
Documento da CIA sobre fuga de Hitler para a Argentina circula desde 2017 e não tem respaldo
- Publicado em 7 de maio de 2025 às 20:27
- 5 minutos de leitura
- Por Johanna LEHN, AFP Alemanha
- Tradução e adaptação Sofia BARRAGAN , AFP Argentina , AFP Brasil
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“A CIA acaba de confirmar em arquivos desclassificados da Argentina que HITLER DEIXOU A ALEMANHA e foi para a Argentina depois da Segunda Guerra Mundial!!”, é a legenda de publicações compartilhadas dezenas de vezes no Facebook, no Reddit e no X.
De acordo com o documento compartilhado junto à alegação, um informante identificado como “Cimelody-3” afirmou que um amigo ouviu, em 1955, o suposto ex-oficial nazista Phillip Citroën dizer que ele “contatava Hitler uma vez por mês na Colômbia” e que o líder nazista havia se mudado para a Argentina em janeiro daquele mesmo ano.
Afirmações semelhantes circulam em espanhol, inglês, romeno e alemão.

No final da Segunda Guerra Mundial, muitos nacional-socialistas fugiram para a América do Sul. Entre eles estavam Adolf Eichmann, responsável pelas atas da Conferência de Wannsee, onde foi organizado o genocídio dos judeus, e Josef Mengele, médico do campo de concentração de Auschwitz conhecido por realizar experimentos em prisioneiros.
Após o envio de arquivos confidenciais aos Estados Unidos em 1º de abril de 2025 (1, 2), a Argentina tornou públicos, no dia 28 do mesmo mês, mais de 1.300 documentos sobre nazistas refugiados no país, incluindo decretos presidenciais que até então eram mantidos em segredo.
No entanto, é falso que o documento da CIA compartilhado nas redes sociais prove que Adolf Hitler fugiu para a América do Sul depois da guerra.
A existência do relatório não constitui uma prova
Uma pesquisa no Google por “Adolf Hitler”, limitando os resultados ao site da CIA, exibiu o documento viral. Trata-se da segunda de três páginas de um arquivo PDF, disponível na biblioteca virtual da agência norte-americana.
De acordo com a descrição em inglês, o documento faz parte da Lei de Divulgação de Crimes de Guerra Nazistas, aprovada em 1998. Sob essa legislação — e de uma lei semelhante sobre o governo imperial japonês — 1,2 milhão de páginas do Escritório de Serviços Estratégicos, o antecessor da CIA, e 114.200 páginas da própria agência foram desclassificadas.
O documento não especifica a data em que deixou de ser confidencial. No entanto, uma busca no Google pelos termos “Hitler”, “CIA” e “Argentina” mostrou que o conteúdo já havia sido noticiado pela imprensa em 2017, em meio a versões que sugeriam que o líder nazista teria estado na Colômbia.
“O fato de tais informações aparecerem em um relatório da CIA não significa que o avistamento esteja 'confirmado' ou que algo esteja realmente 'provado'”, disse Steven Woodbridge, professor visitante da Universidade de Kingston, em Londres, e especialista em história europeia do século XX, à AFP em 9 de abril de 2025.
De acordo com Woodbridge, o mito em torno do documento da CIA é “um bom exemplo dos muitos rumores falsos, teorias da conspiração e alegações fraudulentas feitas por simpatizantes nazistas nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial” e que ainda são perpetuados.
“Mas não há absolutamente nenhuma evidência de que Hitler tenha sobrevivido e 'escapado' para viver na América do Sul”, concluiu.
Isso é confirmado por um documento da CIA, publicado em 4 de novembro de 1955, no qual a agência recomenda ao seu escritório em Bogotá “que desconsidere esse assunto”.
A AFP enviou um pedido de comentário à CIA, mas até a data de publicação deste texto não obteve resposta.
Evidências “irrefutáveis”
Diversos historiadores e instituições acadêmicas (1, 2, 3) afirmam que Hitler e sua esposa, Eva Braun, cometeram suicídio em 30 de abril de 1945 no bunker localizado abaixo da Chancelaria do Reich, em Berlim. Essa informação "é irrefutável", disse à AFP Richard J. Evans, professor de história na Universidade de Cambridge e autor de vários livros sobre o Terceiro Reich.
Todos os relatos de que Hitler foi visto vivo depois de 30 de abril de 1945 “são rumores, ou seja, de segunda mão e/ou não confirmados”, disse Evans.
No entanto, dúvidas sobre a morte de Hitler foram repetidamente levantadas (1, 2), levando os serviços de inteligência ocidentais a investigar o assunto. A morte só foi oficialmente reconhecida em 1956 pelo Tribunal Distrital de Berchtesgaden, em parte porque testemunhas importantes, como seu funcionário Heinz Linge, só puderam ser interrogadas naquele momento.
Em 2018, pesquisadores franceses examinaram fragmentos do crânio e do maxilar do líder nazista encontrados no jardim da Chancelaria do Reich. Em sua análise, eles concluíram que havia “evidência suficiente para a identificação definitiva dos restos mortais do ex-líder nazista Adolf Hitler”.
O historiador Richard Evans também mencionou essa descoberta em sua resposta à AFP. “Somente relatos confirmados de testemunhas oculares em primeira mão provariam que Hitler foi visto na Argentina, e não há nenhum”, explicou. “Alegações de que ele sobreviveu não devem ser levadas a sério”, concluiu.
A AFP já verificou outras alegações falsas sobre o Terceiro Reich (1, 2).
Referências
- Documento original da CIA
- Biblioteca da CIA
- Lei de Divulgação de Crimes de Guerra Nazistas e Lei de Divulgação de Informações sobre o Governo Imperial Japonês
- Richard J. Evans, professor de história da Universidad de Cambridge
- Documento da CIA publicado em 4 de novembro de 1955
- Steven Woodbridge, professor da Universidad de Kingston
- Análise do crânio e maxilar de Hitler