Artigo que vincula Brigitte Macron a suposta morte de cirurgião é falso

Desde o início de 2025, Brigitte Macron, esposa do presidente francês Emmanuel Macron, tem sido alvo de desinformação transfóbica. Neste mês de julho, publicações visualizadas mais de 50 mil vezes nas redes sociais anunciam a morte de um cirurgião que supostamente teria exposto a “transição de gênero” da primeira-dama. No entanto, as alegações não têm fundamento e a AFP verificou que elas começaram em uma página que usurpou a identidade de jornalistas.

"O Dr. François Faivre, um cirurgião parisiense de 58 anos que confirmou aos investigadores que Brigitte Macron passou por uma cirurgia de afirmação de gênero no Hospital Americano de Paris, foi encontrado morto em 29 de junho após o que as autoridades descreveram como uma "queda terrível" de sua janela do quarto andar no 12º arrondissement de Paris", diz a legenda de uma publicação no Facebook.

A alegação também circula no Instagram, no X e no Telegram, assim como em espanhol, francês, inglês e catalão.

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Captura de tela feita em 21 de julho de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

Muitas das publicações são embasadas na captura de tela de um artigo, em inglês, publicado no site The People’s Voice, com o título: "Cirurgião que expôs passado de transgênero de Brigitte Macron é encontrado morto após cair de prédio"

O texto cita como fonte da informação um vídeo, em francês, que relata a suposta morte de François Faivre com imagens de bombeiros e policiais. 

Na gravação, uma voz masculina fora da câmera afirma: “A irmã de François Faivre, Anne Dupont, defende que não foi suicídio e que sua morte provavelmente está relacionada à entrevista que ele iria conceder. Segundo Dupont, seu irmão trabalhava com o famoso médico Patrick Bui. François Faivre havia prometido aos jornalistas que esclareceria as dúvidas sobre as polêmicas cirurgias de Brigitte Macron”.

No início de 2025, a série de vídeos “Becoming Brigitte” feitos pela blogueira norte-americana Candace Owens gerou uma onda de desinformação nas redes sociais sobre a suposta identidade trans da primeira-dama francesa, boato que também foi espalhado antes das eleições de 2022 na França.

O vídeo agora viralizado também inclui imagens que aparecem nas publicações de Owens, como uma capa de revista (22:07) e uma foto de Brigitte Macron com Patrick Bui (24:56), cirurgião que supostamente a operou.

No entanto, não foi encontrado nenhum registro da existência de "François Faivre" e o vídeo compartilhado nas redes remonta a um site francês que usurpou a identidade de jornalistas reais, como verificado pela AFP. 

Vídeo com inconsistências

Uma busca reversa identificou que as imagens de bombeiros e policiais que compõe a sequência viral são de uma gravação feita pela AFP em 14 de outubro de 2022, em Paris, mais de dois anos antes do suposto incidente, e na qual não há menção à morte ou suicídio de nenhum cirurgião.

Uma análise do áudio do conteúdo com a ferramenta de detecção de inteligência artificial do InVID-Werify revelou uma “probabilidade muito alta” de ter sido criado digitalmente.

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Captura de tela feita em 10 de julho de 2025 do resultado de análise na função Hiya, do InVID

A suposta reportagem alterna imagens reais com outras que mostram sinais de inteligência artificial. Por exemplo, a gravação da suposta “irmã do falecido”, Anne Dupont, apresenta anomalias como mudanças no tamanho dos olhos, no brilho dos dentes e piscadas pouco naturais, características de criações digitais. 

O mesmo ocorre com o suposto “François Faivre”, que não pisca uma única vez durante os mais de 40 segundos que dura a aparente entrevista com a revista Closer no vídeo viral. 

Questionada pela AFP, a equipe editorial da revista confirmou que "nenhum jornalista da Closer" entrevistou o suposto médico. "É completamente falso. Essa informação não é verdadeira", afirmou.

No trecho em que o homem aparece, também são visíveis várias inconsistências gráficas, como a parede descontínua atrás dele ou os diplomas nos quais é possível ler uma parte do texto, mas outra não.

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Captura de tela do vídeo viral no X, feita em 25 de julho de 2025, com marcações feitas pela AFP (.)

Na entrevista, o suposto cirurgião afirma ter trabalhado “no Hospital Americano de Paris durante seis anos”, onde conheceu o Dr. Patrick Bui, que supostamente lhe contou sobre "as supostas mudanças físicas de Brigitte Macron"

No entanto, embora o Dr. Bui seja listado como profissional do centro médico, o Hospital Americano de Paris confirmou à AFP que não há registro "de nenhum François Faivre tendo atuado como cirurgião plástico" na instituição.

O nome também não aparece ao pesquisar no diretório da Assurance Maladie, um banco de dados de todos os médicos que atuam na França.

A AFP tentou identificar seu rosto através da ferramenta de reconhecimento facial PimEyes, o que levou à imagem de um homem com traços semelhantes ao suposto Faivre no banco de imagens iStock da Getty Images, publicada em 28 de maio de 2017.

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Captura de tela do vídeo viral (esquerda) e da imagem do fotógrafo Juanmonino feita em 21 de julho de 2025 (.)

O rosto também aparece em páginas de conteúdo comercial sem relação com o vídeo usado nas matérias, o que poderia indicar que a foto corresponde a um ator ou modelo cuja imagem foi manipulada com inteligência artificial para gerar desinformação, algo que a AFP já verificou em outras ocasiões.

Identidades roubadas por um site de notícias falsas

O registro mais antigo da alegação viral foi encontrado pela AFP no site francês Enquête du jour, que não oferece informações sobre seus criadores ou detalhes de contato.

Uma pesquisa no Whois, ferramenta para obter informações sobre domínios na internet, mostrou que a página foi criada em 25 de junho de 2025, apenas uma semana antes da publicação do artigo. Ela foi registrada sob o nome Ano Nymous, com endereço em Wilmington, Delaware, Estados Unidos.

Além disso, os artigos do site parecem ser assinados por jornalistas franceses, mas cinco deles relataram à Franceinfo que suas identidades haviam sido roubadas. "Ver sua foto e seu nome como assinatura em artigos usados em uma campanha massiva de desinformação não é nada agradável ", disse Aurélien Defer, um dos afetados, à AFP.

Referências

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