Robert F. Kennedy Jr. testemunha durante uma audiência do Comitê de Finanças do Senado sobre sua nomeação para secretário de Saúde e Serviços Humanos, no Capitólio em Washington, em 29 de janeiro de 2025 (AFP / ANDREW CABALLERO-REYNOLDS)

Audiência de Robert Kennedy Jr. revive teorias falsas sobre a doença de Lyme e armas biológicas

Em 29 de janeiro de 2025, o Senado dos Estados Unidos interrogou Robert F. Kennedy Jr. por suas polêmicas declarações médicas, após sua nomeação como secretário de Saúde no governo de Donald Trump. Desde então, publicações compartilhadas nas redes sociais que acumulam mais de 4 mil visualizações afirmam que Kennedy estava certo quando afirmou em 2024 que a doença de Lyme foi fabricada como arma biológica. No entanto, segundo especialistas, as evidências mostram que a doença existe há dezenas de milhares de anos e não há nada que sugira que ela foi criada artificialmente por humanos.

“RFK Jr. está correto sobre a doença de Lyme ter sido criada como uma arma biológica em um laboratório em Plum Island, perto da costa de Connecticut”, é a legenda de publicações no Facebook, no Instagram e no Telegram

A mensagem é compartilhada junto a um vídeo no qual o descobridor da doença, Wilhelm Burgdorfer, afirma que ela é uma arma biológica transmitida por artrópodes. 

O conteúdo também circula em inglês e espanhol

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Captura de tela feita em 7 de fevereiro de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

A teoria da conspiração sobre a origem da doença de Lyme como uma arma biológica foi popularizada em um livro de 2004 intitulado "Lab 257: The Disturbing Story of the Government's Secret Plum Island Germ Laboratory" (Laboratório 257: A história perturbadora do laboratório secreto de germes do governo em Plum Island). O livro especulava que cientistas de um laboratório de doenças animais em Plum Island, localizado em Long Island Sound, em Nova York, fizeram experiências com carrapatos infectados com a doença de Lyme, que depois escaparam das instalações por volta de 1975 e se espalharam pelo leste dos Estados Unidos.

Em 2019, o congressista de Nova Jersey Chris Smith anexou uma emenda a um projeto de lei de gastos com defesa instruindo o inspetor-geral do Pentágono a investigar se a doença de Lyme havia se originado como uma arma biológica em Plum Island ou em outra instalação. Embora o texto tenha sido aprovado pela Câmara, ele não aparece na versão final do projeto aprovado pelo Senado.

O Departamento de Segurança Interna, que está desmantelando a instalação de Plum Island e transferindo suas operações para o Kansas, afirmou em sua página oficial, na seção de “Esclarecimentos sobre nossa missão e trabalho”, que os cientistas do laboratório “não pesquisam e nem pesquisaram a doença de Lyme”

No entanto, em janeiro de 2024, Kennedy dedicou um episódio inteiro de seu podcast à doença de Lyme. Nele, discutiu a teoria da conspiração de Plum Island e disse que é “muito provável que a doença tenha sido uma arma militar”.

“Também sabemos que naquele laboratório faziam experiências com enfermidades como a doença de Lyme, colocando-as em carrapatos para depois infectar as pessoas, testando-as com vetores de pássaros etc.”, disse no “RFK Jr. Podcast”.

Durante uma audiência no Senado norte-americano, realizada em 29 de janeiro de 2025, Kennedy testemunhou perante o Comitê de Finanças do Senado afirmando que “provavelmente disse” que a doença de Lyme era uma arma biológica. Mas no dia seguinte, esclareceu em uma audiência do Comitê de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões que “nunca acreditou” que a doença fosse uma arma biológica militar e disse que não havia terminado de ler os livros que faziam essas afirmações.

Doença milenar

A doença de Lyme é transmitida por carrapatos portadores de bactérias chamadas Borrelia mayonii e Borrelia burgdorferi. O pesquisador suíço-americano Wilhelm Burgdorfer identificou a bactéria pela primeira vez em 1982.

A doença geralmente causa sintomas como febre, calafrios, dores musculares e nas articulações. Se não for tratada, pode se espalhar para o coração e o sistema nervoso. 

Foi reconhecida como síndrome na década de 1970 após uma série de infecções, mas cientistas encontraram evidências de que a doença de Lyme existia na América do Norte há 60 mil anos.

Em 1994, pesquisadores também encontraram evidências da bactéria que causa a doença de Lyme em animais dissecados coletados entre 1870 e 1919, décadas antes da criação do laboratório de Plum Island.

Burgdorfer concedeu uma entrevista na qual sugeriu que a propagação da doença de Lyme pode ter sido resultado de um experimento fracassado com armas biológicas. No entanto, isso ocorreu em uma fase avançada de sua vida e, segundo informações à época, nesse momento ele sofria de doença de Parkinson em estágio avançado.

“Absurdo”

Durland Fish, professor emérito de epidemiologia na Universidade de Yale que trabalhou em Plum Island na década de 1990, disse à AFP que o laboratório não poderia conduzir pesquisas sobre doenças, como a doença de Lyme, porque não tinha instalações de contenção adequadas nem equipamentos de proteção para os funcionários. 

Fish, que trabalhou com Burgdorfer quando ele estudava a doença de Lyme, também disse que os entrevistadores “interpretaram mal” as declarações do cientista suíço sobre a doença e que não há evidências de que ela tenha sido fabricada por humanos.

“Willy não estava em seu melhor estado de saúde mental na época, e não há absolutamente nenhuma verdade nas alegações de que ele estava envolvido em algum tipo de atividade de guerra biológica”, disse ele em 4 de fevereiro.

Além disso, argumentou que a doença de Lyme não seria uma arma biológica eficaz porque é transmitida principalmente por picadas de carrapatos e pode ser tratada com antibióticos.

Por sua vez, Bryon Backenson, diretor do Escritório de Controle de Doenças Transmissíveis do Departamento de Saúde de Nova York, disse que “é absurdo pensar que algo assim seria usado para guerra biológica”.

Na mesma linha, afirmou que “não há evidência” de que a doença de Lyme tenha sido materialmente concebida por humanos ou introduzida artificialmente no meio ambiente. Ele também observou que há registros de nativos americanos que contraíram a doença, chamada de “joelho de Montauk” por alguns, centenas de anos atrás.

Para Backenson, o relativo sigilo da investigação de Plum Island deu origem a diversas teorias “sensacionalistas”. O cientista inclui entre elas a tese que liga a doença de Lyme a Plum Island, dada sua relativa proximidade com a cidade de Old Lyme, em Connecticut, onde foram diagnosticados alguns dos primeiros casos.

Por outro lado, ele disse que a doença se espalharia muito lentamente para servir como uma arma militar útil. “A doença de Lyme é transmitida pela picada de carrapatos infectados, portanto, é necessária a picada do carrapato para entrar em contato com os seres humanos. Por isso, acredita-se que não seja uma boa opção como arma biológica”, escreveu em um e-mail para a equipe de verificação da AFP em 31 de janeiro.

O Checamos já verificou outras alegações envolvendo Kennedy (1, 2, 3). 

Referências

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