O Fórum Econômico Mundial não assinou um acordo com 14 nações para proibir a concepção natural até 2030

O Fórum Econômico Mundial (FEM) não tem autoridade para impor políticas aos governos nacionais. Apesar disso, desde 16 de abril de 2025, publicações visualizadas mais de 3 mil vezes nas redes sociais afirmam que 14 países assinaram um acordo com a organização para “proibir a concepção natural em 2030”. No entanto, o FEM declarou que essa alegação é “completamente falsa e infundada”, e seu site não contém nenhuma informação sobre um tratado proibindo a concepção natural.

“14 nações assinam tratado do Fórum Económico Mundial para proibir a concepção natural em 2030”, diz a legenda de publicações no Facebook, no Telegram e no X.

Algumas postagens em português são acompanhadas pelo link de um texto publicado no portal Planeta Prisão, que, por sua vez, traduziu o artigo do site The People’s Voice, já verificado anteriormente pela AFP por difundir desinformação (1, 2, 3).

Conteúdo semelhante também circula em inglês, francês, alemão, búlgaro, romeno, espanhol e grego.

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Captura de tela feita em 28 de abril de 2025 de uma publicação no X (.)

O Fórum Econômico Mundial é uma organização internacional responsável pelo encontro anual das pessoas mais ricas e influentes do mundo, realizado em Davos, na Suíça.

As publicações virais começaram a circular em diferentes idiomas no final de março de 2025, um mês antes de Klaus Schwab, fundador e presidente da organização por anos, renunciar repentinamente ao cargo em 21 de abril de 2025. Dois dias depois, o Fórum anunciou uma investigação contra ele após o conselho de administração da entidade receber uma carta anônima na qual Schwab e sua esposa foram acusados de “misturar assuntos pessoais com os recursos do Fórum, sem a devida supervisão”.

De acordo com uma reportagem do Wall Street Journal, a renúncia foi motivada pela decisão do conselho de investigar as acusações, que incluem denúncias sobre viagens de luxo e retiradas de fundos, o que o ex-diretor nega.

O artigo do The People’s Voice compartilhado pelas publicações virais afirma que o FEM busca controlar como e quantos filhos as pessoas teriam, mas não fornece nenhuma informação sobre quando tal acordo teria sido assinado nem por quem.

FEM: declaração “completamente falsa”

Contatada pela AFP, a equipe de relações públicas do Fórum Econômico Mundial negou a afirmação das postagens virais, dizendo que elas são “completamente falsas e sem fundamento”.

“O Fórum Econômico Mundial não propôs, apoiou ou facilitou nenhuma iniciativa, acordo ou posicionamento sobre a proibição da concepção natural ou a substituição da reprodução humana por métodos artificiais”, declarou a organização em 2 de abril de 2025.

Uma busca pelos termos em inglês “gravidez”, “concepção” e “acordo” no site do Fórum não exibiu conteúdo com o teor das publicações viralizadas. Tampouco foram encontrados registros do suposto acordo na imprensa.

Embora alguns pesquisadores tenham trabalhado no desenvolvimento de úteros artificiais para ajudar bebês prematuros, trata-se de um projeto independente do Fórum Econômico Mundial, que não propôs nem desenvolveu nada nesse âmbito.

Além disso, o Fórum é uma fundação independente e não governamental. Isso significa que não tem jurisdição legal para proibir a concepção natural nem para criar leis.

Sobre os úteros artificiais

O texto viral afirma que a “arma” que o Fórum Econômico Mundial usaria para proibir a concepção natural seriam os “úteros artificiais”, o que permitiria a criação de “bebês projetados em laboratórios estéreis, criados em máquinas sem alma”. Tanto as postagens viralizadas quanto o artigo do The People’s Voice exibem imagens do que aparenta ser uma “fabricação em série” de úteros.

