O Escudo Europeu da Democracia não tem poder para anular eleições nos países da UE

O Escudo Europeu da Democracia é uma comissão especial do Parlamento Europeu, criada em dezembro de 2024, cujo fim é prezar pela integridade e pela justiça nas eleições de seus Estados-membros. Em fevereiro de 2025, após a eleição da sua presidente, usuários nas redes sociais compartilham uma mensagem que alega que esse mecanismo foi elaborado pela União Europeia (UE) para “anular as eleições se os resultados não forem do seu interesse”. Mas especialistas explicaram à AFP que o Escudo e a UE não têm esse poder, e podem apenas estabelecer padrões democráticos.

“A UE anuncia a criação do ‘Escudo Democrático Europeu’ (EDS), que permitirá a anulação das eleições dos estados-membros caso os resultados não sejam do seu interesse”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram e no X.

A mensagem continua: “Após o golpe de estado realizado pelos funcionários apoiados pela União Europeia na Romênia, os burocratas de Bruxelas decidiram dar um passo adiante com a criação deste órgão que, sob o pretexto de interferência estrangeira, poderá intervir nos processos eleitorais da UE para cometer fraudes”.

O conteúdo também circula em inglês, espanhol, francês, romeno e catalão.

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Captura de tela feita em 27 de fevereiro de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

O Escudo Europeu da Democracia (EDS, na sigla em inglês) é uma comissão especial aprovada pelo Parlamento Europeu em 18 de dezembro de 2024 para conter a interferência de países estrangeiros em processos eleitorais da União Europeia (UE).

Sua criação foi proposta em julho de 2024 por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. “A União precisa de uma estrutura própria dedicada à luta contra a manipulação de informação e a interferência estrangeira”, afirmou em um discurso durante a sua campanha à reeleição.

O objetivo do mecanismo é fortalecer a capacidade da UE de detectar, analisar e combater os ataques internos e externos à democracia, conforme explicou à AFP uma porta-voz da Comissão Europeia em 11 de fevereiro de 2025. “Isso fortalecerá que as eleições ocorram com integridade e de forma justa”, declarou.

O EDS é formado por 33 parlamentares, que elegeram a francesa Nathalie Loiseau para presidi-lo em 3 de fevereiro de 2025.

A UE não anula eleições

Loiseau declarou à AFP em 11 de fevereiro de 2025 que “a UE não tem de forma alguma o poder ou a intenção de invalidar eleições dos Estados-membros. Afirmar o contrário é inexato, enganoso e é participar de uma campanha de desinformação”.

Armando Alvares García Júnior, professor de Direito Internacional Público e pesquisador da Universidade Internacional de La Rioja, Espanha, concordou com Loiseau em entrevista à AFP em 17 de fevereiro.

Segundo ele, a comissão “não pode intervir nos resultados eleitorais dos Estados-membros” e “tem como objetivo combater a desinformação e proteger a integridade dos processos democráticos frente a ameaças externas, como ciberataques e manipulação de informações”.

De forma similar, Xavier Pons Ràfols, professor de Direito Internacional Público da Universidade de Barcelona, declarou à AFP em 17 de fevereiro que a alegação viral “é uma falsidade absoluta, um despropósito e uma evidente manipulação”.

“Nem essa comissão (...), nem o Parlamento Europeu, nem nenhuma outra instituição da União Europeia (...) têm nenhum tipo de poder para anular nenhum processo eleitoral de nenhum Estado-membro”, explicou.

Alvares ressaltou que a UE estabelece padrões democráticos que todos os Estados-membros devem respeitar. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Código de Boas Práticas em Matéria Eleitoral da Comissão de Veneza comprometem os países da UE a garantir a imparcialidade dos processos eleitorais.

“Quando um Estado viola esses princípios, a UE pode sancioná-lo mediante a suspensão de direitos de voto no Conselho, a redução de fundos europeus ou a abertura de procedimentos de infração”, detalhou Alvares. “Desse modo, a UE preza pela integridade democrática sem intervir diretamente nos processos eleitorais nacionais”.

Segundo Pons, a UE “respeita profundamente os sistemas políticos democráticos de seus Estados-membros (art. 4.2 do TUE). Em caso algum pode anular eleições, mudar governos ou sistemas políticos ou nenhum outro disparate desse tipo que possa circular nas redes sociais”.

A Comissão Europeia respondeu às afirmações virais em uma publicação no X em 6 de fevereiro de 2025.

Em caso de irregularidades em um processo eleitoral, são os tribunais e as juntas eleitorais de cada Estado que têm o poder de anular as eleições, explicou Pons.

As eleições na Romênia não foram anuladas pela UE

Nas publicações falsas, os usuários também sugerem que as eleições de novembro de 2024 na Romênia sofreram interferência da União Europeia, a partir de “funcionários apoiados” pelo bloco no país . Alegação similar já foi verificada pela AFP, que esclareceu que a instituição responsável por anular os resultados eleitorais no país não foi a UE, e sim o Tribunal Constitucional da Romênia.

“O Tribunal Constitucional [da Romênia] anulou o primeiro turno das eleições presidenciais por indícios fundamentados de interferência estrangeira no processo eleitoral (neste caso, a interferência era russa)”, afirmou Pons.

Referências

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