Lista imprecisa de tarifas praticadas pelo Canadá circula em meio à guerra comercial com EUA

“TARIFAS DE 25% É MUITO? VOCÊ SABE QUANTO O CANADÁ NOS COBROU HÁ ANOS?”, questionam publicações no Facebook, acompanhadas de uma lista de itens e as supostas tarifas aplicadas pelo Canadá a cada um deles. Segundo a lista, por exemplo, o Canadá cobraria tarifas de 270% sobre o leite vindo dos Estados Unidos, 245% sobre queijos, 298% sobre a manteiga, dentre outros. 

O conteúdo circulou, inicialmente, em inglês desde, pelo menos, o início de fevereiro de 2025, logo após Trump ameaçar pela primeira vez tarifar em 25% os produtos canadenses.

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Captura de tela feita em 7 de março de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

As tarifas norte-americanas sobre produtos canadenses entraram em vigor no último dia 4 de março. Segundo Trump, as alíquotas são necessárias para forçar o país vizinho a tomar providências sobre migrantes e drogas que entram nos Estados Unidos por sua fronteira ao norte, apesar dos dados mostrarem que o volume de entorpecentes vindos do Canadá é mínimo.

Trump também afirmou que o Canadá e os Estados Unidos têm uma relação comercial desigual que precisa ser retificada.

Também em 4 de março, o Canadá anunciou uma primeira rodada de tarifas retaliatórias de 25%, que incluíam diversos produtos citados nas publicações de redes sociais — com exceção de carros e alumínio.

Em 6 de março, porém, o republicano recuou em sua ofensiva comercial contra o México e o Canadá, isentando das tarifas diversos produtos contemplados pelo acordo USMCA (ou T-MEC, na sigla em português).

Em resposta, o Canadá também suspendeu as tarifas retaliatórias contra os Estados Unidos.

Tarifas anteriores à guerra comercial

As publicações nas redes sociais, no entanto, alegam que o Canadá já praticava tarifas excessivas contra produtos norte-americanos antes da disputa comercial entre os dois países.

Segundo Peter Clark, especialista em comércio internacional baseado em Ottawa, as tarifas mencionadas nas publicações foram compartilhadas para 2025 pela Agência de Serviços de Fronteiras do Canadá (CBSA, na sigla em inglês), que classifica muitos produtos como isentos de tarifas se forem provenientes dos Estados Unidos.

“Se você procurar qualquer produto manufaturado dos Estados Unidos, verá que a taxa de imposto é gratuita”, disse.

Clark explicou que, embora existam exceções para alguns produtos agrícolas, o comércio livre de impostos para a maioria dos produtos entre os Estados Unidos e o Canadá tem sido o padrão desde o Acordo de Livre Comércio Canadá-EUA em 1989. Isso foi substituído quando o México se juntou ao grupo econômico em 1994 com o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês) e foi atualizado novamente com o USMCA, negociado durante o primeiro mandato de Trump.

Para cada item listado, a CBSA inclui a porcentagem para a tarifa aplicada, assim como quaisquer isenções. Clark explicou que qualquer produto marcado com “UST” ou “MXT” se refere a isenções tarifárias que são parte da USMCA.

A AFP examinou o documento para verificar se as tarifas citadas nas publicações foram aplicadas aos itens mencionados e encontrou os seguintes resultados:

• Semente de cevada, UST: Grátis
• Açúcar bruto, UST: Grátis
• Manteiga de amendoim, UST: Grátis
• Calçados, UST: Grátis
• Carne bovina, UST: Grátis
• Arroz, UST: Grátis
• Carros, UST: Grátis
• Aspiradores de pó, UST: Grátis
• Alumínio, UST: Grátis
• Tabaco, UST: Grátis

A AFP também comparou essas taxas com aquelas registradas no banco de dados de tarifas da Administração de Comércio Internacional dos Estados Unidos e obteve os mesmos resultados, sem mostrar qualquer taxa de importação sobre os produtos.

As porcentagens citadas nas publicações parecem ter origem também em alegações falsas sobre tarifas canadenses anteriores à guerra comercial de 2025.

Gestão de oferta

As supostas tarifas mais elevadas mencionadas nas publicações eram referentes a laticínios e produtos avícolas, com alguns usuários alegando que essas taxas seriam superiores a 200%.

Mas Clark explicou que o Canadá tem regulamentações para a gestão de oferta desses tipos de produtos, o que significa que, após uma cota de importação ter sido atingida por um exportador específico, é cobrada uma taxa muito mais alta. Essas medidas são permitidas pelo USMCA.

Bruce Muirhead, professor de História na Universidade de Waterloo, disse que o Canadá institui cotas de gerenciamento de fornecimento em itens específicos com a intenção de evitar excedentes agrícolas no mercado do país.

“Como o nome sugere, eles gerenciam a oferta”, explicou.

A lista da CBSA, por exemplo, mostra que o leite tem uma tarifa inicial de 7,5% (com isenções para signatários do USMCA), mas, acima de uma certa quantidade, ela pode aumentar para 241% para qualquer exportador. Isso ainda é menos do que os 270% mencionados nas postagens virais.

Por anos, Trump fez referência à tarifa de 270% sobre o leite sem dar o contexto, inclusive em alegações durante seu primeiro mandato, como na cúpula do G7 de 2018. 

Muirhead disse que outros produtos mencionados nas redes sociais, como manteiga, queijo, ovos e aves, também são regulamentados por políticas de gerenciamento de fornecimento. Assim como o leite, a lista da CBSA mostra que esses itens estão sujeitos a tarifas mais altas quando superarem as cotas iniciais.

Dados oficiais dos Estados Unidos estimaram o déficit comercial geral com o Canadá em US$ 63,3 bilhões no final de 2024, enquanto o painel Statistics Canada relatou que o superávit canadense com os Estados Unidos foi de Can$ 102,3 bilhões (US$ 70,3 bilhões).

Mas o maior fator no desequilíbrio foram as exportações de petróleo e gás do Canadá, de acordo com analistas.

As exportações de laticínios dos Estados Unidos para o Canadá totalizaram US$ 1,14 bilhão em 2024, de acordo com o Departamento de Agricultura norte-americano, quase dobrando em uma década.

Referências

• Lista da CBSA
• Base de dados sobre tarifas dos Estados Unidos
• Acordos comerciais entre Estados Unidos e Canadá (1, 2, 3)
• Dados comerciais entre Estados Unidos e Canadá (1, 2, 3, 4)