Essas imagens fazem parte de uma animação conceitual criada por Hashem Al-Ghaili, um comunicador científico baseado em Berlim, na Alemanha. Em janeiro de 2023, ele explicou à AFP que o seu objetivo era mostrar os avanços na ciência e tecnologia reprodutiva, e não uma instalação real.

Quando a AFP verificou as alegações falsas sobre essas mesmas imagens em 2023, especialistas explicaram que o desenvolvimento completo de bebês fora do corpo humano ainda era tema de ficção científica e, naquela época, as pesquisas se concentravam apenas em dar suporte a bebês extremamente prematuros.

O estudo mais recente sobre o assunto foi publicado em novembro de 2024, liderado por Jennifer L. Cohen, professora associada de Pediatria na Universidade de Duke. A pesquisa se baseia em um modelo existente de útero artificial e investiga se “mudanças na expressão genética e de RNA ocorrem como resultado do útero artificial”, usando em um cordeiro um modelo conhecido como EXTEND (Ambiente Extrauterino para o Desenvolvimento Neonatal).

No entanto, Cohen explicou em um artigo publicado em janeiro de 2025 no site da Universidade de Duke que esse modelo “não será usado para tornar viável uma gestação inviável, mas poderá ajudar bebês extremamente prematuros a sobreviver com menos morbilidades”.

Um artigo sobre úteros artificiais e testes em humanos, publicado em março de 2024 na revista American Scientists, ressalta que, “atualmente, a maioria dos pesquisadores acredita que o uso dessa tecnologia no primeiro trimestre, período em que ocorre a maioria dos abortos, seria impossível”. Entre os autores do estudo está Louise P. King, professora adjunta de Obstetrícia, Ginecologia e Biologia Reprodutiva da Escola de Medicina de Harvard.

Um estudo mal interpretado

De acordo com o artigo do The People’s Voice, o biólogo de desenvolvimento Katsuhiko Hayashi, professor das universidades de Osaka e Kyushu, no Japão, teria feito um avanço científico que permitiria evitar a concepção natural.

O site menciona um estudo de 2023 que descreve a criação de óvulos a partir da modificação de células da pele de um rato. Os pesquisadores fertilizaram os óvulos com esperma de outro rato e os implantaram no útero de mães de aluguel. O experimento resultou no nascimento de sete ratos com dois pais.

No entanto, especialistas afirmam que essa tecnologia ainda está longe de poder ser aplicada em humanos, e que os obstáculos incluem baixas taxas de sucesso, incertezas sobre sua aplicação e uma série de considerações éticas.

Quando uma alegação semelhante viralizou em 2023, Katsuhiko Hayashi disse à AFP que ainda levaria muito tempo até que tal desenvolvimento pudesse ser testado com óvulos humanos. “Não apenas o meu laboratório, mas vários laboratórios ao redor do mundo, tanto acadêmicos quanto industriais, estão tentando criar óvulos e espermatozoides humanos. Mas não é fácil. Levará muito tempo, cerca de 10 anos, para criar óvulos que possam ser testados para fertilização”, observou.

Hayashi acrescentou que a pesquisa sobre células sexuais artificiais não está tecnicamente relacionada com os úteros artificiais. A gametogênese (formação de células sexuais) e o útero são sistemas completamente distintos.

“No meu laboratório não houve nenhum progresso em gametogênese humana in vitro desde julho de 2023”, afirmou Hayashi à AFP em 9 de abril de 2025.

O artigo do The People’s Voice também afirma que o FEM  financiou a pesquisa de 2023. Sobre isso, Katsuhiko Hayashi declarou: “Nunca recebi financiamento do Fórum Econômico Mundial ou de qualquer entidade filiada para nenhum dos meus trabalhos”.

A organização tampouco é mencionada na seção de “Agradecimentos” do estudo de 2023. Segundo o texto, o estudo foi financiado por doações da Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência, cujo orçamento é 99,5% composto por subsídios governamentais. Outras instituições citadas como financiadoras são a Fundação Takeda Science, a Fundação Luca Bella e o projeto Open Philanthropy.

Referências

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