África do Sul não suspendeu exportações aos EUA nem proibiu empresas norte-americanas no país

Em fevereiro de 2025, o ministro dos Recursos Minerais sul-africano, Gwede Mantashe, sugeriu parar a exportação de minérios aos Estados Unidos, após o presidente Donald Trump anunciar o congelamento de ajuda a seu país, em resposta a uma lei de desapropriação. Desde então, publicações compartilhadas centenas de vezes nas redes sociais afirmam que a África do Sul efetivamente paralisou a venda desses recursos aos Estados Unidos e suspendeu as atividades de empresas norte-americanas no país. Mas o governo sul-africano e porta-vozes do setor negaram tais medidas à AFP. 

“A África do Sul (BRICS) proibiu oficialmente empresas americanas de operar e *interrompeu as exportações de minerais* para os EUA”, dizem publicações no Facebook e no Instagram.

A alegação também foi compartilhada em inglês, francês, espanhol, holandês, alemão e indonésio.

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Captura de tela feita em 11 de março de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

O conteúdo passou a circular após declarações do ministro de Recursos Minerais e Petrolíferos da África do Sul, Gwede Mantashe, que em 3 de fevereiro de 2025 levantou a possibilidade de interromper a exportação de minerais para os Estados Unidos.

“Se não nos derem dinheiro, não lhes daremos minerais”,declarou Mantashe em seu discurso na cúpula anual Mining Indaba, na Cidade do Cabo.

As afirmações de Mantashe aconteceram um dia depois de Trump ter anunciado que cortaria todos os futuros financiamentos à África do Sul, porque o governo do país estava “confiscando” terras e “tratando muito mal certas classes de pessoas” com um projeto de lei assinado pelo presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, em janeiro.

O mandatário norte-americano se referia a uma lei que permite às autoridades sul-africanas desapropriar terras, em certos casos sem oferecer “qualquer compensação”, quando as propriedades forem de “interesse público”.

A África do Sul não interrompeu as exportações de minérios aos EUA

O porta-voz da Presidência da África do Sul, Vincent Magwenya, afirmou em 17 de fevereiro de 2025, em seu perfil no X, que as mensagens virais “não são verdadeiras”, algo que o Departamento de Comércio sul-africano também confirmou à AFP um dia depois.

Por sua vez, o Conselho de Minerais da África do Sul, uma associação de empregadores do setor, disse à AFP que não tinha conhecimento de nenhuma ação ou medida governamental que pudesse afetar o comércio com os Estados Unidos. A entidade “não recebeu nenhuma notificação sobre qualquer proibição de exportação de minerais para qualquer país”, disse à AFP o porta-voz do conselho, Allan Seccombe.

A África do Sul é o principal parceiro comercial dos Estados Unidos na África e também o maior exportador incluído na Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (AGOA, na sigla em inglês), um acordo comercial que permite que milhares de produtos de países subsaarianos entrem no mercado norte-americano com isenção de tarifas.

Algumas das publicações virais afirmam que os Estados Unidos conseguem, por ano, “mais de US$ 25 bilhões em lucros com a África do Sul”. Na realidade, o comércio total entre a África do Sul e os Estados Unidos em 2024 foi de US$ 20,5 bilhões, dos quais US$ 14,7 bilhões foram exportações sul-africanas.

O setor de mineração é responsável por 25% das exportações da África do Sul, que detém 37% das reservas mundiais de manganês e é o maior fornecedor de platina do mundo.

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Sul-africanos brancos que apoiam o presidente norte-americano, Donald Trump, se reúnem em frente à Embaixada dos EUA em Pretória, em 15 de fevereiro de 2025 (AFP / MARCO LONGARI)

Atividades das empresas norte-americanas no país

Sobre a suposta suspensão das atividades das mais de 600 empresas norte-americanas que operam na África do Sul, não há nenhum registro, em nenhum meio de comunicação consultado pela AFP até 11 de março de 2025, que sustente essa afirmação.

Michelle Constant, diretora-executiva da Câmara de Comércio dos Estados Unidos na África do Sul, disse à AFP em 18 de fevereiro sobre as mensagens virais: “Essa não é uma declaração oficial do governo sul-africano”.

Já a multinacional de mineração Anglo-American, fundada em Joanesburgo, afirmou à AFP que não tem “nenhum registro dessas alegações”.

“Estamos preocupados com o nível de desinformação em torno da Lei de Desapropriação”, acrescentou um porta-voz da multinacional. “Monitoramos de perto o desenvolvimento das relações diplomáticas entre a África do Sul e os Estados Unidos da América”, acrescentou.

Lei visa corrigir injustiças raciais do apartheid

A propriedade de terras é um tema polêmico na África do Sul, já que a maioria dos sítios agrícolas continua nas mãos de pessoas brancas, três décadas após o fim do apartheid - sistema de segregação racial da África do Sul. O governo está sob pressão para implementar reformas.

A Lei de Desapropriação de 2024 substitui outra de 1975 e tem o objetivo de se alinhar à Constituição de 1996, aprovada após as primeiras eleições democráticas da África do Sul em 1994, quando a maioria negra da população pôde votar.

De acordo com o governo, a legislação dá poderes às autoridades para desapropriar terras com o objetivo de “promover a inclusão e o acesso aos recursos naturais”, entre outros motivos.

A minoria branca, especialmente os afrikaners, que representam 7% da população sul-africana, possuía 72% das terras agrícolas em 2017, de acordo com o último relatório do governo.

Em resposta às críticas de Trump, Ramaphosa disse em 3 de fevereiro, no X, que a recente lei não é um instrumento para o confisco de terras. Acrescentou que seu país não recebe nenhum financiamento dos Estados Unidos, exceto pelo Pepfar - um programa da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês) criado em 2003 para combater a Aids -, que financia 17% do programa de HIV/Aids do país.

O bilionário Elon Musk, que nasceu na África do Sul e é parte do governo norte-americano, à frente do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), respondeu à publicação de Ramaphosa chamando a legislação de “leis de propriedade abertamente racistas”.

O Ministério de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul declarou em 8 de fevereiro que a ordem executiva assinada por Trump “não reconhece a profunda e dolorosa história de colonialismo e apartheid da África do Sul”.

Referências

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