Entenda por que não é certo dizer que a Cordilheira dos Andes impede a formação de furacões no Brasil

  • Publicado em 16 de outubro de 2024 às 20:13
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em 9 de outubro, o furacão Milton atingiu a Flórida, nos Estados Unidos, deixando 16 pessoas mortas. Desde então, usuários de redes sociais interagiram mais de 200 mil vezes com um vídeo que supostamente mostra como a Cordilheira dos Andes impede furacões de atingirem o Brasil. Mas, na verdade, o vídeo mostra apenas ciclones extratropicais e frentes frias que atingem o Chile. A Cordilheira tampouco é a responsável por impedir furacões na região, mas sim as condições atmosféricas e as baixas temperaturas das águas do mar.

Vídeo mostra como a Cordilheira dos Andes protege o Brasil dos furacões”, lê-se no texto sobreposto a um vídeo compartilhado no TikTok. Na gravação, é possível ver imagens de satélite que mostram a circulação de ventos ao longo dos dias na América do Sul.

Alegações semelhantes também circulam no Facebook, no Instagram, no Bluesky, no Threads, no Kwai e no X.

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Captura de tela feita em 15 de outubro de 2024 de uma publicação no TikTok (.)

O conteúdo começou a circular após o furacão Milton atingir o estado norte-americano da Flórida entre a noite do dia 9 de outubro e a madrugada do dia 10. Até o momento da publicação desta checagem, 16 mortes foram confirmadas. 

Entretanto, a alegação de que a Cordilheira dos Andes protege o Brasil de furacões é falsa.

Por que os furacões são raros no Brasil?

O furacão é um tipo de ciclone originado em regiões tropicais. Para que ele se forme, são necessárias algumas condições: águas oceânicas quentes (a partir de 26,5°C), baixa pressão atmosférica, ar quente e úmido, além de uma variação limitada na velocidade e na direção do vento.

Vinícius Lucyrio, meteorologista da Climatempo, pontua que a temperatura das águas e a velocidade dos ventos são os principais fatores que impedem a formação de furacões no Brasil. 

Mesmo a região que seria mais propícia no país, indica Lucyrio, “tem grandes diferenças de velocidade e direção do vento, o que torna o ambiente hostil para a formação desse tipo de fenômeno”. “As águas no Atlântico Sul tropical e subtropical também não são suficientemente quentes para manter esse sistema ativo por tanto tempo, por isso a ocorrência de furacões no Atlântico Sul é tão mais rara”, acrescenta.

Esses aspectos também são apontados como obstáculos pela empresa de meteorologia MetSul em uma verificação sobre a alegação viral. O texto cita que a maior divergência dos ventos “é o principal [fator] que desfavorece os ciclones tropicais de ganharem maior intensidade na costa brasileira quando se formam, não se transformando em furacões e permanecendo como tempestades tropicais”.

Lucyrio reitera que mesmo na região Nordeste do Brasil, onde as águas costumam ser mais quentes, não há condições para esse fenômeno. “Em alto mar, mais distante da costa, as águas não são tão quentes assim. E quando a gente chega em uma região que tem água suficientemente quente, é próximo da linha do Equador. Ali não tem uma força de Coriolis forte o suficiente para fazer com que haja giro de ciclone”.

Ele aponta que o ambiente também não é favorável no lado oeste da América do Sul, onde fica a Cordilheira dos Andes. “Nós temos águas bem mais frias e um ambiente atmosférico bem mais hostil que impede a formação de algum ciclone tropical. (...) Então, a Cordilheira dos Andes não protege de furacões porque não tem furacão naquele lado”.

No mapa abaixo, retirado da plataforma de dados climáticos Climate Reanalyzer, é possível ver que a temperatura média das águas que banham a costa brasileira e a costa de parte da América do Sul são mais baixas.

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Captura de tela feita em 15 de outubro de 2024 do site do Mapa de Temperatura da Superfície do Mar elaborado pelo Climate Reanalyze (.)

Contudo, em um evento sem precedentes, a parte sul de Santa Catarina e o litoral norte do Rio Grande do Sul foram atingidos por um furacão em março de 2004. O Catarina provocou 11 mortes e deixou 14 municípios em estado de calamidade.

No caso, não havia condições de águas excepcionalmente quentes para formação de um furacão. Então, foi uma exceção mesmo. O que originou o furacão Catarina foi uma condição atmosférica que impediu o sistema de baixa pressão de avançar para o Atlântico Sul. Ele ficou praticamente estacionário no mesmo local por vários dias e esse sistema de baixa pressão encontrou um ambiente raramente favorável, com pouca diferença na direção e na velocidade dos ventos nas diferentes camadas da atmosfera”, esclarece Lucyrio.

O vídeo viral

Além do furacão, existem outros dois tipos de ciclones: o extratropical, muito comum no Brasil e na América do Sul, e o subtropical, comum nos litorais da região Sudeste e da Bahia.

Lucyrio explica que o vídeo viral exibe justamente imagens de um ciclone extratropical. “A gente vê que tem vários sistemas de circulação horária de ventos, que são típicos de ciclones, chegando ali na costa do Chile e se dissipando na hora que encontra uma Cordilheira dos Andes. Foi isso que gerou a confusão. Aqueles giros são de ciclones extratropicais e frentes frias que atingem aquela região”.

Referências

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