Guias em camelos nas proximidades das pirâmides de Gizé, em 3 de maio de 2024 (AFP / Jewel SAMAD)

Pirâmides do Egito não são o topo de "estruturas subterrâneas", como afirmam publicações virais

As pirâmides do Egito são frequentemente associadas a teorias fantásticas e da conspiração. Nesse sentido, publicações nas redes sociais alegam que descobertas recentes mostram que esses monumentos escondem uma “vasta estrutura subterrânea”. Mas as alegações são baseadas em anúncios feitos por três pesquisadores italianos sem experiência em egiptologia ou arqueologia, e suas hipóteses se baseiam em interpretações de imagens de radar sem base científica, afirmam especialistas à AFP.

"Um estudo inovador usando tecnologia avançada de radar revelou uma vasta e intrincada estrutura subterrânea sob as Pirâmides de Gizé", afirma uma publicação com mais de 1,5 mil interações no Facebook.

Outra mensagem no Instagram diz: “E agora, em 2025, varreduras inovadoras revelaram algo surpreendente sob a Pirâmide de Quéfren: cinco estruturas multi-níveis, oito poços cilíndricos profundos que se estendem por 648 metros, e duas câmaras cúbicas gigantescas com 2 quilômetros de extensão sob o Planalto de Gizé”. 

Conteúdos semelhantes circulam no X e em outros idiomas, como francês, alemão, malaio, árabe e turco. O tabloide britânico Daily Mail também publicou a alegação.

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Captura de tela feita de publicação no Facebook em 30 de abril de 2025 (.)

As mensagens se espalharam nas redes sociais depois que três pesquisadores - Corrado Malanga, Armando Mei e Filippo Biondi - anunciaram as conclusões viralizadas. Uma apresentação dos autores, em 16 de março, está publicada no YouTube.

O trio afirmou que o "radar de abertura sintética" revelou "um complexo subterrâneo colossal" sob a pirâmide de Quéfren, a segunda das antigas pirâmides de Gizé.

Especialistas, no entanto, disseram à AFP que a pesquisa do trio não se sustenta.

"As pirâmides são estruturas monumentais de pedra, construídas sobre um planalto", disse Jean-Guillaume Olette-Pelletier, doutor em egiptologia pela Universidade Paris-Sorbonne. "Elas foram então escavadas ou convertidas para abrigar câmaras funerárias e sepulcrais, mas não há evidências de redes subterrâneas tão profundas quanto as mencionadas." 

Apesar das críticas, Biondi disse à AFP que os pesquisadores mantêm suas afirmações.

"O termo impossível não se aplica quando surgem evidências objetivas", ele disse em um e-mail de 22 de abril. "Nossos dados de satélite indicam a presença de grandes estruturas artificiais sob o Planalto de Gizé, estruturas que parecem pertencer a uma civilização desconhecida, referenciada em mitos antigos em todo o mundo."

“Invenções”

A arqueologia utiliza técnicas como a magnetometria, que pode analisar solos de até três a cinco metros de profundidade, dependendo da sua constituição.  

No entanto, as alegações dos pesquisadores não se baseiam em "nenhum dado cientificamente válido", disse Olette-Pelletier.

Zahi Hawass, arqueólogo e ex-ministro egípcio de Antiguidades, também refutou as alegações em uma publicação feita no Facebook, em 26 de março de 2025.

"Os rumores que sugerem a presença de colunas sob a Pirâmide de Quéfren não passam de invenções propagadas por indivíduos sem conhecimento algum da civilização egípcia antiga ou da história das pirâmides", afirmou.

Hawass acrescentou que nenhum pesquisador usou dispositivos de radar dentro da pirâmide. 

"Não há evidências científicas que sustentem essas afirmações, e nenhuma missão arqueológica está atualmente trabalhando dentro da Pirâmide de Quéfren", complementou o arqueólogo. 

A Nasa usa a tecnologia de radar de abertura sintética (SAR), mencionada pelo trio italiano, para mapear a superfície da Terra, mas Lawrence Conyers, da Universidade de Denver, nos Estados Unidos, disse que o equipamento não foi projetado para detectar estruturas localizadas centenas de metros abaixo do solo. 

"As ondas do radar se atenuam gradualmente no solo. É impossível atingir tal profundidade com essa técnica", disse o especialista em radar.

A Nasa confirmou que o SAR "permite a obtenção de imagens detalhadas do relevo da Terra", mas "não foi projetado para sondar profundidades extremas"

Inteligência artificial 

As publicações também são acompanhadas por imagens geradas por inteligência artificial. 

Uma busca reversa com uma das imagens virais no Google mostrou que a suposta representação já havia circulado na internet em 2023. 

Em setembro de 2024, o meio humorístico Pediavenir compartilhou a mesma imagem com o texto: "Arqueólogos revelam que as pirâmides do Egito são, na verdade, enormes torres construídas no subsolo". 

"Eles amplificaram a farsa para torná-la uma super farsa científica", afirma Jean-Guillaume Olette-Pelletier. 

Nenhuma formação em arqueologia

Os três pesquisadores italianos que anunciaram suas descobertas não têm formação em egiptologia ou arqueologia, e seu trabalho não foi publicado em nenhuma revista científica confiável.

Malanga é pesquisador da Universidade de Pisa, na Itália, mas sua área de especialização é química orgânica e ufologia - o estudo de óvnis.

Biondi, descrito como pesquisador da Universidade de Strathclyde, na Escócia, não faz mais parte da instituição. Ele agora dirige a empresa privada de imagens de radar Harmonicsar, de acordo com suas publicações no LinkedIn.

Mei estudou ciência política e se identifica como um pesquisador arqueológico e jornalista independente, também segundo a conta no LinkedIn.

Ele é autor de várias obras que defendem teorias pseudo-arqueológicas, incluindo uma que afirma que as colinas de Visoko, na Bósnia e Herzegovina, não são formações naturais, mas sim pirâmides antigas construídas por humanos. A comunidade científica e arqueológica refutou essa teoria.

A AFP já verificou outras alegações falsas sobre pirâmides.

Referências

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