo, crianças menores de dez anos só podem ingressar e permanecer em locais de apresentação ou exibição quando acompanhados dos pais ou responsáveis.

Vídeos manipulados

As gravações que embasam os conteúdos tampouco são verdadeiras. 

Uma análise das vozes dos vídeos, feita com a ferramenta Hiya do InVID WeVerify, indicou que os supostos áudios de Renata Vasconcellos e William Bonner têm respectivamente 98% e 99% de probabilidade de terem sido manipulados por inteligência artificial.

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Capturas de telas feitas em 6 de outubro de 2025 das análises de áudios feitas com a ferramenta Hiya do InVID‑WeVerify (.)

Uma busca no site do Jornal Nacional pelos termos “toque de recolher” e “menores” não encontrou nenhuma reportagem com esse teor. 

Este conteúdo também foi verificado pelo Aos Fatos

Referências

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